A purpurina percorre cada pedaço de meu corpo, como se ainda estive a sambar o enredo de uma vida toda, em apenas algumas horas. O suor transforma o glitter em luzes que, prontamente, me tornam uma pessoa com uma luz diferenciada em meio à multidão, quem sabe até em meio ao caos.
A música alta atordoa meus sentidos mais fluidos e temo esse prazer da falta de controle do desconhecido, tomando conta dos meus pés, fechando meus olhos e me forçando a entrega ao ritmo que pouco conheço.
Os cheiros se misturam pela rua: do perfume das fantasias ao suor fedido do aperto, passando pelo xixi nas calçadas e chegando na fumaça de maconha que paira no ar e vira meu estômago do avesso. A náusea de todos os cheiros me faz querer correr para longe, mas as luzes do carro de som prendem meus olhos; o samba prende meus pés e danço sem pensar e sem parar. Já não tenho mais escapatória que não seja me entregar à alegria louca, insana e deliciosa.
Vejo bocas se comerem, porque beijar é muito terno para um lugar como esse. Acho graça, gargalho de inveja. Quando o bloco, finalmente, sai da concentração, o volume de pessoas dobra. A criatividade se multiplica e um mar de fantasias criadas em casa torna tudo mais bonito, divertido e especial.
Não há idade para um momento como esse. São almas sedentas por alegria, apaixonadas pela entrega da dança, hipnotizadas pelo som, pelas cores, texturas, luzes. Os cheiros se misturam e não são bons, mas todos relevam de forma sublime, e isso se torna bem pequeno, quase ínfimo.
Olhares se cruzam, sorriem, se agarram. O proibido tem morada certa nesse terreno carnavalesco. Tudo cheira a falta de juízo, uma desordem toda organizada de festividade despudorada e desprovida de qualquer bom senso.
Só vou embora quando meus pés já não aguentam mais e vibram no descompasso do cansaço. Corro em disparada de toda falta de senso, ainda que o meu não seja assim tão bom. Fujo para casa, aliviada por tanta diversão e orgulhosa por estar intacta do lado sombrio da força. Saio exausta, mas com a alma leve, repleta de brilhos misturados ao meu.
Jogo serpentina na Quarta de Cinzas, silenciosamente. Na quinta ainda sou toda glitter, da cabeça aos pés. E assim, iluminada, recomeço o começo desse ano que já é incrível. Que sorte a minha ser feliz por nada.
Gostaria que estivéssemos sempre bem com a mu-dança. Bela dança de alegria, tristeza, aprendizado, mas, hoje, ainda vou mais, pelo que a Morte fala: caímos, choramos, mas continuamos e encontramos. Não tem tanto valor poético como o bailar através da vida, mas se, no final, há esse encontro, acho que vale. Não sou de carnaval, mas faço parte do bloco de "almas sedentas por alegria". Sim, sou e somos almas sedentas desse algo a mais, e não precisa ser do sublime, pode ser, apenas, do que nos dê significado. Ser feliz por nada? Pode ser, tive raros momentos assim ou foram muitos e passaram despercebidos? Um dia te conto, me chama ou apareça para um café. Gratidão pelo texto. Ótima semana.
Olá, Jaylei! Como sempre, ótimas reflexões! Obrigada por compartilhar! Ótima semana para você também! Grande abraço!!