Toda programação completa e feita com muito entusiasmo para aqueles dias, a partir de um céu azul e sem nuvens. Muitos passeios, diversão, viagem. Todos avisados, horários combinados, ansiedade acolhida por sorrisos ensolarados. Chegam os dias mais esperados e eis que chove, muito. Sem parar, torrencialmente. Só para deixar bem claro o tanto de água que caía. Olhava a janela, pacientemente, atenta a uma possível trégua. E nada. E agora?
Isso é a vida, meus caros!
São muitos planos, programações feitas a partir de dias ensolarados e felizes. E, de repente, chuva incessante sem qualquer previsão de término. Céu cinza, gélido. Diante de todos os planos feitos, que não acontecerão, o tempo parece parar para que você responda à pergunta que não quer calar: o que fazer a partir daí?
Viver a chuva, curtir o cinza, o frio, a coberta. Mudança é a única certeza da vida, fora a morte. Ser flexível às vontades do fluxo que corre nos dias que se seguem, como por obediência mesmo, sem saber como serão, talvez seja uma das mais bonitas formas de sabedoria. E mais madura também. Não qu e eu goste de obedecer, pelo contrário. Aliás, outro dia ouvi algo que ainda estou digerindo: não é preciso obedecer, mas tampouco desobedecer. Parece tão óbvio e, ao mesmo tempo, tão contraditório e inconsistente. Só que talvez eu precise trocar minha lente do “tudo ou nada” para conseguir absorver esse conceito de fato. Estou submersa nisso, assim que voltar à tona e descobrir algo, prometo escrever a respeito.
Chuva traz tanta reflexão, tanto tempo para organização, reorganização, dá tempo de sorrir com o cheiro da pipoca. Fazer a faxina de final de ano para renovar energias para o próximo. Namorar, conversar com amigos, curtir a família. Se molhar de propósito e encher a casa de barro. Ver muito filme. Dormir despretensiosamente, acordar, tomar café e dormir de novo. Dançar na aula da academia como se não houvesse amanhã. Com o céu cinza, dá tanto tempo de juntar pessoas. E é tão bom tanta gente reunida, com as mais diversas comidas acolhedoras. A casa tem tempo de ser decorada já para o Natal, e o bom velhinho vai parar na guirlanda da porta. Dá para fazer quase tudo que se faria com sol, mas com outras intenções, outra intensidade, outro foco; muda o cheiro das sensações, os nomes dos sentidos. Escrever ao som da chuva é uma honra, quase cena de cinema. Chá quentinho de alecrim com capim santo. Pedir pizza só para curtir a casa e tomar sozinha um bom vinho feliz. Dá para ser muito feliz, sempre dá.
O segredo talvez seja amar tanto a chuva como se ama o sol, e vice versa. A felicidade interna precisa independer de fatores externos, sejam quais forem: tempo, pessoas, clima, acontecimentos. Há que se descobrir a beleza em tudo e, para isso, é preciso apurar o olhar a respeito de tudo. Veja, a chuva pode ser desanimadora para alguns e deslumbrante para outros. É a escolha sobre como enxergar que muda todo o contexto, sempre. Esse é um poder muito pessoal, intransferível. Tão particular, que só pode ser utilizado se você quiser. A criação da própria realidade conversa muito com essas escolhas, estão sempre bem alinhadas, com ou sem nossa consciência e anuência. Saber disso pode trazer muito equilíbrio e tranquilidade ou pode enlouquecer de raiva, medo. Também é uma escolha o sentir a respeito do tamanho da responsabilidade consigo mesmo e com o mundo. E sentir mundo é tão bacana…
“Mundo mundo vasto mundo,
Se eu me chamasse Raimundo,
Seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
Mais vasto é o meu coração.”
Acho divertido recortar trechos de poemas, como esse de Carlos Drummond de Andrade, e dar a ele a vida que eu quiser. Sim, eu posso fazer isso. É possível, por exemplo, transformar esse trecho na tradução poética do processo de perceber o que eu seria se fosse outra coisa e ao mesmo tempo aceitar o que sou, a imensidão do mundo e das possibilidades, e dar prioridade, então, à imensidão de meu coração.
Então, eu sou solução porque escolhi ser rima da poesia de minha vida, de minha história e de meu mundo. E saber disso faz sorrir meus medos mais cruéis. E eles dão tantas gargalhadas que se transformam em força para meu caminho. Parece insano, eu sei, mas é também hilário e encantador.
O quanto de poesia tem em seus dias? Você rima com sua vida?
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