Não sei quanto a você, mas eu continuo tentando descobrir qual é o meu melhor defeito. Tarefa hercúlea! Talvez porque sejam tantos, talvez porque não vejo como algum deles possa ser bom.
Se você quiser embarcar nesta reflexão, sugiro que também leia meus textos anteriores: Seu Melhor Defeito e Seu Melhor Defeito – Parte 2. Neste texto, que você lê agora, a saga continua!
Durante minhas introspecções, surge, da cartola das minhas imperfeições, a Vaidade. Tão previsível, não? Por sua natureza, ela fez questão de se mostrar antes de todas as outras. E, só fui perceber depois que, dependurado nela, estava o Orgulho.
Sim: usarei a grafia com letra maiúscula ao tratar esses Pecados Capitais como verdadeiras entidades. E não é assim mesmo? Não é raro percebermos que eles se incorporam na humanidade, transformando-a neles mesmos. A meu ver, a Vaidade fica envaidecida quando nos faz crer que os outros nos admiram. O Orgulho, por sua vez, fica orgulhoso ao nos iludir com a certeza de que somos cheios de méritos. Parece um olhar meio mitológico, certo? Talvez seja mesmo.
Sobre o Orgulho e a Vaidade, podemos encontrar miríades de teorias, reflexões, debates, citações. Seja na filosofia, na história, na antropologia, na literatura, na psicologia, nas religiões, há conteúdos interessantíssimos e não tenho a pretensão de explorar todos eles. Ao mesmo tempo, tenho orgulho por ter pesquisado a respeito e tenho vaidade suficiente para expor meus insights aqui no Confrariando.
A ideia de que o Orgulho esteja ligado ao autojulgamento do merecimento e de que a Vaidade esteja ligada à crença de que nossos méritos são evidentes aos outros vêm de Fernando Pessoa (Obra em prosa – Ideias estéticas da literatura/literatura europeia – Editora Aguilar, Rio de Janeiro, página 312): “O orgulho é a consciência (certa ou errada) de nosso próprio mérito, a vaidade, a consciência (certa ou errada) da evidência de nosso próprio mérito para os outros.”
O autor estende suas reflexões, pondo em cheque a racionalidade humana, pois afirma ser possível que a Vaidade e o Orgulho sejam independentes. Uma pessoa pode ser vaidosa sem ser orgulhosa. E, explica-se:
É difícil à primeira vista compreender como podemos ter consciência da evidência de nosso mérito para os outros, sem a consciência de nosso próprio mérito. Se a natureza humana fosse racional, não haveria explicação alguma. Contudo, o homem vive a princípio uma vida exterior, e mais tarde uma interior; a noção de efeito precede, na evolução da mente, a noção de causa interior desse mesmo efeito. O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em ação.
Puxa, isso me faz lembrar a fábula da Nova Roupa do Imperador, de autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen, publicada inicialmente em 1837.
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Penso que o tal Imperador só passou por aquele vexame porque apostava num respeito que seus súditos tinham por ele (a Vaidade). Só que não! Seus súditos o tomaram como louco. Aplicando a explicação de Fernando Pessoa: o Imperador peladão não teve o menor “semancol” – efeito colateral do Orgulho…
Uma grande fonte de inspiração para esta reflexão que estou propondo é a palestra de Leandro Karnal durante Café Filosófico, da TV Cultura. Foi lá que eu conheci pensamentos como:
Agradar a si mesmo é orgulho. Agradar aos demais, é vaidade. (Paul Valéry, filósofo)
Orgulho é igual à humildade: é sempre mentira! (Georges Bataille, escritor)
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Para ilustrar suas exposições, Karnal relembra a história de Lúcifer (o anjo mal que já tinha sido o portador da luz) que, por seu orgulho e vaidade, acabou sendo derrotado pelo Arcanjo Miguel. Segundo um trecho do poema épico O Paraíso Perdido (escrito por Milton no Séc.XVII), o assistente de Lúcifer teria lhe perguntado após a derrota: ficarás apartado do Céu, e agora? Sua resposta, teria sido: Eu prefiro ser o senhor do Inferno do que escravo no Céu.
Sabemos que essa frase é utilizada até hoje para se destilar sarcasmos e escárnios.
Outra passagem quase hilária – não fosse o sacrilégio de rir do sagrado – é a história de Santo Antão (também contada no programa do Café Filosófico mencionado). Tratava-se de um anacoreta (aquele que cultua o afastamento do convívio social como forma de autopurificação) que teria vivido como ermitão por mais de cem anos, praticando o jejum, a oração ininterrupta e a abnegação de qualquer alívio carnal. Durante todo esse tempo de dedicação espiritual, Satanás teria atacado Antão para fazê-lo desistir de suas convicções. Assim, o tal “portador de chifres” distraía o devoto quando esse tentava rezar. Substituía seu crucifixo por imagem de mulheres nuas. Apresentava-lhe um banquete quando fazia jejum. E, não é que o Santo resistiu a tudo? Então, numa versão consagrada pelo escritor Gustave Flaubert (1821-1880), Lúcifer finalmente desistiu e, chegando para Antão, disse: Eu desisto. Pela primeira vez na história, um mortal me venceu. Quando Satanás se afastava, o devoto vitorioso jogou-se de joelhos ao chão e orou em júbilo: Obrigado, meu Deus! Finalmente, tornei-me um Santo! Ao ouvir isso, Lúcifer, com largo sorriso de satisfação, voltou para levar Antão.
Isso mesmo: o Orgulho não respeita nem os santos. Vem daí a expressão: “Mas que santo orgulho esse seu!” (estou brincando, não é essa a origem da expressão…)
Poderíamos ficar aqui, confrariando sobre as variadas histórias e fábulas sobre Orgulho e Vaidade. Mas, isso apenas nos afastaria de meu intento: afinal, qual é o meu melhor defeito?
Devo admitir: o Orgulho e a Vaidade fazem de mim sua moradia! E, nem preciso expor minhas intimidades para comprovar isso. Minha gana por ler, pesquisar, estudar, conhecer, compreender é sintoma do orgulho que eu sinto por me julgar a peregrina da estrada da sabedoria. E minha vaidade está na minha imponderada expectativa de que meus leitores percebam isso.
Está bem, Caríssimo Leitor (leitor = todos os gêneros), sei que descobrir alguns de meus defeitos foi fácil. A questão que resta é: por que eles poderiam ser os alicerces de meu edifício?
Ah, sim! Se você ainda não leu minhas crônicas mencionadas lá em cima, talvez não compreenda meu questionamento. Ele se originou do pensamento de Clarice Lispector, em Carta Publicada no Jornal do Estado de São Paulo em 1994: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.
Acho que minha ficha caiu! O Orgulho e a Vaidade sustentam meu edifício. Sem orgulho, eu não me dedicaria aos estudos, às pesquisas, ao autodesenvolvimento. Talvez, quem sabe, estaria eu por aí, entediada, inflando o cartucho (eufemismo para “enchendo o saco”) das pessoas que eu amo. E, sem a Vaidade, quem sabe, eu deixaria de tentar fazer você ler o que escrevo.
Aliás, se você chegou até aqui comigo, meu orgulho e minha vaidade são meus melhores defeitos!
E os seus? Quais são eles?
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Foto by Carla Fregni
A senhora indaga ao final, qual seriam meus melhores defeitos. Posso citar que um deles é ler as bobagens filosóficas dos outros e manter minha convicção de que no meu epitáfio a célebre frase será: "Tanto quis, tanto fiz e agora tanto faz.