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Homepage > Categorias > Crônica > O pássaro
25/02/2021  |  By Daniela Vitor In Crônica

O pássaro

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A rotina sempre foi a mesma: frestas de luz, em determinados momentos; cantar por alegria do que se é, em meio a reclamação sobre a cantoria; e retorno à escuridão até o raiar de um novo dia. Sempre houve comida e água, então que mal poderia haver, não é mesmo?

Foram tantos dias nessa vida, tantas vidas nessa rotina, que talvez não tivesse sobrado tempo para pensar que poderia existir outra vida mais compensadora e leve. A satisfação emocionante vinha sempre de ver outras tantas aves voando, e sempre cantar como forma de oração e agradecimento pela liberdade alheia. Não achava que um dia também poderia estar ali. Tudo o que tinha já parecia tão grandioso e bonito, como não sentir gratidão?

É que quando se passa muitas vidas numa gaiola, o mundo se resume àquele espaço. Todo o restante não parece necessário, muito menos possível de fato. O engraçado é que, dentro desse espaço, sempre soube fazer tudo ficar bonito e prazeroso. É que quem tem olhos de beleza, se encanta e vive plenamente em qualquer lugar, qualquer canto, mesmo que seja uma gaiola.

Sempre foi tanto esforço solitário para que a gaiola ficasse sempre limpa e bonita, que mesmo quando jogavam muito lixo dentro, achava que a limpeza não tinha sido boa o suficiente. Dessa forma, tudo o que fazia era cuidar de toda beleza sozinha, mesmo que acompanhada, e apenas se satisfazer em olhar tantos voos belos pelas frestas. A luz sempre foi tão intensa pelas frestas e já parecia tudo tão bonito, que não imaginou que pudesse haver tanto mais além. Foram algumas companhias que, apesar de estarem fisicamente presentes, nunca estiveram de fato unidas em alma. Todo esforço era também para que essas companhias voassem, toda  energia, tempo, e, muitas vezes, alimento, eram dedicados imensamente ao outro. Acreditava que a reciprocidade aconteceria em algum momento.

As companhias cresciam e a satisfação, por ter participado desse processo, bastava. Em todas as vezes, é possível que tenha sido amor, mas como virou hábito se alimentar da esperança de dias melhores e a gaiola dizia o quanto era pequena, esse amor, sozinho, virava apego e achava que isso era normal, mesmo que machucasse muito. Desistir nunca foi um ponto forte.

Uma vez, chegou uma companhia que parecia ser para sempre. Dessa vez, conseguiu  desistir. Desistiu por completo de desconfiar, de brigar, de desanimar. A certeza do companheirismo e do para sempre era tanta, que não foi possível ver quando o amor virou só apego porque, de novo, não havia reciprocidade. Quando se viu de novo sozinha na gaiola, onde nunca esteve acompanhada de fato, parecia que a dor também ficaria para sempre. Só quando se curou sozinha, vieram avisar que não existe para sempre, nunca existiu. Tudo o que existe é o hoje, e essa é a chave da gaiola.

Certo dia, então, como que por mágica, o que era uma pequena fresta se abriu numa grande janela de luz, que feriu os olhos da alma, então, não preparada. A porta da gaiola estava, finalmente, aberta. Era algo tão novo e perturbador, que por muito tempo ainda foi mais fácil ficar no canto escuro da gaiola. Tantas vidas nessa rotina já conhecida de migalhas, de pouca coisa, como reagir a tanto?

Quando os olhos da alma se curaram, foi possível enxergar a imensidão do mundo de fora. Eram tantos outros e lindos pássaros, muitos com a mesma beleza no olhar que carrega, tantos querendo compartilhar e estar unidos em alma de fato. É tanto, é tudo, tanta luz, tanta abundância, que o medo do que é bom, paralisou. Como faz? Como lida?

Ainda na porta da gaiola já aberta, e sabendo que nunca mais se fechará, ainda olha para toda a paisagem que chama para viver tanta leveza e beleza e pergunta: posso mesmo? Por onde começa?

Sem resposta e ainda com medo de se lançar no céu do agora, que apresenta uma vida bela, alegre e leve, tal qual sempre mereceu, ainda se agarra à porta da gaiola e observa. Uma voz doce sussurra baixinho:

– Não existe queda para quem sabe voar. Permita-se.

A voz continua fazendo eco. Quando pular? É isso. E é só?

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Article by Daniela Vitor

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Comments: 4 replies added

  1. Ariane 27/02/2021 Responder

    Tão bom te ler! Esse texto ressoou muito com o momento que estou vivendo... Obs: Imaginei tua voz lendo esse texto, ficaria incrível! Quero ler mais

    • Daniela Vitor 02/08/2021 Responder

      Olá, querida! Que coisa boa, fico feliz por saber! Ótima ideia sobre leitura do texto, hein?! Pensarei sobre isso! Muito obrigada! :) Beijo grande!

  2. Jaylei 01/03/2021 Responder

    Oi Daniela! Que bela ideia da Ariane, hein? Faz um podcast aí! :) Eu fiquei pensando muito na frase. "É que quem tem olhos de beleza..." Afinal, o que são rotinas, gaiolas e desejos para quem vê beleza na vida? O que são todos os pesos para quem vive plenamente, hoje, porque é assim e só? Acho que seria belo viver sem propósitos grandiosos, sem a tal missão de vida, sem necessidade de coach, sem empreendedorismos falsos, pois se tem a chave da gaiola: olhos de beleza. E eu me pergunto se a gaiola é mesmo a prisão, pois o universo infinito, com possibilidades infindas, também não é, quando se escolhe olhar para isso com as lentes do desejo e do apego? Quando há culpa ou vergonha do que já passou ou expectativa e ansiedade pelo que virá, tudo é prisão... Enfim, olhos de beleza são e vêem o agora. Olhos de beleza são amor, não? Um abraço.

    • Daniela Vitor 02/08/2021 Responder

      Olá, Jaylei querido! Sempre bom ler suas palavras! Fico muito feliz pelo carinho! Adoro suas reflexões! E concordo, olhos de beleza são amor puro! Um podcast, hein?! Tá aí, pensarei sobre o assunto! Muito obrigada!! Beijo grande! ;)

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