O texto a seguir é do nosso novo confrade André Torres, que a partir do próximo, já postará com o próprio perfil. Bem-vindo, André!
_______________________
Desde a hora que acordei, hoje, estava com vontade de escrever algo sobre essas coisas que, só agora, que já não estou mais com muita vontade de escrever, me ocorreu enfeixar nesse título.
Também seriam só devaneios e coisas do tipo, mas, como não sabia o quanto escreveria, deixei para rascunhar depois e não usar o e-mail, pois acho que há limitações de tamanho nele.
É que me ocorreu que se aproxima, mais uma vez, a temporada de notícias sobre acidentes com balões, sejam aeronáuticos, incêndios em áreas de florestas e outros. São como as enchentes: todo ano ocorrem, aliás no mundo inteiro. Todo mundo sabe quando e onde ocorrerão, o que é possível fazer para prevenir é feito; mas, entra ano sai ano e as notícias estão aí novamente.
No caso dos balões, a coisa desperta sentimentos atávicos, como não podia deixar de ser e, de novo me obriga, por emergentes, a tocar em outro assunto, no caso, o do cigarro. Puxando pela memória, e não precisa puxar muito, sou da época em que se fumava em qualquer lugar e em qualquer situação. Lembro, também, quando tive uma pequena altercação com um fulano qualquer em um voo que me cobrou a respeito, e minha reação, observada pela aeromoça, foi de que, se era permitido, qual o motivo da demanda. Sinais dos tempos.
No caso dos sinais dos tempos, lembrei também de um saudoso amigo com quem fui trabalhar em meados dos anos 80, em Florianópolis, que, nos primeiros dias em dividimos escritório, levantou-se da sua mesa e me perguntou se eu podia parar de fumar, demonstrando incômodo. Eu lembro que reagi quase da mesma forma que no caso do avião e disse um peremptório não. Ainda assim, permanecemos amigos e até a amizade foi estreitada ao longo do tempo por outros motivos.
Depois, já de volta a São Paulo, as coisas já haviam se modificado. Vi uma matéria de jornal que dizia que, por necessidade de diminuir a exigência dos sistemas de renovação e condicionamento da ventilação interna das aeronaves, que consome combustível, as companhias aéreas estava cogitando meios de coibir o uso de cigarros e congêneres dentro dos aviões. Nada relacionado nem ligeiramente com saúde; apenas razões de natureza econômico-financeira. Mas, como as razões de natureza econômica sempre, desde os primórdios da humanidade, são das mais mobilizadoras das ações humanas, deu no que se vê mundialmente hoje em dia.
Mas o curioso, e não devia ser muito curioso para um cara que estuda o comportamento dos homens em sociedade, é que a coisa grassou de forma, e interferiu até nas percepções fisiológicas e estéticas das pessoas. O cheiro do cigarro, que, de fato, não é dos mais agradáveis para outrem, não suscitava reações e, ao que parece, as pessoas se acostumavam, como um fumante corriqueiro, que mal o percebe. Mas, hoje, até na rua, as pessoas esboçam nojo e até esboçam alguma agressividade ao passar perto de fumantes.
Nos aspectos estéticos, enquanto em dias de outrora era até charmoso fumar, passou a ser feio, grotesco, quase agressivo. Lembro de uma terapeuta, das várias que tive na vida, que, ao escutar meu relato sobre um dos meus costumeiros processos de encantamento e sedução de alguém, eu contando que não estava dando muito certo, o que sempre foi raro acontecer, assinalou que podia ser por conta do meu hábito compulsivo de fumar. É possível até que ela tivesse razão, pois a coisa não foi mesmo muito à frente, mas a assinalação me causou espécie (construção verbal não costumeira também).
Bom, aí voltemos aos balões. A coisa de soltar balões sempre foi um encantamento para todos, em qualquer idade, pelas lembranças que tenho da minha infância. Desde os vagabundinhos e ordinários que a gente comprava prontos por época das festas juninas, brancos em geral e pequenos, até os que mobilizavam várias pessoas, vizinhos na maioria, e demandavam dias para serem construídos.
Os construídos por dias com empenho coletivo eram exuberantes, coloridos, grandes, e estavam planejados para permanência longa no espaço. Lembro das tentativas pueris de construção caseira, nas dificuldades de encontrar o ponto adequado da cola de farinha (grude, mais propriamente), a mesma que era usada para fazer papagaios e pipas, mas que tinham que ter outro “traço” (analogia com o concreto) de farinha, pois o calor do breu poderia despregar as folhas, e a coisa não daria certo.
Os construídos de forma mais coletiva eram mais engenhosos. Não sei se padeciam, no processo de confecção, das mesmas dificuldades dos caseirinhos. Acho que já recorriam a aparatos mais sofisticados, como a cola Goyana, que não sei se resistia melhor ao calor, mas não recorriam aos nossos grudes caseiros. Os pequenos até eram chamados a ajudar, em tarefas muito subalternas, que no fim não davam transmissão de conhecimento, o que fazia que nos restasse apenas a aquisição dos balões mixurucas vendidos nas banquinhas sazonais de produtos juninos. Mas tudo era festa do mesmo jeito.
A festa era soltar os balões nos dias das festas e, para a garotada (e também outros não tão garotos) perseguir os balões em sua trajetória de voo e tentar resgatá-los incólumes, antes que se incendiassem. Lembro vagamente, mas acho que no caso dos balões “profissionais”, havia até prêmios para isso.
Mas, sob o império do mundo politicamente correto, além de fumar e outras coisas serem condenáveis à execração pública (e causarem repúdio nas meninas bonitas), os balões também ganharam a pecha e notícias a respeito e ganharão espaço nos próximos meses, como ocorre todo ano.
Em parte, até dá para entender, pois os balões, como os pássaros, podem causar acidentes aeronáuticos e provocar incêndios urbanos e rurais. Antes, a prática de construir e soltar balões ocorria em comunidades menores, onde não havia movimento aéreo significativo, para não dizer nenhum. As áreas urbanas eram restritas e a perseguição dos balões pela molecada evitava qualquer tipo de ocorrência mais deletéria. Quando os balões caiam em áreas rurais, a perseguição não deixava que ocorressem maiores danos e acho que, mesmo sem ela, não haveria de ocorrer maiores danos, dado que as áreas rurais dessas pequenas comunidades eram incipientes demais para a geração de grandes estragos.
Hoje, de fato, as áreas urbanas são mais adensadas e as rurais mais homogêneas, e, possivelmente, os avanços nas técnicas de construção de balões sejam mais sofisticadas, gerando artefatos mais robustos e resistentes. E não há tanto empenho e facilidades para a perseguição. Nem sei se é feita hoje em dia; deve haver outras prebendas envolvidas que desconheço.
Os pássaros, que também representam ameaças aos voos, já são objeto de afastamento pelo uso agressivo de rojões e aves de rapina treinadas. E todos sabem que sua presença ocorre quando os aeroportos são localizados próximos a áreas onde existem resíduos urbanos atrativos às aves de rapina, que são as de maior porte e que representam reais ameaças. Passarinho comum, herbívoro/frugívoro, ou mesmo omnívoro, de pequeno porte e altura de voo limitada, não representam ameaça alguma. Portanto, o contingente ameaçador é mais restrito e passível de medidas de controle. E não caem do ar, como os balões. E, mesmo se caíssem, não provocariam estragos significativos em qualquer lugar. Portanto, não vi até agora qualquer notícia de que as companhias aéreas e os zelosos líderes políticos, com o apoio da comunidade politicamente correta, estejam cogitando de erradicar os pássaros da face da terra, como tentaram (e possivelmente ainda tentam) fazer com os fumantes.
Já quanto aos balões, parece que sim. Possivelmente irão começar a aparecer propostas de geniozinhos tecnológicos propondo balões com propulsão alternativa aos “breus”, não incandescentes, e até dirigidos remotamente. Uma espécie de “drones-balões”, com controle por GPS e recuperação programada, através de rotas de voo previamente estabelecidas e outras coisas do gênero. De algum modo, parte do encantamento de outrora poderá ser substituído por alguma bolação engenhosa de alguém, até que, efetivamente erradicados, nenhuma criança lembre dos balões de antigamente.
Os balões de outrora tinham sua vida muito bem definida quanto às possibilidades. Ou sequer alçavam voo, principalmente no caso dos caseiros, pois ou não se conseguia acender o breu, muitas vezes precariamente ajambrado pelas crianças (lembram-se da expressão passadista de “pegar no breu”, para coisas que dão certo); ou se incendiavam logo em seguida e não iam a grandes alturas; ou davam certo e alçavam grandes voos, com a curriola feliz em seu encalço. Tudo dependia do processo construtivo, do breu utilizado e das circunstâncias.
Doravante, irão depender de tecnologia ou, mais exatamente, não irão mais existir. As matas e as áreas urbanas ficarão incólumes, os aviões poderão pousar e decolar livres dessas ameaças, as crianças não irão sentir falta, até porque a maioria nem os conheceu (salvo pelo noticiário que não desperta muita atenção) e os politicamente corretos poderão lavrar mais um tento na redenção da humanidade.
E os fumantes? Esses nem eram o assunto mais importante como os balões e os pássaros. Mas, continuarão a serem premidos à extinção também, no mínimo pelo aumento gradativo da escassez de namoradas. Em última instância, poderão ser tentadas políticas como daquele fulano que é presidente atual da Indonésia ou outro lugar qualquer infortunado pela presença proeminente desse tipo de gente: mandar matar, simplesmente.
Comments: no replies