Olho a noite como se fosse a mais louca das companheiras de jornada. Sorrio uma tranquilidade toda entusiasmada de alívio e ternura, que não soube distinguir se era um sentimento nobre ou sono apenas.
O silêncio na escuridão iluminada se faz presente das formas mais inusitadas possíveis, que vão desde o dormir dos cães até um balançar fino e atrevido das árvores só para formar uma melodia, que de tão doce chega a ser metida a besta. Certeza que as estrelas deram a ideia. Que raiva dessa paz.
Talvez sinta inveja da simplicidade e delicadeza despretensiosa com que se apresentam no palco da vida todas as noites, enquanto trabalho. Se fosse somente um trabalho que começa e termina em algum ponto, tranquilo. Falo do trabalho todo constante que mora em mim, que faz com que meus pensamentos viajem na velocidade da luz a todo instante e, na mesma velocidade, tragam sentimentos, sensações, recados, intuições, certezas duvidosas e a certeza de apenas dúvidas. É tanto e sempre, que permaneço acordada.
Dormir muito, sem interrupções, é luxo para almas que não cessam. Queria um pouco desse luxo, só essa noite. Sonho em deitar e dormir logo de cara, feito essas pessoas que mal acabam de orar e já estão roncando, sabe? Pensando melhor, dispenso o ronco.
O despertar é tão imenso e intenso, que, por vezes, anseio não perder tempo em dormir. Para quê? Posso aprender tanto mais, realizar tanto, sentir tudo. É um estado de êxtase corriqueiro, que toma conta somente quando o mundo todo se cala. E é tão raro tudo se calar e existir esse tempo só para mim. Chego a querer fazer festa na varanda. Faço na sala mesmo, danço coreografias inteiras só para mim, agradeço à plateia inexistente. Escrevo, planejo, faço listas, viajo com os olhos abertos que velam o sono dos demais. Acontece que cansa.
Foi bom voltar à vida noturna por um período, estava com saudades do silêncio do mundo assim todo pleno e inteiro para meu deleite apenas. Sinceramente? Tenho mais idade para isso não…
Não digo do físico, porque esbanjo juventude e saúde, dou graças. Só que minha alma resolveu crescer, entende? Quer dormir direitinho, comer direitinho, tudo direitinho. Entrou numa modinha de vida saudável, que irrita, consome e satisfaz ao mesmo tempo. Às vezes acho um saco e quero me rebelar, mas essa adolescência tardia de não dormir já não me pertence.
Aprendi a gostar de acordar junto com o sol. Aprimorei meus instintos até sentir a brisa única, que acontece logo cedo e costuma anunciar o destino do dia. Já presenciou esse fenômeno silencioso? É bonito de saber.
No mais, confesso estar gostando de tudo tão direitinho, dá preguiça do contrário. Então sigo com a cidreira toda largada na caneca, no meio da madrugada, mas é só porque me empolguei com uma história instigante que escrevo há algum tempo.
É a última noite em claro, não prometo. Sigo atordoada pelo chá, mistura de moleza com preguiça boa. Será sono isso? Vou conferir, só um pouco… Não volto.
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