Dos muitos comportamentos esquisitos do nosso tempo, a turra ideológica talvez seja o mais difícil de explicar. Discutir e comparar Beatles com Rolling Stones numa conversa entre amigos, vá lá. Exaltar-se numa mesa de bar porque o cara ao lado insiste que o homem não esteve na lua continuará sendo apenas uma resposta emotiva para uma discussão estéril, mas tão comum quanto inofensiva. Quando terminarem as picuinhas mútuas, seu amigo e o cara ao lado ainda serão tidos como tais e antes de chegarem em casa já terão se esquecido do que os levou a divergir de você.
A coisa vira mesmo um conflito de árabe com judeu quando a discussão tem como objeto alguma questão ideológico-partidária e tende a descambar para a briga declarada quando aponta para o político que a personifica. Se você acha que anda faltando emoção em sua vida, experimente relembrar alguma mancada desses personagens a um dos seus seguidores e você já terá um bom entrevero para chamar de seu. É nisso que dá defender pessoas ao invés de ideias e princípios.
O problema todo talvez seja alguma anomalia cognitiva – ou sabe-se lá o que – que atrai para o domínio pessoal qualquer menção desfavorável a um ato ou fala do venerado. Quando alguém defende que fulano é inocente ou que sicrano é mito, são a lógica e o bom senso que deveriam sentir as dores do insulto, e não o interlocutor. O mais comum, no entanto, é que vire uma questão de honra fazer a defesa do ídolo ofendido e o que se segue quase sempre são sopapos e pontapés na racionalidade.
A adesão sem critérios a circunstâncias e a posicionamentos políticos sabidamente voláteis acabará atraindo situações contraditórias e difíceis de serem explicadas depois. O Governador que era inimigo por ser do partido político errado agora é aliado porque tem se saído muito bem em afrontar o inimigo maior. O canal de televisão que não prestava agora “vai bem, obrigado” porque ocupa boa parte do seu horário nobre com críticas dirigidas ao governo de oposição. Por fim, o ex-juiz foi rapidamente de mocinho a bandido porque um dia acordou com vontade de revelar a mania do seu chefe de intervir em assuntos que não lhe diziam respeito.
Mesmo com certas verdades mudando de lado, sempre haverá gente fincando o pé em suas crenças ideológicas e se esmerando para defender o indefensável. É possível também que a hostilidade com o pensamento adverso continue a desfazer amizades e a transformar gente pacata em ferozes defensores da conduta alheia. Pode ser que trocar um pacote fechado de ideias por seus próprios princípios te livre de precisar justificar a mão leve de um ou a pouca intimidade com a inteligência do outro, mas não te colocará a salvo da fúria de um convertido quando expressar uma opinião contrária à dele.Pensando bem, como é mesmo aquela história da bandeira americana tremulando na lua, em um ambiente sem vento?
Comments: no replies