Lá estava eu, surfando pelo YouTube – entre palestras, cursos, entrevistas -, quando fui parar nos vídeos promovidos pela TED (Tecnologia, Entretenimento e Design). Dessa vez, a fonte para minha proposta de reflexão é a palestra de Lama Michel, um jovem monge budista brasileiro.
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Ele contava algumas de suas experiências de vida e mencionou seu encontro com um rabino da comunidade de seus familiares (Isso mesmo: sua origem é judaica). Ao receber Lama Michel, o rabino teria dito a ele:
Se eu sou eu, porque você é você
E se você é você porque eu sou eu
Então, eu não sou eu e você não é você.
Mas, se eu sou eu porque eu sou eu
E se você é você porque você é você
Aí, podemos conversar
Pois somos verdadeiros
Uau! Que genialidade! Que profundidade! Você já havia pensado nisso? Pode ser que sim. Mas traduzir a ideia da autenticidade humana assim, com essas palavras, foi demais!
Sermos por nós mesmos.
Falando assim, parece até uma banalidade. Mas você conseguiria responder: por que você é você? Pelo que você é você? Para que você é você? Você é você?
Nossa! Que papo de doido!
Talvez doideira seja não pensarmos sobre isso…
Geralmente, colocamo-nos no automático, tentando dar conta de um cotidiano cujas relações humanas se baseiam em sermos “em relação a”. Quando você diz que é professor, ou engenheiro, ou médico, ou dentista, ou balconista, ou diarista, está traduzindo o que você é em relação à profissão. Quando você diz que é diretor, gerente, chefe, subordinado, está traduzindo o que você é em relação à função no trabalho. Você pode ser marido, namorado, esposa, namorada, ficante, paquera, crush; então, significa o que você é em relação ao seu par romântico. Dizer-se católico, mulçumano, judeu, umbandista, é dizer o que se é em relação à religiosidade. Podemos ser da classe A, da B, da C e isso significa o que somos em relação ao nosso poder aquisitivo.
Está bem! Nossa conversa parece óbvia demais: somos criaturas sociais e, portanto, nosso olhar será sempre em relação ao outro, certo? Hum… Talvez, nem sempre…
Como assim? É que se, por um lado, relativizar nossa visão de mundo faz parte da própria comunicação humana, por outro lado, somos criaturas essencialmente únicas. Muitas vezes, uma relação humana deixa de ser autêntica quando um indivíduo é, ou deixa de ser, simplesmente porque o outro é ou deixou de ser.
É muito comum ajustarmos nosso comportamento em função da resposta que desejamos obter do ambiente. Assim, por exemplo, quando o diretor de uma empresa se relaciona com seus gerentes, ele pode se mostrar de um jeito e quando se relaciona com seu presidente, ele pode se mostrar de outro jeito. Talvez possamos também perceber essa mesma dinâmica quando um homem se relaciona com seu filho e quando ele se relaciona com seu próprio pai. Ele é filho porque o outro é seu pai. Ele é pai porque o outro é seu filho. E assim, vamos assumindo nossos diversos papéis sociais.
Ué! Mas é tão lógico, não? É sim. Não estou tentando convencer você do contrário. O que eu quero é propor uma reflexão sobre até que ponto podemos restringir nossa genuinidade em função de nossas relações cotidianas.
Quando somos genuínos? De que forma? Por qual motivo? Em detrimento de quê?
Pensando nessas questões, eu cruzei com um post – em meu perfil do Facebook – que trazia a seguinte fala de Alan Wilson Watts (britânico falecido nos anos 1970 que, além de filósofo escritor e orador, era também estudante de religião comparada): “Acordar para quem você é requer desapego de quem você imagina ser”. Então, pergunto: ao nos desapegarmos do Ego, afastamos as pessoas que se relacionavam com ele? Quais seriam as pessoas que nos aprovariam? Que diferença faria para nossas vidas?
Freud apresentou suas primeiras ideias sobre ego em texto de 1923 (O Ego e o Id). Posteriormente, desenvolveu um modelo de estrutura psíquica composta por três partes: O Ego, o Id e o Superego. A primeira parte (o Ego) seria aquela que mostramos aos outros. Sustentado pela razão, o Ego está “preso” entre os desejos do Id e as regras ditadas pelo Superego, tentando conciliar os dois lados. A segunda parte (o Id), seria norteada pelo “princípio do prazer”, no entanto seus desejos são frequentemente reprimidos. A terceira parte (o Superego) seria formada por regras sociais e morais que aprendemos na sociedade. Essa parte teria a função de conter os impulsos do Id. (fonte).
Essa explicação é breve e superficial. Os estudos sobre o Ego – um elemento abordado não apenas por Freud – são profundos e extensos. Minha intenção é apenas embasar nossa discussão com um pouco de conceito. O senso comum simplifica a definição do Ego como “autoimagem” (aquilo que imaginamos ou idealizamos ser). Ao tentarmos compreender nosso Ego, podemos nos chocar com sua fragilidade e suscetibilidade. Afinal de contas, é por ele que nos idealizamos e, o que é ideal geralmente não é real.
Proponho alinhavarmos nossas reflexões feitas até o momento. Ao modularmos nosso comportamento em função da impressão deixada em nosso ambiente (trabalho, família, amigos etc.), ou de respostas que gostaríamos de receber desse ambiente, tentamos ser uma imagem ideal de nós mesmos. Ideal em relação ao que achamos ser perfeito e ideal em relação ao que imaginamos que os outros acham ser perfeito. Nessa tentativa (às vezes tão insana), acabamos “sendo, porque o ambiente é” e não porque “simplesmente somos”.
Assim, dentro dessa mecânica de interatividade, eu sou em função do que eu quero que você perceba de mim e você é em função daquilo que você quer que eu perceba em você. Ou, nas palavras do rabino: “eu sou porque você é” e “você é porque eu sou”.
Parece complexo, não? E é mesmo! Ainda está difícil de elaborar essas reflexões? Então, proponho dois desafios: 1) Releia meu texto; 2) Escreva-me mandando seus “pitacos”.
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Foto: Marcos Lalli
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