O que você achou do título deste texto? Que primeira sensação te causou? Susto? Estranhamento? Curiosidade? Talvez, tenha até me julgado: “Agora, ela surtou!”; “Lá vem ela com esquisitices”; “O que será dessa vez?”; “Nem vou ler!” Pois bem! Na verdade, não pretendo conversar a respeito de sexo com frangos congelados. Quero propor refletirmos sobre o que se passa em nossos pensamentos quando nos deparamos com ideias impactantes.
A criatividade da frase não é minha. Trata-se de um dos artifícios adotados pelo psicólogo israelense e prêmio Nobel de Economia de 2002 Daniel Kahneman para desenvolver estudos a respeito de dois tipos de pensamentos: um mais emocional e o outro, mais lógico. O experimento, aplicado por Kahneman, apresentava a seguinte história ao voluntário:
“Um homem vai ao supermercado uma vez por semana e compra um frango congelado, pronto para assar.
Ele vai para casa e, antes de assar, ele faz sexo com o frango.
Despois, ele cuidadosamente assa e come o frango.”
É Pedro Calabrez (pesquisador de neurociências, muito mencionado em meus textos) que nos explica como funcionam esses dois sistemas de pensamentos em seu vídeo pela Neurovox. É bem provável que, ao ler a tal história, a grande maioria de nós tenha a sensação imediata de que o homem está errado e acabamos sentindo aversão por isso. Vem, então, um julgamento instantâneo de que se trata de um comportamento muito errado. Depois de “batermos o martelo”, surgem as justificativas: “O homem é um psicopata”; “Isso é crueldade aos animais”; “Se o homem faz isso com um frango, sabe-se lá que outros hábitos bizarros ele deve manter”.
Com esse experimento, Kahneman demonstra que temos dois sistemas de pensamento:
- SISTEMA 1 = opera de forma automática e rápida. Há pouco ou nenhum esforço, e a percepção de controle voluntário é nula.
- SISTEMA 2 = opera de forma lenta. Aloca atenção às atividades mentais trabalhosas que o requisitam, como cálculos complexos e reflexões racionais.
Essa bipartição dos tipos de pensamentos não teria correspondência na estrutura cerebral. Trata-se apenas de uma maneira didática para se explicar dois modos diferentes por quais nossos pensamentos funcionam. Conforme experimento descrito, a história desperta, primeiramente, nosso Sistema 1. Por isso, a percepção imediata tem base nas emoções, instalando-se rapidamente de forma intuitiva: julgamos o ato como algo muito errado. Depois do impacto, assume nosso Sistema 2 que, lentamente, começa a procurar justificativas para endossar as conclusões do Sistema 1: o ato é errado porque apenas pessoas desequilibradas são capazes de fazer uma coisa como essa.
Numa primeira impressão, podemos até achar que o experimento é tão doido quanto a própria relação libidinosa entre o homem e o frango congelado. Só que, admitamos, o que foi descrito pode nos levar a constatar o quão perigoso pode ser esse processo mental. Ou seja: temos uma facilidade muito grande para julgarmos sem refletir e, depois, sair atrás de justificativas que sustentem o julgamento irrefletido. Diante da história bizarra, esse processo não culmina exatamente em problemas. Até porque poderíamos usá-la para despertar belas gargalhadas: “Como assim? O homem faz sexo apenas uma vez por semana?”; “O homem comeu o frango duas vezes!”; “O homem deve usar cachecol no lugar da camisinha.”
Brincadeiras à parte, julgar de forma automática é a fábrica de nossos comportamentos preconceituosos. Geralmente, não nos damos conta, mas as consequências de julgamentos irrefletidos culminam em tomadas de decisões bastante desastrosas. Ao mesmo tempo, um dos nossos grandes desafios é saber o momento certo de nos deixarmos levar pela intuição (regente do Sistema 1) ou nos deixarmos orientar pela cuidadosa reflexão (Sistema 2). Os dois sistemas são imprescindíveis para nós: quando desviamos o carro para não batermos em outro, ao dirigirmos, somos protegidos pela rápida operação do Sistema 1. Quando evitamos estourar nosso cartão de crédito, é a cautela do Sistema 2 em ação.
Não devemos nos enganar, achando que o Sistema 2 sempre será racional, pois, conforme demonstrado no experimento de Kahneman, ele pode se aliar à pressa do Sistema 1 em julgamentos irrefletidos. Creio que o melhor que temos a fazer seja criarmos um Sistema 3 de pensamento para monitorarmos o funcionamento dos outros dois. Talvez, o discernimento em nossas ações possa nascer daí.
Eu gostaria de finalizar este texto sugerindo a leitura das seguintes obras:
Daniel Kahneman: Rápido e devagar, duas formas de pensar. Nesta, você poderá ler, direto na fonte, como o autor entende as duas formas de pensar mencionadas em nosso texto.
Carl Honoré: Devagar. Nesta, você conhecerá uma pesquisa sobre o impacto do aumento da velocidade na vida das pessoas, inclusive na tomada de decisões. O autor defende a ideia de que conceitos e comportamentos apresentados como aceitáveis (mesmo que falsamente) tendem a ser mais rapidamente adotados, devido à falta de tempo de reflexão sobre as escolhas que tomamos.
Comments: no replies