Uma noite qualquer, no ano de mil oitocentos e alguma coisa, México. Uma festa da alta sociedade, com toda pompa, brilho e desperdício de bajulações. Eis que surge a mais bela dama, vestido lindo como jamais havia se visto. Muitas flores na cabeça, num vermelho cor de sangue sem igual, e todas as atenções voltadas somente para ela. Talvez não pela linda vestimenta, nem beleza das flores, mas pelo fato de ser uma caveira.
Todos emudecidos pela entrada triunfal, presença marcante e aterrorizante da morte. Seria mesmo a morte? Aquela noite virou lenda, contada até hoje da maneira mais envolvente possível. Catrina, como denominada pela tradição mexicana, e criada por meio de artistas, veio mesmo para fazer da representação da morte, para aqueles de mentes despertas, um alerta sobre a urgência da vida. Afinal, somente a tão temida morte é que define o fim de algo que hoje se tem. E o amanhã, ninguém sabe.
O fato é que ela acaba, para muitos, sendo em símbolo assustador. Para os despertos, soa tão fascinante e divertido quanto a dádiva do presente. Com todo respeito à dona morte, claro. Sua representação magnânima de classe, elegância e ossos! Tudo misturado numa forma simples do que realmente significa viver, de todo potencial que se cabe em vida. Distante desse conceito, sobra apenas o que é fútil, um apego doentio à matéria, algo tão mesquinho perto da eternidade que existe no momento do hoje.
A eternidade é o que mais acompanha cada traço ósseo, cada cor misturada aos trajes, eloquentes de uma loucura sã de simplicidade explícita do que se é. Assim de forma crua, densa, dura, impactante e, sim, bonita. Entender a beleza do fim, meus caros, é um meio de ver o quão mais belo ainda é o caminho. O caos, por vezes, faz parte do caminho. É preciso saber que até mesmo ele tem um fim. Sempre.
A abundância de gratidão vem muito daí. Quem já beijou Catrina, jamais perde a majestade diante de qualquer acontecimento, seja de que natureza for, de que intenção tiver e de que intensidade for preenchida. As nuances de lembrança desse beijo fazem saber que tudo passa, tudo se transforma. É instigante se dar conta que aqueles que tiveram algum tipo de proximidade com a morte, acabam tendo um vínculo de mais qualidade com a vida. Dor nenhuma se mantém, mas há a opção em mergulhar em sofrimento ou não. Existem sempre mais opções do que queremos enxergar. Isso, por si só, já é também uma bênção. Apenas é preciso ter olhos para ver.
É uma figura que impõe todos os medos de uma vez a você, num só golpe de olhar. Desnuda seus sentimentos mais ocultos, perturba suas irritações mais banais, mexe com seu instinto tão natural de preservação “carpe diem”. Traz o hoje, coloca em seu colo, e mostra que é tudo e só o que você tem.
Brigar com o fim talvez seja um dos erros mais absurdos que se possa cometer, mas se pode cometer. Porque Catrina não representa só a morte do corpo em matéria. Ela representa também todas as mortes que passamos em vida, o tempo todo. Morremos e renascemos em nós mesmos, e o objetivo é voltarmos melhores versões, mais fortes e conscientes. Vamos e voltamos, dentro de nós, quantas vezes forem necessárias para que o objetivo se cumpra. Mora uma sabedoria, bem particular, dentro de cada um.
A morte em nós mesmos nos mostra a vida pelos olhos do fim. Não há que ser jogado do penhasco, às vezes, para aprender que se sabe voar? E quando se voa, descobre-se que nunca houve fim, nem nunca haverá. Há o medo do que se desconhece, há possíveis neuras que não deixarão que se olhe para o novo caminho. Até isso passa, pode acreditar. Basta, simplesmente, caminhar sem parar. Olhar para o que é invisível aos olhos talvez seja a forma mais bela e confiável de salvação de si mesmo.
Bendita seja a fascinante Catrina e sua missão de chamar a vida!
Peço licença......chamar a vida e demonstra-la. O passado não existe O futuro também não existe O presente existe com ressalvas,é infinamente curto.
Ótima colocação, meu Pai amado! Gratidão! Um beijo!