Dois meses se passaram e já descobri coisas importantes. Algumas já eram de meu conhecimento, mas o dia-a-dia na Facebooklândia me puseram lentes peculiares diante dos olhos, e muitas vezes tomei a imagem projetada por realidade. Tonto, eu sei. Muito do que segue (tudo?) vai gerar “Ah, vá…” a torto e a direito, mas diário é registro e o óbvio — quando é fato — também merece ser registrado.
Lá vai:
- Aqui, o degredo de Facebooklândia, não é uma ilha, mas sim o mundo real. A ilha é lá. No começo, a gente fica um pouco atordoado, querendo voltar, meio sem saber como se virar para um monte de coisas, afastado de lá. Mas estar fora de lá nos obriga a olhar e procurar coisas e pessoas e artigos e filmes e memes e notícias e tudo mais em outros lugares. E, claro, eles existem e são abundantes. As paragens são praticamente infinitas, e as possibilidades também. Eu já sabia disso, claro, estando na Internet desde 1989 e na Web desde 1991. Mas como é fácil esquecer e se deixar levar pelo “tudo na mão” do Facebook. No máximo, eu me aventurava por alguns sites de praxe, com notícias sobre política, economia, tecnologia, literatura, arte, cinema e séries de TV, que são meus assuntos não-profissionais preferidos. Por mais que eu soubesse que o objetivo do Zuckerberg é ser dono da Internet, eu também permitia, muitas vezes, que a Internet fosse o Facebook. É tão conveniente.
- As discussões por aqui são mais cruas, mais intensas, menos filtradas pelo fato de que conhecemos o interlocutor, ou ele tem interesses semelhantes aos nossos. Se, no Facebook, os comentários nos artigos podem se tornar bem polarizados, aqui é assim a zero minuto de jogo. Já começa na pauleira. E, como ninguém tem o histórico de minhas opiniões e posicionamentos, qualquer discussão me faz sentir como Sísifo, eternamente começando a empurrar a pedra para cima da montanha. E, como ninguém tem a menor intenção de discutir, mas somente de enfiar sua opinião goela abaixo dos demais, o exercício é absolutamente fútil.
- Apesar da carnificina apontada acima, é revigorante estar em lugares onde os pontos de vista não tendem à homogeneidade, como no caso do Facebook. Bom, tendem, se você frequenta sites tendenciosos (de onde a maioria dos artigos populares no Facebook surge). Quer uma refeição de direita? Vai no site do Mises. Quer uma feijoada socialista? Vai no site do Diário do Centro do Mundo. Viés não falta. Mas pelo menos eu tenho escolhas sobrando, diversidade de pensamento, olhares que não se limitam a corroborar meus próprios preconceitos.
- Outras redes sociais me ajudam a fazermais: o YouTube e o Vimeo me instigam a produzir vídeos, o Flickr e o Instagram me conclamam a tirar fotos, o Medium me pede para escrever (se bem que, para esse último, eu tenho o Confrariando), o LinkedIn me pede para discutir assuntos profissionais e para olhar com mais seriedade para as opções de carreira. O Facebook me pedia para dar “like” e para escrever frases de efeito em fundos coloridos.
- Sinto uma saudade enorme de alguns facemigos que efetivamente postam coisas inteligentes. Alguns deles até têm presença fora do Facebook, e com eles me comunico via aplicativos de mensagens instantâneas (tipo WhatsApp), e em outros casos eles têm seus próprios sites, como no caso do Cleido, logo existo, do meu amigo Cleido Vasconcelos – um deus de pequenas coisas em suas crônicas cotidianas e um comentarista do Netflix como nunca houve outro igual. Mas, confesso, esses são exceção. A maioria das pessoas interessantes com quem eu me relacionava se limitam ao Facebook, e meu degredo me afastou delas. Paciência: degredo é isso mesmo.
Em resumo, depois de ficar na beira da praia por um tempo, doendo, tentando enxergar alguma coisa impossível no horizonte, me levantei, bati a areia da sola dos sapatos, e decidi me embrenhar por esse novo-velho lugar chamado Internet. Ainda volto à praia de vez em quando, entro em uma lancha de uns contrabandistas, aporto rapidamente para despachar essas páginas e pulo de volta na lancha, sob pena de querer dar uma “passeadinha” e me perder de novo. De volta ao degredo, sinto como se não tivesse feito nem isso, essa escapada. Volto meus olhos para o continente com desenvolvtura. Sinto que caminho meio a esmo por essas paragens exóticas e tão familiares de vidas antefacebookianas. Há terrenos diferentes pela frente, e por mais que a saudade ainda seja doída, o que potencialmente me espera, me agrada.
À medida que caminho, me vem a imagem da personagem central de Clarice, em A Paixão Segundo GH. Para ela, deixar seu relacionamento era como ter perdido uma terceira perna. Uma perna que a mantinha estável, mas que a impedia de andar. Andar implica na possibilidade de cair, como ela bem lembrava naquelas páginas bárbaras, mas também apresenta a possibilidade do novo, do desconhecido, do interessante (no sentido daquela bênção/maldição chinesa).
A ver.
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Foto de Elias Ehmann, do Unsplash
A vida realmente é uma dádiva, e quanto ela tem lucidez torna mais gostosa a caminhada, vivendo em constantes "montanhas Russas" de arrepiar a espinha.
Verdade, Julino. Obrigado pela presença! Espero que tudo esteja bem na vida nova aí na faculdade. mande notícias!
Se pararmos para refletir entramos em parafuso....rsrsrs...mas precisamos ficar ausentes do nosso mundo para enxergar além....Abraços.
Grande verdade, Rodrighero. Abração!