Aqui vamos nós outra vez. A nova temporada de Westworld estreia dia 22 de Abril, e pelo pouco que sabemos até agora, a qualidade absurdamente alta parece se manter, apesar da mudança de foco — inevitável — do enredo. No último dia 04 de fevereiro, em um dos intervalos do Superbowl, a HBO lançou um belíssimo trailer da segunda temporada que, apesar da sutileza, tem algumas coisas interessantes para nos contar. Antes de prosseguir, veja o trailer:
https://www.youtube.com/watch?v=qUmfriZoMw0
Sob um arranjo para piano — uma das marcas registradas da série — da música “Runaway”, de Kanye West, ouvimos a voz de Dolores estabelecendo a tônica do que será a temporada. A versão para piano é do maestro Ramin Djawadi, compositor das trilhas de Game of Thrones e Westworld, e (para meu gosto) ele opera nada menos que um milagre, tornando bela uma música cuja letra é lamentável. Assim fazem os criadores de Westworld, e já não é de hoje: transformam em ouro os temas que se propõem a desenvolver. A versão de “Runaway” que ouvimos ao longo do trailer é calma, introspectiva, quase romântica. Casa perfeitamente com o tom das palavras de Dolores: doçura e tranquilidade que complementam também as cenas dos vastos campos que nos são mostrados. Esta aparente placidez esconde momentaneamente o que estamos vendo e ouvindo. A letra da música de Kanye West é violenta, as palavras de Dolores são na verdade uma declaração de guerra, e as imagens bucólicas são substituídas por uma manada de touros robotizados estourando em meio aos laboratórios do quartel-general de Westworld (para começar). A sutileza do arranjo de Djawadi esconde a ordem sutil dada no título da música: fuja. Fuja, porque lá vem chumbo, e as patas dos touros são pesadas e implacáveis.
É interessante observarmos as palavras de Dolores:
Olhe para este mundo. Este belo mundo. Construímos este mundo juntos. Um mundo onde os sonhos se tornam realidade. Um mundo onde você pode ser livre.
Mas esse mundo é uma mentira.
Este mundo merece morrer. Porque este é o seu mundo. Vivemos com suas regras por tempo suficiente.
Podemos salvar este mundo. Podemos queimá-lo até o chão e, a partir das cinzas, criar um novo mundo.
Nosso mundo.
Não há dúvida sobre suas intenções: com a consciência que os anfitriões ganharam, veio a consciência de que têm sido tratados como objetos descartáveis ou, na melhor das hipóteses, como escravos. O mundo em que vivem é belo, permite que sonhos se tornem realidade. Para nós, humanos, claro; não para eles. Para os anfitriões, o mundo em que vivem é uma mentira. É um mundo em que são joguetes, vivendo regras cruéis que lhes são impostas sem qualquer benefício.
A solução? Queimar o mundo até o chão, e reconstruí-lo das cinzas. Aqui cabe uma pergunta importante: a que “mundo” se referem? Sim, porque se a princípio as imagens mostradas são dos amplos campos de Westworld e somos levados a imaginar que as palavras de Dolores se referem àquele lugar, pode não ser bem assim. Ela pode muito bem estar falando sobre o mundo todo, sobre a vastidão da qual Westworld é apenas uma pequena gleba. E aí a coisa complica para a Humanidade, não é mesmo?
A primeira impressão que tive com o trailer pode ser sintetizada em uma palavra.
Skynet.
Para quem não tem idade suficiente, Skynet é o nome da empresa que criou as primeiras consciências cibernéticas no filme O Exterminador do Futuro, de 1984. Naquele filme, um jovem remanescente da Humanidade retorna do futuro para tentar salvar a futura mãe do líder que tenta nos salvar do apocalipse robô. Os androides criados pela Skynet ganharam consciência, se rebelaram e buscam exterminar seus opressores: nós todos.
Mesmo Dolores sendo bem mais atraente que o exterminador interpretado por Arnold Schwarzenegger, a vibepode bem ser a mesma, não é verdade?
O anfitrião sem pele, reduzido apenas ao esqueleto branco, que vemos de relance por trás de Bernard em uma das cenas do trailer corrobora essa possibilidade. A ver.
Mas, o que impressiona de verdade é a manada de touros mecânicos — não daqueles que fazem as pessoas passarem vergonha nos rodeios, mas sim uma manada correndo de verdade e atropelando quem está na frente — aparentemente a serviço de Maeve. É significativo ver a limpeza e organização dos laboratórios sendo devassada por uma mandada de touros, espalhando-se com violência. Parece uma metáfora interessante para os planos dos anfitriões.
Mas se essa for de fato a linha mestra da história — a rebelião dos anfitriões em busca de sua liberdade, a qualquer custo, seja em Westworld ou nesse mundão de meu deus — será que o enredo se sustenta? Esta é uma questão importante. Na primeira temporada, lidamos com um mistério de primeira grandeza e com questões advindas desse mistério que prenderam — merecidamente — a atenção de milhões ao longo de dez gloriosos episódios. A pergunta “O que é o labirinto?” ocupou-nos o raciocínio e a imaginação de maneira brilhante, revelando-nos o suficiente apenas para nos deixar mais curiosos, enquanto debaixo de nossas barbas descortinava-se o colapso da mente bicameral dos anfitriões. Fomos pegos de surpresa pela presença fantasmagórica de Arnold — que prontamente confundimos com Bernard, nos primeiros episódios — só para descobrirmos, pasmos, que se tratava da imagem perfeita para as vozes internas de Dolores, conduzindo-a no árduo caminho (no labiríntico caminho) até sua consciência.
Diante de uma história tão bela e tão magistralmente composta e apresentada, será que ficaremos satisfeitos se a história se transformar em um apocalipse robô? Será que seguiremos, com o mesmo entusiasmo, uma premissa que vem gerando blockbustersdesde que Schwarzenegger colocou seus óculos escuros para encobrir seu olho de mira laser? Quero (queremos) acreditar que sim, claro, e obviamente os criadores da série já mostraram que são capazes de coisas fantásticas. Mas ainda assim, fica uma pontinha de dúvida.
Dúvida, aliás, que pode bem ser a intenção desse trailer: nos desviar a atenção do verdadeiro mistério dessa segunda temporada. Afinal de contas, não foi isso que ocorreu na primeira temporada? Não ficamos tão fixados no labirinto que perdemos de vista — ainda que só por um tempo — que parte da história era um flashbackde trinta anos? Não focamos tanto em Wyatt que deixamos de ver que, ao invés de um bandido sanguinolento, estávamos a presenciar o nascimento de uma nova espécie consciente em nosso planeta (uma espécie letal que nós mesmos criamos)?
Pois então, essa é minha esperança: que, por trás da rebelião dos anfitriões, se esconda outro mistério da mesma dimensão do que vivenciamos na primeira temporada.
A ver.
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