Aqueles que me conhecem sabem o tanto que a pseudociência conhecida como “autoajuda” me incomoda. Tanto que o texto recente da nossa Carla Fregni intitulado Será que autoajudará? foi um dos que mais me deu prazer curar e palpitar nos últimos tempos. Como acadêmico, prezo pelo saber científico e penso que o achismo da autoajuda não tem lugar, assim como outros elementos da pseudociência, todos sem qualquer estudo sério que lhes credencie os supostos resultados obtidos.
É em função disto que, quando ouço falar em “técnicas de motivação”, fico com a pulga atrás da orelha, uma vez que quase tudo o que se fala nesse sentido também carece de pesquisa séria que dê solidez ao assunto. Recentemente uma pesquisa séria sobre o assunto veio à luz, e finalmente pudemos ganhar alguns elementos importantes para julgar o que é efetivamente de auxílio no campo da motivação.
O estudo, intitulado He Dies, He Scores: Evidence that Reminders of Death Motivate Improved Performance in Basketball (Ele Morre, Ele Pontua: Evidências de que Lembranças sobre a Morte Motivam a Melhora do Desempenho no Basquete), foi realizado pelos pesquisadores Colin Zestcott, Uri Lifshin, Peter Helm e Jeff Greenberg — todos da Universidade do Arizona, nos EUA. Trata-se de uma pesquisa que busca na TMT (Terror Management Theory, ou Teoria do Gerenciamento do Terror) os elementos para entender como a lembrança da mortalidade pode ser um efetivo motivador para o indivíduo. O artigo resultante está sendo publicado na revista Journal of Sports and Exercise Psychology.
A TMT vem sendo desenvolvida desde a década de 1980, e busca entender como o indivíduo reage diante da possibilidade da morte. Segundo este estudo, parte da motivação que todos temos para participar de atividades culturais e esportivas se alicerça sobre a necessidade de aumentar a autoestima, reduzindo assim preocupações com a certeza de nossa própria morte.
Para entender o papel da mortalidade na motivação, a equipe liderada por Zestcott realizou dois experimentos, ambos envolvendo o jogo de basquete. Os sujeitos foram escolhidos por sua predileção e prática frequente do jogo em nível amador.
Foram dois experimentos realizados, cada um deles envolvendo dois jogos, um “antes” e um “depois”. Os sujeitos jogavam contra um “confederado”, isto é, um indivíduo que estava por dentro da pesquisa como um todo e seus objetivos, sendo que os dados deste confederado não foram levados em questão. Os participantes — todos, sem exceção — não estavam a par da mecânica ou dos objetivos da pesquisa.
No primeiro experimento, os 35 sujeitos selecionados jogavam uma partida individual em meia quadra contra o confederado, com os resultados e ações detalhadamente registrados. Os elementos registrados foram: dribles, arremessos livres, arremessos simples, arremessos de 3 pontos, rebotes, bloqueios de arremesso (“tocos”), bolas perdidas e faltas. Todos elementos foram registrados por dois observadores independentes, atuando sobre filmes feitos dos jogos, com alto grau de congruência entre os resultados obtidos por estas observações.
Após a primeira partida, os sujeitos respondiam um questionário simples. Metade dos sujeitos respondeu um questionário pertinente à prática do basquete, um assunto neutro que pouca influência tende a ter sobre os resultados, uma vez que o indivíduo já está imerso nessa atividade. A outra metade dos sujeitos respondeu um questionário sobre mortalidade, com questões do tipo “Por favor, descreva os pensamentos e emoções provocados em você quando pensa sobre sua própria morte” e “Anote o que você acha que vai ocorrer com você depois que morrer”.
Após o preenchimento do questionário, o confederado e o sujeito jogavam uma segunda partida, também registrada pelos observadores.
Já excluídas as variações esperadas (um melhor desempenho geral na segunda partida, uma vez que os jogadores estão aquecidos e mais focados; uma melhora paulatina do confederado, pois este foi o oponente durante vários dias seguidos e em função dos treinos concentrados melhorou seu desempenho geral), o resultado foi surpreendente: em média, uma melhora de 40% no desempenho na segunda partida dos sujeitos que responderam o questionário sobre mortalidade, quando comparados com os resultados dos sujeitos que responderam o questionário sobre basquete.
Em um segundo estudo, os sujeitos realizaram uma tarefa que envolveu exclusivamente arremessar a bola em condições específicas e simples, de forma que a coleta de dados passou a se concentrar em apenas dois elementos: se o sujeito arriscou o arremesso, e se acertou o arremesso feito. As regras da tarefa foram passadas por um dos pesquisadores, sendo que metade dos sujeitos receberam as regras enquanto o pesquisador usava uma jaqueta sem estampa, e a outra metade recebeu as instruções com o pesquisador usando uma camiseta com a palavra “Death” (morte) estampada dezenas de vezes, formando a imagem de uma caveira.
Os resultados comprovam o primeiro experimento: os resultados obtidos pelos sujeitos que receberam as instruções passadas pelo pesquisador usando a “camiseta da morte” foram em média 30% melhores que os resultados obtidos pelos sujeitos que viram apenas uma jaqueta sem estampa.
Ambos os experimentos foram feitos com o rigor científico adequado, e estão sendo publicados em uma revista de renome de estudos de psicologia. Ou seja: não é achismo, não é “chute”, não é autoajuda. A conclusão é simples: quando somos confrontados com nossa mortalidade, tendemos a buscar uma alternativa à imortalidade que não nos é possível, isto é, tendemos a buscar deixar uma marca mais forte no mundo, que obtemos com um melhor desempenho em nossas ações.
Aí está: a certeza da morte é — comprovadamente — um grande motivador.
Em que pese o rigor científico ser importante para dar solidez à conclusão, subliminarmente já desconfiávamos desta possibilidade, e há uma piada antiga que nos ajuda a entender o caso.
Diz a piada que dois amigos estão caminhando pela floresta quando dão de cara com um belo lago. Tiram os tênis e as camisetas e decidem nadar. De repente, o inesperado: na beira do lago aparece uma onça. Ambos saem do lago e um dos amigos começa a correr. Ao ver que o outro estava parado calçando o tênis, ele grita: “está louco? Você acha que vai conseguir correr mais que a onça?”, ao que o amigo que terminara de caçar o tênis responde: “Eu não preciso correr mais que a onça. Preciso apenas correr mais que você.”
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