É com imenso prazer que apresentamos o primeiro texto de nosso mais recente Confrade: MARCOS ZANON. Leia sem moderação!!!
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Por mais que eu tente, não consigo me controlar. Eu sou oito ou oitenta, tudo ou nada, sim ou não, e por aí vai. Quando me pedem para comprar um lanche, já trago meio caminhão do McDonald’s; se vejo que acabou o ketchup, compro logo dois tubos tamanho família; quando meu chefe acha um pequeno erro de português em meu relatório, já imagino minhas coisas pessoais sendo colocadas dentro de uma caixa e a melancólica despedida dos colegas de trabalho. Certa vez me falaram que iria esfriar na cidade onde estava, por isso saí com um sobretudo, luvas e uma toca de lã do hotel. Percebi um sorriso maldoso do atendente quando me viu saindo à noite, mas deixei pra lá porque ele até que tinha razão: naquele momento fazia dezoito graus, e a frente fria já estava se encaminhando para o sul conforme noticiado na TV enquanto eu passava pelo saguão.
Por mais que eu tente, não sei ser meio-termo. Quando me apaixono, entrego meu coração, minha vida, minha alma, e minha conta bancária também. Já dei um anel de compromisso caríssimo para alguém com quem eu me relacionava há duas semanas, e percebi o desespero da minha “amada” ao dizer que não podia aceitar aquilo porque mal nos conhecíamos. A joalheria aceitou a devolução. Fico encantado com homens que saem com belas mulheres, e sequer um fio do topete se mexe enquanto eles conversam e posteriormente as beijam. Eu provavelmente já estaria descabelado com a empolgação de estar sendo ouvido por uma linda mulher, e já teria falado muito sobre as doenças que atacam a bananeira no sul do Nicarágua. O beijo, que logicamente eu teria tentado mesmo depois de tantas peripécias, certamente sairia em um movimento exagerado de língua e lábios.
Já procurei terapia, mas fui desenganado pelo psicanalista. Fiquei tão empolgado com minha autodescoberta que ligava para ele todo santo dia, e mais de uma vez por dia. Ele me encaminhou para um colega, que depois de algumas sessões disse estar sem tempo para me atender. Quando me interesso por uma música, eu a escuto durante uma semana; se gosto de um livro, o releio por no mínimo três vezes, e quando um assunto me interessa, pesquiso exaustivamente sobre ele. Comigo é assim: não bastam as estrelas, a Via Láctea também precisa entrar no negócio.
Eu acho que não há remédio para mim. Talvez seja genético, talvez tenha a ver com os sustos que minha mãe levou no período de gravidez, talvez seja um problema psicológico, mas uma coisa é certa: faz parte da mim. Se eu conseguisse abandonar todo esse exagero que permeia minha vida desde meus remotos tempos de infância, seria como arrancar as asas de um pássaro, extrair os dentes de um esquilo, arrancar as brânquias de um peixe. Em um mundo de iguais, ter identidade e não se render à máquina moldadora de caráter é quase um crime, mas mesmo assim é compensador.
Deixe-me com meus dois tubos de ketchup tamanho família em uma casa de solteiro. Deixe-me comprar quatro Mc’Lanches para uma pessoa, deixe-me escutar John Mayer cantando a mesma música por mais de trinta vezes seguidas. Deixe-me ser feliz, deixe-me ser próprio, deixe-me ser meu. Deixe-me ser eu mesmo.
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