Novo texto do André Torres, nosso Confrade.
______________
Normalmente, quando eu faço o comentário, meus interlocutores tendem a achar que é um chiste, o que muitas é mesmo a intenção, com certa mistura com crítica. Mas é, também, fruto de grande convicção, ainda que baseada na minha experiência pessoal.
A coisa é quando me deparo com raciocínios ou argumentações mal construídos, confusos ou não estruturados de forma correta, falados ou escritos, principalmente nesse último caso. Não posso ser cabotino ao ponto de dizer que nunca tenha cometido tal deslize. É provável e possível que tenha feito, mas normalmente sou cuidadoso com esse aspecto e, em geral, falo da mesma forma que escrevo, ou vice-versa.
Bom, a frase que sempre uso, nesses casos, é que se trata de fruto de um curso primário mal-feito. Digo mais, logo em seguida, quase sempre, que tudo que eu revelo ao falar ou escrever é resultado de ter feito um bom curso primário. Todo o resto depois, muito ou pouco que tenha aprendido, considero benefício incremental, para usar um jargão da economia.
Daí o título do texto. A réplica mais comum que ouço é que antes o ensino era melhor e comentários na mesma direção. Se verdadeira ou não a assertiva, não vem ao caso no momento.
E isso que fiz primário numa época onde não existiam cursos pré-primários, e num rincão perdido no mundo. Hoje, no pré-primário, as crianças já iniciam um aprendizado formal estruturado, inclusive alfabetização, portanto até imagino que os níveis de ensino podem, em alguma medida, ter melhorado. É comum nos dias atuais crianças em pouca idade já manuseando coisas complexas inimagináveis na minha época, como jogos eletrônicos, computadores, aparelhos celulares e coisas do gênero, a maioria inclusive com instruções até em língua estrangeira.
Quando comecei, além de não haver esses estágios iniciais de aprendizado, só se iniciava alfabetização aos 8 anos completos, não antes. Nos estágios iniciais, só se escrevia a lápis e, quando já havia certo grau de amadurecimento e desenvoltura, pena e tinteiro, com a tinta depositada em simpáticos copinhos instalados nas carteiras. Não existiam ainda canetas esferográficas e, ao menos na minha terra, só fui ter acesso a uma caneta-tinteiro ao final do curso primário, possivelmente já existente em lugares mais desenvolvidos.
Não estou me referindo ao século XIX. Estou falando do início da segunda metade do século XX, e da única escola que havia na cidade, onde se ia, à época, apenas até o curso ginasial. Quem quisesse avançar, só indo para outra, onde em geral iam as moças, na maioria dos casos para fazerem o curso para professoras primárias. Os homens, em geral, paravam por aí. Possivelmente, por lá, gente com níveis de educação mais avançado naqueles anos deveria constituir minoria. Com níveis superiores, provavelmente apenas as autoridades locais, a serem contados nos dedos, com alguma generosidade, das duas mãos.
Mas as professoras e os então raros professores, quase todos vindos de fora, constituíam a elite da cidade, até pelos níveis salariais, mais elevados que os da maioria da população. O título de professor era sinal de status e seus detentores figuras de destaque na comunidade, oradores nas cerimônias públicas e disputados candidatos a padrinhos ou madrinhas pelos pais adventícios.
Isso tudo me leva a crer, ainda que sem dados empíricos ou históricos mais consistentes, que de fato o ensino ministrado possivelmente era de melhor qualidade. Lembro de ter tido em todo o curso primário apenas duas professoras, e uma terceira – substituta, em curto período, provavelmente por algum embaraço, para usar um galicismo, da titular.
Mas, de fato, era um ensino, ao que me lembre, denso e abrangente. De tudo, desde boas maneiras até o letramento propriamente. Coisas até delicadas, tais como virar a página de um livro, ordenar o material nas pastas, higiene geral e nos uniformes, que podem, diziam, até serem remendados, mas sempre limpos. A delicadeza e cuidado se estendiam ao manuseio dos lápis, obrigação do encapamento dos raros cadernos então utilizados, caligrafia caprichada e formas adequadas de empunhar e manusear os poucos e modestos instrumentos – basicamente lápis, bicos-de-pena e régua, talvez não mais que esses. Como requinte, para os de maior posse, estojos com certa fartura de outros aparatos, como lápis de cor de poucas variedades, borrachas de melhor qualidade e, e como coisa mais sofisticada, um compasso. Esse último, apenas para os graus mais avançados.
Daí a homenagem aos professores primários, aos da época, pela herança de conhecimento dos quais consegui obter, e para os atuais, pelo descuido geral e falta de respeito como são tratados de forma geral no país, mesmo nos grandes centros urbanos.
_____________
Foto de bill wegener on Unsplash
Comments: no replies