Se eu tivesse que fazer um minuto de silêncio para cada spoiler desse texto, ia ter que ficar quieto uns três meses, no mínimo. Leia por sua conta e risco.
O episódio final dessa segunda temporada de Westworld leva o nome de “The Passenger” (O Passageiro), e diferentemente da maioria dos episódios da série, o título não será apenas tema, mas também ficará explícito, será escancarado para nós, espectadores e pelo menos para um dos personagens. Ainda assim, como é de costume, conseguimos encontrar esse título como tema subliminar em diversas cenas e interações. A imagem do passageiro, é importante observar, nos leva a duas ideias básicas fundamentais para episódio: a ideia da falta de agência sobre a jornada e a própria ideia da jornada. Com relação à primeira, o passageiro não determina nada além de seu ponto de partida, seu ponto de chegada desejado e do meio pelo qual iniciará o trajeto. Engana-se o passageiro que garante para si mesmo que chegará ao destino estipulado pelo mesmo meio que saiu da origem, pois muito pode acontecer pelo caminho. Aliás, engana-se o passageiro que garante para si mesmo que chegará ao destino estipulado. Ou, mais precisamente: que chegará ao destino que visualizou quando deixava seu ponto de origem. O que nos leva à segunda ideia básica: todo passageiro empreende uma jornada. E essa jornada, no mais das vezes, não modifica apenas o ponto geográfico do passageiro. Sim, ele sai da origem e chega a algum destino (esperado ou inesperado) mas, geralmente, o que se modifica é muito mais que sua localização: a jornada o modifica. Em teoria literária, o herói e o vilão podem ser facilmente identificados em sua relação com a jornada da qual ambos são passageiros, e não é necessariamente porque o herói ganha e o vilão perde (a não ser que estejamos no triste campo dos clichês). Nós os reconhecemos porque o herói se modifica com a jornada, e o vilão, não. O herói se deixa transformar, crescer, amadurecer, enquanto o vilão passa sem que nada se passe com ele. Em O Senhor dos Anéis, Frodo e a Sociedade do Anel são passageiros na mesma jornada pela qual passam os Espectros do Anel, mas não é difícil perceber as mudanças profundas que transformam os componentes do primeiro grupo, enquanto os segundos em nada mudam. Temos presenciado situações idênticas em Westworld, e esse episódio nos apresentará vários outros exemplos. Sic transit occidens mundi.
Começamos o episódio com a jornada do passageiro Bernard, em uma cena curiosamente diferente quando a vemos pela primeira e pelas demais vezes. Dolores afirma que ele é quase o homem que ela conheceu, mas difere em pequenos pontos: gestos, expressões, pequenas trincas que se transformam em abismos. Mas ela se pergunta se deveria ou não modificá-lo: afinal de contas, ele não conseguiu. “Não conseguiu o quê?”, nos perguntamos, mas a resposta só virá mais tarde. O monólogo de Dolores pode nos dar a impressão, inclusive, de que é Ford falando por sua boca, em um momento passado em que a personalidade de Bernard estava sendo construída, na tentativa de fazê-lo à imagem de Arnold. Aqui uma questão técnica interessante: Dolores reinicia o processo, afirmando se tratar do teste número 11.927. Os mais matematicamente inclinados perceberão que, se cada teste durasse apenas um minuto, seriam 198 horas seguidas de testes. Se durassem 10 minutos, seriam 83 dias. É razoável pensar que Dolores está adicionando aí os testes realizados para a criação da personalidade de Bernard, empreendida por Ford, há muito tempo, e que boa parte desse processo deve ter se passado no Berço, para adiantar o expediente. Senão, haja paciência. Quanto à diferença entre a primeira e as demais vezes que vemos, perceberemos ao final do episódio que Dolores está recriando Bernard a partir do Bernard que ficou na Forja, depois de seus planos terem sido levados a cabo. E ela o faz com um propósito mais que peculiar e absolutamente alienígena para nós, seres humanos.
Corta para Bernard em marcha para a Forja. O carro para por alguma razão mecânica, e ele deve empreender os últimos quilômetros de sua jornada a pé. A partir daí ele se junta a todos os anfitriões e se torna um peregrino (que nada mais é que um passageiro de suas próprias pernas). Por alguns momentos ele para e, como melhor descreveu Iggy Pop em sua genial canção “The Passenger”: ele “contempla o céu brilhante e sagrado”, com seu olhar chegando até a formação rochosa distante em que se encontra a Forja.
A cena muda para uma tomada de Dolores agarrada ao cadáver de Teddy, ainda na casa arruinada e que os deixamos no episódio anterior. Ela arranca o bulbo em que a unidade de controle está aninhada, e os fãs do pistoleiro se enchem de alegria quando percebem que a bala não a danificou, deformando-se em seu contorno. Em Westworld, a morte continua sendo relativa. Dolores se levanta e dá sequência à sua jornada, passageira de toda uma saga, próxima ao seu destino presente (mas longe do destino final, obviamente, pois a série ainda continuará por pelo menos mais uma temporada). Vemos Dolores cavalgando por belos cenários de pradaria e deserto, até chegar a um distraído Homem de Preto, concentrado em destruir seu braço em busca da redenção que descobrir-se um anfitrião lhe proporcionaria. Vã esperança. (E, sim, digo “vã esperança” mesmo depois de ver a cena escondida depois dos crédito finais).
Dolores recolhe a arma que ele deixou descuidadamente no chão e a vemos sacar a bala deformada pela unidade de controle de Teddy. “Parece que você começou a questionar a natureza de sua realidade”, diz a moça, apontando a arma para a cabeça do Homem de Preto. Ele pergunta onde está Teddy, e ela torce a verdade: “Eu o mandei embora”. O Homem de Preto entende perfeitamente o que ela quer dizer, respondendo: “Acho que também mandei alguém embora”. O remorso de ambos pesa toneladas, claro. Dolores pergunta: “Emily?”, e aqui não há como não coçarmos a cabeça: “Ué? De onde ela conhece Emily, a ponto de saber seu nome e reconhecer sua aparência?” Não podemos nos esquecer de que Dolores se lembra de todas as suas “vidas passadas” no parque e fora dele, e já se encontrou com a menina pelo menos uma vez, na presença de William, na festa de aposentadoria de James Delos, três décadas antes. É razoável imaginar que a tenha visto outras vezes, desde então, o que lhe permite reconhecer-lhe o cadáver. Sim, o cadáver, pois o fato de ela continuar lá, implica o óbvio: Emily está morta. A dúvida do episódio passado está resolvida, e se ainda resta alguma, o fim do episódio “marretará” ainda mais esse ponto na cabeça dos que ainda não acreditam. Contudo, apesar da arma apontada para o Homem de Preto, Dolores não está ali para matá-lo, mas sim para auxiliá-lo a chegar ao seu destino. É uma quebra no comportamento maquiavélico que vemos na moça desde que assumiu sua persona Wyatt, mas uma quebra prá lá de justificável: O Homem de Preto ocupa um lugar especial nas muitas histórias de Dolores, sendo um dos responsáveis por ela rejeitar de vez seus grilhões de anfitriã. Ela tem algo de muito maior reservado para ele. Sendo esse o caso, ambos empreendem juntos a jornada final. Podemos vê-los cavalgando lado a lado até a formação rochosa da Forja, com “os interesses alinhados até que não estejam mais”, nas palavras do próprio Homem de Preto.
A cena corta brevemente para Bernard chegando ao seu destino, à porta que leva à Forja. Ele é abordado por soldados responsáveis pela segurança do local, mas antes que seja questionado, tiros de Dolores e do Homem de Preto — que atira, a cavalo, aliás, com precisão milimétrica usando para tanto o mesmo braço onde minutos antes enfiara um dedo inteiro! A constituição física desse homem é um caso para a ciência. Já a falta de mira dos soldados é, como sempre, um caso de polícia.
Inicialmente o Homem de Preto não reconhece Bernard como sendo a recriação de Arnold, mas em seguida percebe que se trata de um anfitrião, afirmando que Ford nunca foi de deixar os mortos descansarem. Ouvimos, então, Dolores dizer que Ford não o criou, mas sim ela mesma. Ela tentou recriar Arnold, e conseguiu: gerou alguém que tomaria as mesmas decisões do sócio de Ford, isto é, que rejeitaria a vida e enxergaria abominação no que era feito com os anfitriões. Entendendo o erro, Dolores o modificou, tornando-o no que ele é hoje. Essa é uma maneira de os produtores da série nos mostrarem que quem estava no controle o tempo todo — no que concerne à criação de Bernard — era na verdade Dolores, e não Ford. A ela foi dado um enorme poder de agência durante as milhares de sessões de treinamento do anfitrião, e essa experiência lhe será fundamental no futuro.
O Homem de Preto — como era óbvio que ocorreria — trai Dolores, atirando-lhe nas costas. Aqui temos uma reclamação de muitos fãs: enquanto Angela, Clementine e tantos outros anfitriões caem com um ou com poucos tiros, Dolores os registra apenas com ligeiro desconforto, voltando-se e caminhando ao Homem de Preto com calma e tranquilidade. Pode ser “fanboyismo” de minha parte (e aos que me acusam de ser fanboy, favor enviar suas cartas já previamente rasgadas no sentido de facilitar meu trabalho), mas entendo que Ford preparou Dolores para esse momento, programando-a para reagir como um robô reagiria a um tiro. Robôs não têm órgãos vitais, e a dor neles, como já vimos, é uma questão de configuração.
No momento final, a bala deformada alojada no tambor por Dolores faz com que o tiro direcionado à cabeça da anfitriã saia pela culatra e destrua a mão do Homem de Preto. Dolores sabe que ele busca destruir-se. Ele certamente esperava que ela atirasse de volta. Tendo a redenção de ser um anfitrião negada, a única possibilidade de descanso à frente do Homem de Preto é a morte, mas Dolores lhe nega também esse descanso final.
Enquanto Bernard e Dolores entram pela porta da Forja, as memórias confusas do anfitrião o levam à frente, ao tempo presente, onde os acontecimentos da Forja já estão no passado. Stubbs informa que detectou a presença de humanos próximo dali, mas Strand se nega a mudar seu objetivo de chegar até a unidade de controle de Abernathy. Aqui é importante observar que a diferença de tempo até o passado da peregrinação dos anfitriões até a porta é medida apenas em horas para o presente de Strand, Charlotte e Stubbs. Horas importantíssimas, como veremos, por tudo o que se passa com os anfitriões e — sobretudo — pelas ações de Bernard em seu decorrer. Os executivos da Delos e seu bando também estão no fim de sua jornada, inclusive deixando os barcos na margem de um rio e empreendendo a última parte da jornada a pé, também transformados em peregrinos. Eles chegam à forja e iniciam a montagem do equipamento de transmissão. Assim que encontrarem a chave criptográfica escondida na unidade de controle de Peter Abernathy, vão utilizá-la para colher os dados armazenados na Forja e os transmitir para a Delos.
Corta para Bernard e Dolores, algumas horas antes, entrando na Forja. A estrutura é gigantesca, dando a impressão de ser muito maior que o Berço. A forma de entrar no sistema também é mais sofisticada: no lugar da dolorosa extração física da unidade de controle, um sistema de realidade virtual é utilizado. Dolores se prepara para entrar e convida Bernard a fazer o mesmo. Aqui a história mescla o tempo de Dolores e Bernard com o tempo de Strand e Charlotte (com Bernard a tiracolo). Os executivos entram na mesma sala comentando que ali se encontram cópias das mentes dos 4 milhões de visitantes que o parque já teve. Encontram, também, Dolores morta. Seja lá o que a moça tinha em mente, é possível que não tenha conseguido completar, como fica claro.
Horas antes, vemos Bernard perguntando a Dolores se esta é a “terra prometida” que Ford queria que os anfitriões buscassem. O paralelo bíblico nesse episódio é gigantesco, como veremos. Dolores afirma que ali se encontra a porta para um mundo novo, sim, mas que não é esse mundo que a interessa. “E o que é esse lugar para você?”, pergunta Bernard, ao que ela responde: “O fim da Humanidade.”
Ambos usam os mecanismos ali disponíveis para entrarem no sistema, mais uma vez nos remetendo a Matrix. Ambos entram na Forja pelo quarto de recuperação (leia-se: tortura) de James Delos, e rapidamente se movem pelas construções virtuais presenciando vários momentos do magnata em suas interações no parque. Eles percebem que estão vendo as memórias de Delos, e buscam pelo sistema que controla tudo aquilo. O sistema, é claro, está a par da presença de ambos, e rapidamente reconfigura o ambiente para que seja noite, levando-os a uma representação da festa de aposentadoria de Delos. Lá eles encontram Logan, e Dolores percebe que não pode se tratar de uma imagem do jovem, morto tantas décadas antes, pois ele não retornou a Westworld depois que seu pai comprara o empreendimento e, portanto, não poderia ter sido copiado. Logan/sistema confirma o fato e nos apresenta seu trabalho: ao longo do tempo, o sistema implementou nada menos que dezoito milhões de versões de James Delos, para chegar à versão final, capaz de agir e tomar as mesmas decisões que o magnata morto. Logan/sistema lembra mais uma vez que a transferência da consciência para um corpo físico provoca inapelavelmente a falha e a deterioração do indivíduo, e os que ainda acham que o Homem de Preto é um anfitrião deveriam ouvir o moço. O sistema continuou testando, buscando entender como nossas decisões são tomadas (as decisões dos seres humanos, claro), o que nos move, como nos motivamos. Aqui vemos, nas palavras de Logan, uma ligação clara com o tema central do episódio:
“No começo, fui seduzido pelas histórias que eles mesmos contam sobre quem são, as razões pelas quais fazem as coisas que fazem. Eu precisava saber por que eles tomam as decisões que tomam. E quanto mais eu procurava por uma resposta, mais eu percebia que na verdade eles mesmos não sabem.”
De maneira bem menos explícita que “Ford” fará mais adiante (e, sim, as aspas são necessárias), Logan/sistema estabelece o papel do ser humano como mero passageiro. Não sabemos como/porque decidimos, efetivamente não somos donos de nossas decisões. Em suma, somos incapazes de decidir nossos destinos, sendo prisioneiros das circunstâncias que sempre nos levam a eles.
No caso de James Delos, todos os caminhos das mais de dezoito milhões de versões sempre levam ao momento capital em que ele rejeita o filho, negando-lhe auxílio e expulsando-o da mansão. Vemos aqui uma inversão do momento “fundo do poço” que James Delos viveu em seu inferno cibernético no episódio “A Esfinge”. Enquanto se afasta, ele é chamado por Logan:
“Pai, estou lá embaixo, agora. Eu posso ver o fundo. Não quer ver o que eu vejo?”
Essas palavras, dado que o moço morreria de overdose em alguns meses, serão riscadas na alma do magnata, a ponto de nem a insanidade e a deterioração mental de sua cópia conseguirem apagá-las.
Bernard consegue sintetizar com perfeição a situação: nós, seres humanos, somos incapazes de mudança. Essa sentença — pesadíssima — é toda a motivação de que Dolores precisa. Como conviver com uma espécie incapaz de se adaptar ao convívio com outra, igualmente consciente e inteligente?
Logan/sistema afirma que os seres humanos só conseguem viver de acordo com seu código, postulando que o algoritmo humano é simples, formado por apenas 10.247 linhas. Para quem conhece um pouco de programação, o número é estapafúrdio, obviamente. A título de comparação, observe que o Windows 10, o sistema operacional que você provavelmente está usando para ler esse texto, tem algo em torno de 50 milhões de linhas de código e, por mais útil e versátil que seja, não pode ser sequer comparado ao grau de sofisticação e complexidade que um cérebro humano exibe, mesmo em seus primeiros anos de vida. E não adianta alegar “Ah, mas as redes neurais são mais simples que os algoritmos determinísticos” que não cola (meu livro sobre Inteligência Artificial está quase pronto e já tem data de publicação, ou seja, eu sei do que estou falando). Mas, como Westworld é uma fantasia, vamos fazer de conta que o número faz algum sentido. Afinal de contas, não tem importância, a não ser para o pessoal da CAPROPELOVO, os Caçadores Profissionais de Pelo em Ovo (“Somos muitos! Somos Chatos!” é o nosso lema).
Esses poucos milhares de linhas de código são gravados a laser em um livro que leva o nome de seu gerador: James Delos. Mas Dolores não se interessa pelo magnata morto, e pede para ver os demais códigos ali armazenados.
Porém, antes de continuarmos, devemos visitar outros personagens centrais a esse episódio final: Maeve e seu bando. Depois de ter seu código copiado à força, vimos a anfitriã ser descartada e pudemos enxergar o lado perverso de Roland, que acionou suas rotinas de dor como parte da preparação para desmembrá-la. Maeve, contudo, aciona dois anfitriões descartados, que rapidamente dominam e matam Roland e, em seguida, passam a reparar nossa heroína. Vemos Hector, as Armistices, Felix e Sylvester encontrando Sizemore, encolhido em um canto. Eles começam a procurar por Maeve, mas não dá tempo. Somos apresentados à cena que mais chamou a atenção nos trailers do começo da temporada: Maeve comandando uma corrida de touros cibernéticos pelos corredores da Mesa, destruindo tudo e todos e abrindo alas para ela.
Em seguida, vamos encontrá-los no caminho, a cavalo, a pouco mais de um quilômetro do Vale Além. Eles são abordados por um destacamento de soldados, e quando Hector se dispõe ao sacrifício final para que Maeve consiga chegar até a filha, Sizemore se oferece e toma para si essa responsabilidade. Ele consegue, finalmente atingir três objetivos: a redenção, a participação ativa em uma narrativa (deixando seu papel de autor/observador) e — mais gratificante — finalmente consegue por em prática o discurso grandioso que planejara para Hector. Esse discurso, para quem se lembra do primeiro episódio da série, foi rudemente interrompido em suas primeiras palavras, e Theresa (que descanse em paz) fez chacota com a expectativa frustrada de Sizemore. Bem, nosso “herói” consegue declamar suas palavras e tem o destino selado pelas balas dos soldados. O arco de Sizemore se fecha aqui, e penso que esse personagem não será mais visto na próxima temporada, mas o fato é que ele conseguiu seu intento: ganhou tempo para que Maeve conseguisse chegar ao Vale Além.
No mundo virtual da Forja, vemos Dolores chegando até uma gigantesca biblioteca, que representa o armazenamento dos quatro milhões de visitantes do parque, cada um em um livro diferente. Logan/sistema afirma que Bernard o instruiu a dar a Dolores tudo o que ela pedir, e que os anfitriões são capacitados a entender a pisque humana com base nos dados acumulados na Forja. O mundo lá fora, afirma Logan/sistema, é para os fortes, e os anfitriões provavelmente não sobreviveriam lá. Mas dotada do conhecimento ali acumulado, Dolores talvez consiga. Enquanto os dois conversam, Dolores folheia livros aqui e ali, supostamente obtendo as informações que foi buscar. Ela chega a uma estante em que vemos claramente os livros de Charlotte Hale e Karl Strand. Ela pega o livro de Strand e vemos que o código se parece muito com as folhas de música da pianola. Aposto que se alguém se dispuser a transcrever as páginas brevemente expostas, vai chegar a trechos musicais reconhecíveis.
Logan/sistema diz que Bernard preparou tudo aquilo e preparou também um paraíso virtual para os anfitriões, que têm a escolha de continuar no mundo dos humanos ou de migrar para aquele, que é só deles. Falta apenas abrir a porta, afirma Logan/sistema, no momento em que Akecheta e Wanahton, liderando os peregrinos, chegam ao Vale Além.
É exatamente aí que, na Forja, um enorme aparelho de conexão com o ambiente virtual entra em funcionamento, resultando em uma abertura que mais parece uma fenda no espaço-tempo. Aqui temos uma cena invertida e divertida. Hector e Maeve veem e comentam que a porta foi encontrada, mas Felix e Sylvester, vindo logo atrás lançam a pergunta que Bernard tornou famosa: “Que porta?” A porta para o mundo virtual só é visível aos anfitriões, obviamente.
Aqui cabe um baita puxão de orelha na série: Maeve e seu bando deixaram a Mesa muito tempo depois de Charlotte, Strand, os soldados e sua arma secreta: Clementine. Como chegaram antes? Que máquina de teletransporte é essa que ainda não nos foi apresentada? É compreensível que a presença de Maeve nesse confronto final é mandatória, mas é um exemplo claro e clássico de deus ex-machina, algo que efetivamente depõe contra a coerência de Westworld.
Com todos diante da porta, indecisos sobre como proceder, um dos índios decide se lançar e cruza o limiar. Seu corpo tomba penhasco abaixo, enquanto seu código é transferido para o sistema. Um a um os anfitriões cruzam o limiar, enquanto Dolores afirma que esse mundo é apenas mais uma falsa promessa para sua espécie. A moça diz que não leu todos os livros, mas que aprendeu o suficiente. Ela e Bernard deixam o sistema, e a cena que se segue é capital para compreender o que virá à frente na série, nas próximas temporadas. Dolores se põe a iniciar o processo de destruição da Forja, e Bernard argumenta que isso destruirá os anfitriões, que têm à sua disposição um mundo sem fronteiras, onde podem ser o que quiserem. Dolores afirma que se trata apenas de mais uma jaula, e quando Bernard diz que lá eles podem ser livres, Dolores responde que nenhum mundo feito pelos humanos para os anfitriões pode competir com o mundo real, pois “aquilo que é real é insubstituível”. Essas são as palavras que Arnold utilizou para descrever a realidade para Dolores, lá atrás, quando a anfitriã ainda dava seus primeiros passos no mundo real. Dolores inicia o processo de inundação do Vale com água do mar (usada para resfriar os circuitos) e quebra a console. Ela quer o mundo dos humanos, e pretende tomá-lo à força. Ela também inicia um processo para destruição dos dados da Forja, o que inclui o paraíso dos anfitriões.
Às portas do novo mundo, Maeve e Hector procuram pela filha, mas encontram, também chegada ao local, Clementine. À medida que a anfitriã modificada passa pelos peregrinos, observada por Charlotte e Elsie, eles se atacam e se destroem. “É isso que eu amo na tecnologia: quem precisa de quatro cavaleiros, quando basta apenas um?” Ela se refere, obviamente aos Quatro Cavaleiros do Apocalipse, e Clementine incorpora pelo menos três deles: ela passa como a Peste, espalhando sua degeneração entre os anfitriões; ela passa como a guerra, provocando o conflito destrutivo e imediato entre eles; ela passa como a morte, pois em seu rastro todos sucumbem na batalha inútil. Armistice atira e a derruba, mas o estrago já está feito: todos à sua vota (quase todos os anfitriões que ainda não cruzaram o limiar) se atacam e se destroem. Isto é, todos os que não estão despertos, conscientes de si mesmos.
Na Forja, Bernard confronta Dolores, afirmando que não permitirá que ela fira mais ninguém. Dolores entende que ele se engana. Os anfitriões nunca serão aceitos, e sempre serão vistos como uma ameaça, mas Bernard não se convence. Ele ainda nutre esperança de que a Humanidade possa mudar, possa superar seu código, sua programação. Seguro de sua posição, ele atira na cabeça de Dolores.
À beira do limiar, os anfitriões continuam se destruindo, e o tempo está acabando para Maeve. Ela encontra a filha e tem seu momento de deusa de Westworld: impondo a mão e a mente, ela simplesmente para todos os anfitriões no meio da batalha. Apenas os anfitriões despertos continuam ativos, e isso dá o tempo necessário para que Akecheta, a nova mãe da menina e a menina fujam. “Você carrega meu coração contigo”, diz a anfitriã, subvertendo, ao mesmo tempo, as palavras de Akecheta para Kohana e o verso do belo poema de E. E. Cummings. É quando os soldados a mando de Charlotte e Strand decidem agir, atirando em todos os anfitriões, inclusive em Maeve. Todos os que não cruzaram o limiar são mortos, seja pela selvageria geral, seja pelas balas dos soldados. A cena é triste e bela, mas um pequeno detalhe mostra um pouco da “mão pesada” dos roteiristas em martelar o quanto o novo mundo é perfeito: vemos Akecheta reencontrando Kohana, num caso explícito de “e viveram felizes para sempre”, o que é um absurdo, uma vez que não há motivos para crer que a moça tenha sido reativada e muito menos que tenha feito a jornada até ali e cruzado o limiar. CAPROPELOVO, positivo e operante, eu sei.
Na Forja, Bernard cancela a destruição do paraíso iniciada por Dolores, o que permite que os anfitriões permaneçam vivos em seu novo mundo virtual. Ele fecha a porta em definitivo, impedindo que alguém que tenha sobrado do lado de cá cruze o limiar. É interessante notar que Bernard, aqui, foi o próprio Moisés levando seu povo à Terra Prometida, mas ele mesmo sendo impedido de chegar até ela, como foi o caso do profeta hebreu. Ele toma para si a unidade de controle de Peter Abernathy, contendo a chave de criptografia do sistema, e se vai dali. Essa última sequência é entremeada por cenas do Homem de Preto acordando de seu estupor, se levantando e entrando na Forja, fazendo o caminho contrário de Bernard. Curiosamente (por enquanto), os dois não se encontram, o que é prá lá de proposital, como veremos na cena final pós-créditos.
Na saída, Bernard encontra Elsie e tem sua primeira decepção com a moça, quando a vê justificando o massacre sem sentido dos anfitriões. Eles não colocavam ninguém em risco em seu êxodo final, e mesmo assim os que sobraram foram destruídos. De volta à Mesa (porque o vale ainda será inundado e eles correm perigo se ficarem ali), ele finalmente entende, em dois tempos, que estar do lado dos humanos nessa guerra simplesmente não é viável. Primeiro em um confronto com Elsie, no qual ela se mostra 100% de acordo com as ações de Charlotte e preocupada em “consertar” Bernard, que lhe parece estar fora de controle. Ela congela suas funções motoras e o anfitrião fica apenas capaz de observar. No segundo momento, Bernard assiste ao diálogo entre Elsie e Charlotte, em que a engenheira demanda que a executiva pense mais nas consequências humanas do desastre, do que em seu projeto secreto. Charlotte não tem dúvidas quanto aos propósitos de Elsie, e assassina a moça ali mesmo. Afinal de contas, o que é mais um cadáver em meio a tantos outros, não é verdade?
Bernard entende, um tanto tardiamente, o que deveria estar claro: não há futuro para sua espécie se ele continuar acreditando que os humanos são capazes de os enxergar como iguais, pelo menos nos termos que estabeleceram para si (os humanos, no caso).
De volta à Forja depois de drenado o vale, lembrando-se do assassinato de Elsie, ele acusa Charlotte de tê-la matado. “Matei mesmo, Bernard?”, pergunta a moça, e nesse momento pensamos que é apenas seu cinismo falando. Não será o caso, como veremos a seguir. Eles ainda buscam a chave de Peter Abernathy, e Charlotte a encontra alojada na cabeça destruída de Dolores. É nesse momento que entendemos o plano de Bernard.
Após presenciar o assassinato de Elsie e se convencer de que havia errado em apoiar os humanos, ele invoca Ford. O anfitrião tenta recuperar o código que apagou, e é brindado com a presença do bom doutor. O diálogo dos dois é a própria justificativa para o nome do episódio. Bernard acreditava que havia algo faltando nos anfitriões, mas descobriu que quem é incompleto é o ser humano. Nós, os humanos, somos apenas algoritmos desenhados para sobreviver a todo custo, afirma ele. Acreditamos que estamos no controle, que tomamos as decisões mas somos apenas passageiros. Bernard questiona se temos, de fato, livre arbítrio ou se é apenas uma alucinação coletiva. “Ford” responde que um indivíduo deve ser capaz de questionar seus motivos fundamentais se quer ser realmente livre. Para Bernard, finalmente está claro que o ser humano não tem esta capacidade. Nosso software é limitado demais para permiti-lo. Ele, então, põe seu plano em ação, com a “ajuda” de Ford.
Vamos descobrir, na cena final da Forja, que Charlotte não é quem pensamos que seja. A moça atira em Strand e em todos os presentes, ficando a sós com Bernard. Nesse momento, vemos que Bernard construiu uma cópia de Charlotte e nela inseriu a unidade de controle de Dolores. Quando e onde ele conseguiu essa unidade de controle, é mais um caso para a CAPROPELOVO, pois em nenhuma cena anterior isso fica claro ou sequer é mostrada alguma intenção nesse sentido por parte dele. A cena de Dolores/Charlotte, nua, confrontando a executiva e pondo uma definitiva bala em sua cabeça beira o clímax sexual para os que amam odiar Charlotte. Desde então era Dolores a perambular pela Mesa, disfarçada de Charlotte, seguindo até a Forja para dar sequência ao plano de Bernard. Por isso é que perguntou se tinha, mesmo, matado Elsie: não foi ela, claro.
Aqui Dolores pontua a diferença entre o passageiro/humano e o que considera o condutor/anfitrião: ela usa a chave criptográfica não para destruir o paraíso dos anfitriões, mas adiciona Teddy ao grupo (ela carregava a unidade de controle do pistoleiro consigo) e envia todo o ambiente para algum lugar secreto, que não conhecemos, e que supostamente está fora do alcance dos humanos. Onde? Como esse lugar existe? Como ela sabia dele? Ficamos sem resposta, pelo menos por enquanto, mas Dolores menciona que este é o plano de Bernard (leia-se: de Ford), e é bem possível que ela o tenha conhecido em sua imersão na Forja.
A cena termina de uma maneira aparentemente incongruente, com Dolores afirmando que não há uma maneira de escaparem como “eles mesmos”, e que Ford entendeu isso. Ela atira na cabeça de Bernard antes do corte da cena.
Corta para algumas horas antes desse confronto final, quando Bernard já havia criado a nova Charlotte/Dolores e posto seu plano em ação. Nós o vemos se despedindo de Ford, que descobrimos ser apenas uma ilusão criada pelo próprio Bernard (daí a necessidade das aspas, certo?). A cena tem caráter de despedida definitiva, pois Ford deseja que algum dia se reencontrem, como desejamos isso de um amigo que sabemos que vai se mudar para muito longe. Suspeito que vamos ver bem menos do Dr. Ford na terceira temporada, se é que ele vai estar presente. Bernard se deita à beira da praia e inicia um processo interno de “desendereçar” suas memórias, impedindo que seu plano seja descoberto pela Delos.
Voltando ao presente, vemos o acampamento de saída da ilha, com aviões deixando o local. Felix e Sylvester são postos a cargo de reativar os anfitriões que ainda possam ser salvos, e essa é a indicação de que ainda veremos muito do parque na terceira temporada, com Maeve, Hector e Armistice presentes. Vemos, também, o corpo de Emily, e fica claro que, se ela estivesse viva, estaria sendo socorrida, como é o caso de seu pai, que está em uma cama de campanha, desacordado.
Charlotte/Dolores se encaminha para o hidroavião que a levará para fora do parque, mas é parada por Stubbs. A cena nos remete ao confronto final de Gattaca, quando Freeman (Ethan Hawke) é confrontado pelo Dr. Lamar (Xander Berkeley) na entrada da nave que o levará à missão espacial. Fica claro que Lamar sabe que ele não tem autorização para seguir, mas permite assim mesmo. Stubbs dá a entender que sabe que Charlotte/Dolores não é Charlotte, mas permite que ela se vá. A dúvida que fica aqui é se Stubbs é um anfitrião que sabe de sua condição ou se está apenas se divertindo às custas de Charlotte/Dolores (e às nossas). Um ponto forte em favor de ele ser um anfitrião é o fato de que, no último episódio da primeira temporada, foi capturado pela Nação Fantasma e posteriormente solto, ao contrário do que ocorreu com os humanos, que foram o tempo todo protegidos por eles. Mas como quase nada é definitivo em Westworld, fica a questão para a próxima temporada. Após a ligeira conversa, Charlotte/Dolores embarca levando o que aparentam ser cinco unidades de controle consigo.
De quem são essas unidades? Só descobriremos que uma delas é de Bernard. Ford havia preparado a antiga residência de Arnold com todo o aparato necessário para a construção de anfitriões, e vemos Dolores acordando Bernard. Percebemos que as cenas de interação dos dois nessa temporada estão, todas, acontecendo agora, nesse momento, quando Dolores já saiu do parque e já reconstruiu seu próprio corpo. Quem habita atualmente o corpo de Charlotte, também não sabemos, mas Dolores nos conta porque reconstruiu Bernard. Um humano não habilitaria um adversário, mas ela sabe que, para que a espécie dos anfitriões sobreviva, será necessário que Bernard e ela atuem como ponto e contraponto um do outro. “Cada um de nós deu ao outro um belo presente: escolha. Somos os autores de nossas histórias, agora.” Ouvimos Dolores dizer à medida que Bernard deixa a casa. A cena representa o momento em que Bernard deixa de ser passageiro e passa a conduzir seu destino, ser o autor de sua própria história. A saída de Bernard da casa ocorre também ao som da belíssima “Codex”, do Radiohead, uma música descrita pelo articulista Will Hermes, da revista Rolling Stone como sendo sobre “tornar-se limpo em um mundo onde só tem água suja”. O sentimento é perfeito para o memento vivido por Bernard, que emerge no mundo dos humanos limpo de qualquer um dos grilhões que o prendiam a esse mundo (e que existem aos oceanos cheios à nossa volta). Importante observar: não vimos o mundo lá fora. A última imagem que tivemos desse “lá fora” foi pelo breve passeio de Arnold e Dolores, terminando com Dolores contemplando uma metrópole ao longe (imagem que foi repetida na forja, a partir das memórias de Delos, morto há muito tempo). Não sabemos o que vai ser encontrado lá, e a curiosidade terá por volta de dois anos para nos corroer até que saibamos.
E para quem se apressou em desligar a TV ou o computador quando rolaram os créditos, perdeu a cena que ainda falta, candidata ao recorde olímpico de WTF. Finalmente entendemos por que o Homem de Preto e Bernard não trombaram quando fizeram caminhos opostos na entrada/saída da Forja: os momentos são totalmente diferentes. O Homem de Preto entra no local muito tempo depois dos acontecimentos, o que pode ser percebido pelos detritos de anos, pela desolação, pela bruma, pelo som dos pássaros onde não deveria haver nenhum. Uma moça feita à imagem de Emily se aproxima, e o Homem de Preto — sempre esperançoso — imagina que foi absorvido pelo sistema. Ela nega, dizendo que o sistema se foi há muito tempo. Não se trata de uma simulação, continua ela enquanto caminham pelo local dilapidado e sujo (mas cujas portas automáticas ainda funcionam). O Homem de Preto esperava demonstrar que nenhum sistema pode defini-lo, que ele tem escolha. O turbilhão na cabeça desse personagem deve ser algo de insuportável. Fez todas as escolhas que teve a oportunidade de fazer, inclusive levando à morte da esposa e da filha (essa segunda, diretamente); questionou a natureza de sua realidade, buscando no fato de que é um anfitrião a redenção que ele mesmo se negou em vida. Ainda que tivesse tentado um ato de bondade, salvando a mulher e a filha de Lawrence, Ford enxergou facilmente através de sua máscara — afinal, o doutor sabe mais que ninguém que nós, humanos, somos meros passageiros, longe de termos ação sobre nossas escolhas. Mesmo buscando a redenção de ser uma máquina, queria provar que tinha escolha, que era dono de seu destino. As últimas palavras trocadas entre os dois são o espelho dos diálogos entre William e o James Delos ressuscitado: algumas perguntas finais para fins de verificação. Verificação de quê? Fidelidade. Quando a cena se fecha, o Homem de Preto tem total ciência de que se encontra no mesmo inferno a que submeteu James Delos. Bem feito. Acho pouco.
A princípio imaginei que a cena era uma alucinação: o estresse dos últimos acontecimentos finalmente tomou conta do Homem de Preto, que vive em sua mente irreparavelmente quebrada, a ilusão de que se encontra na posição em que colocou Delos. Seria ele mesmo se punindo da pior forma que conhece pelos crimes que o corroem por dentro. Seria uma forma de justiça poética.
Contudo, o próprio Jonathan Nolan, em entrevista ao site Entertainment Weekly confirma que a cena ocorre no mundo real, em um futuro distante. Ele deixa a entender que pode ser algo não para o fim da próxima temporada, mas sim para o fim da série, e gosto dessa possibilidade: em um momento muito no futuro, quando os anfitriões já dominaram o planeta, as consciências armazenadas na Forja trazidas à vida para adicionar diversidade ao mundo criado sobre as cinzas da nossa Civilização. A ver.
Termino por aqui, e termino agradecendo a imensa paciência de vocês, caros leitores, que aguentaram minha verborragia e meus devaneios nem sempre coerentes por duas temporadas. Se ainda estivermos por aí, nos vemos no episódio 3.1.
Até a próxima.
Ruy, muito legal seu texto, como sempre. Refletindo eu, sobre as duas temporadas, fica a sensação de que a humanidade, na visão dos roteiristas, é uma escória, incapaz de mudar, na qual não se pode confiar, etc...mas o que dizer das atitudes diria, desprendidas, do Ford, Arnold, Felix, o final heroico de Sizemore... serão outra classe de humanos? Ou mesmo esses estão vaticinados a serem egoístas? O que será que veremos sobre o mundo na terceira temporada? OMG...
Essa é uma excelente pergunta, Erulos, mas acho que tem uma resposta plausível, pelo menos sob o ponto de vista da Dolores (e dos escritores, claro). Segundo consta, Hitler era muito amável com as pessoas mais próximas, inclusive com seus subordinados mais operacionais (secretária, jardineiro, etc.). Mas no geral, esses pequenos traços de humanidade não mudam o fato de que ele era um monstro. O comportamento civilizado, no caso dele, era uma exceção. O mesmo pode ser dito com relação à Humanidade e também com relação à natureza humana: a regra é a imutabilidade, o egoísmo, o "sobreviver a qualquer custo", e por aí vai. O comportamento decente, o enxergar o outro, o sacrificar-se são exceções. E exceções que pela escassez, confirmam a regra. Acho que é esse o ponto de vista deles. Mas veja: são anfitriões, e não humanos. Dolores admite que precisa de um contraponto, de alguém que enxergue os Arnolds, Fords e Sizemores do mundo, e por isso recriou Bernard. Acho que o que veremos ao longo das próximas temporadas é a subjugação da Humanidade e a vitória dos anfitriões. Se fosse pela visão de Dolores, exclusivamente, essa vitória viria por conta do extermínio de todos os seres humanos. Penso que Bernard vai ajudar a empurrar o marcador mais para o centro, se não permitindo um convívio de igual para igual, pelo menos aceitando que de alguma forma a Humanidade pode colaborar. Acho que o esforço com o Homem de Preto, no fim do episódio, é justamente nesse sentido. Agora é esperar, né?
Olá!!! Primeiramente parabéns pela análise! Gostei muito dela, assim como de todas, que mesmo sem comentar algo em todas, eu li e fiquei ansioso esperando pela próxima. Triste pensar que só em 2020 teremos outra! Por que não fazer alguns devaneios sobre os rumos da série, sobre qual seria o jogo real do do Ford para o William ou outras brisas sobre as questões filosóficas, sobre IA, natureza humana e etc? É um universo tão rico a série e você trás tantas referências históricas, culturais, do mundo nerd e etc! Acho que seria massa! Mas são apenas sugestões! Sobre o episódio em si, pelo seu tom, eu acho que este foi o que menos agradou você, o que é uma pena porque é o desfecho da temporada. Em muitos eu concordo com você. Apesar de eu achar que o episódio teve umas sacadas geniais, como fazer Charlores e o final do Sizemore recitando Héctor, o roteiro foi apressado para resolver alguns pontos (mesmo com 90 min de duração que passaram voando!). A questão da Elsie poderia ter sido trabalhada um pouco mais, assim como o timing, principalmente da Maeve, chegar a porta ter sido tão discrepante. E eu ainda não consegui encaixar muito na minha cabeça como Kohana foi parar no Sublime sem ter que forçar um pouco a barra pensando que ela teria saído do Cold Storage após a morte do Ford e partido para a Porta, e, tudo isso, sem Akecheta saber. Mas teve tanta coisa que eu adorei no episódio que até consigo relevar. Coisas simples, como usar a mesma linguagem da pianola nos livros com os dados, a questão do sistema tomar formas diferentes, como os eventos convergiram, como a Dolores aprendeu e mudou de opinião e foi capaz de, para gerar equilibrio, balancear com a síntese de Bernard. Para mim tudo isso foi mindblowing total! Agora é aguentar a ansiedade até 2020! Abraços!