Um dos grandes paradoxos do ser humano é ter consciência de sua tendência a focar o negativo, sofrer com isso e, mesmo assim, mostrar-se incapaz de combatê-la. Como muitas de nossas fraquezas, essa também é um prato cheio para a indústria do consumo.
Você deve saber que a indústria midiática (composta por veículos de comunicação e anunciantes, dentre outros agentes de poder e consumo) lucra com a audiência. Assim, todo tema que atrai a audiência é potencializado seja na divulgação de notícias, na publicação de artigos, na veiculação de entretenimentos. Volume de espectadores e de cliques na internet, por exemplo, pode garantir lucros com publicidade.
A lógica desse processo é bastante simples: conhecendo o viés negativo do ser humano, a indústria da comunicação nos inunda com temas de violências, de catástrofes, de fofocas etc. Títulos sensacionalistas, imagens chocantes, vídeos indiscretos garantem audiência que, por sua vez, gera faturamento.
Somos atraídos pelo medo. Os canais de comunicação nos seduzem a vivenciá-lo a cada minuto. Diariamente, somos alimentados pelo medo que nos é incutido, fazendo-nos ainda mais famintos por uma visão negativa e catastrófica, criando um ciclo vicioso.
Qual é, no entanto, a explicação dessa propensão humana? Segundo Pedro Calabrez, eventos negativos tendem a produzir efeitos mais marcantes em nossos estados psicológicos. Evidências comportamentais, cognitivas e neurofisiológicas nos levam a crer que esse viés de negatividade é garantidor da sobrevivência. Estudos comparativos entre seres humanos e não humanos sugerem, inclusive, que não se trata de uma característica exclusivamente nossa.
[arve url=”https://www.youtube.com/watch?v=pRqBiWWqvQg” align=”center”/]
Parece-nos bastante óbvio que, em nossa história evolutiva, sobrevivemos graças ao medo que nos leva a lutar ou a fugir. O medo nos faz atentos a todos os perigos à nossa volta. Para nossa proteção, a natureza teria despertado esse especial interesse em nós: atenção máxima a tudo que possa nos destruir. A respeito desse assunto, nosso confrade Ruy Flávio de Oliveira expõe um exemplo em sua crônica Motivação que Funciona (http://confrariando.com/motivacao-que-funciona/).
No entanto, com a civilização, nossa atração pelo medo vira fetiche para a indústria cultural que nos transforma em suas marionetes!
Diante de um acidente automobilístico, somos capazes de interromper completamente o trânsito para que a lentidão do tráfego possibilite que motoristas e passageiros contemplem qualquer possível cena de horror. Programas sobre crimes atraem grandes massas de telespectadores. Manchetes como “10 fotos pesadas de pessoas em instantes antes da morte” garantem milhões de cliques.
Como se a constatação de nossa tacanhice mental não fosse suficiente, podemos destacar que mesmo na tentativa de combater esse tipo de comunicação, acabamos por alimentá-lo ainda mais. Explico: ao responder ou reagir – principalmente via internet – contra esse tipo de conteúdo explorado pela mídia, mais exposição ele receberá. Você mesmo já deve ter ouvido histórias sobre controvérsias criadas artificialmente para despertar mais audiência.
Há alguns dias, eu soube que um grupo de jovens estava indignado com a página do Facebook de determinada garota. Ela expunha vídeos agressivos contra seus ex-namorados, expondo intimidades e particularidades embaraçosas. Tomada pelas mais diversas motivações (físicas, químicas e psíquicas), a jovem divulgava fotos provocantes e questionáveis. Os rapazes do grupo mostravam-se injustiçados, as moças do grupo mostravam-se indignadas. E, quanto mais o grupo tentava reagir contra as publicações, mais tornavam-nas atraentes para novos internautas. “Você viu o que a fulana divulgou? Vá lá na página dela e veja que absurdo!”. Pronto, a audiência estava garantida (tudo o que a tal garota perversa desejava…).
É por essas e outras reflexões que me pergunto se a ausência de audiência nesses tipos de comunicação não seria o melhor meio de matá-los de fome.
Que tal prestigiarmos conteúdos mais construtivos? Não sugiro evitarmos polêmicas, mas que elas nos sirvam para o despertar da inteligência. Quando desviamos nossos cliques para palestras de Professores como Clóvis de Barros Filho, Sérgio Cortella, Pedro Calabrez, Luiz Felipe Pondé, Leandro Karnal, dentre tantos outros; ou quando dedicamos nossos dedos em cliques para acesso a artigos acadêmicos, pesquisas científicas ou qualquer outra coisa que alimente nossa cognição, estaremos sim cortando os barbantes que nos fazem de marionetes.
Num primeiro momento, talvez nem importe tanto não compreendermos completamente a abordagem dessas publicações. Que seja, então, pelo mero movimento de deixar de alimentar o que não presta e passar a cultivar o que nos liberta.
Nossa ausência nas redes do terror pode promover redes de conhecimentos mais construtivos. Que tal alguns experimentos? Por dez dias, pelo menos, trocar a novela da TV por palestras no YouTube. Trocar reality shows por jogos recreativos com os filhos. Trocar seriados por documentários científicos. Fica aí minha dica!
Comments: no replies