Mesmo que você não seja uma pessoa aficionada por ciência, não poderá negar a pertinência do texto de meu caríssimo Confrade Ruy. Em Chega de atraso, ele escancara o perigo e a insensatez de ideias que negam fatos cientificamente comprovados como a antivacinação; a de que a terra é plana; a negação do aquecimento global, dentre outras. Afinal, até que ponto corremos o risco ao sair da tutela da ciência?
Não vou dissertar a respeito das conceituações sobre ciência e muito menos lançar mão da epistemologia. Não agora, não neste texto. Quero apenas pegar carona nas reflexões propostas pelo prof. Ruy Flávio de Oliveira e sugerir algumas questões sobre o amparo que a ciência tem prestado à humanidade.
Homeopatia ou Alopatia? Chá de boldo ou antiácido? Vacina contra gripe ou estimulação do sistema imunológico por meio da alimentação saudável? Não se preocupar com a febre ou combatê-la imediatamente com um antitérmico? Por trás dessas questões, podemos encontrar tanto a chancela da ciência médica quanto as facilidades das ciências tecnológicas. Tanto a segurança de comprovações de alta amostragem como a aposta na baixa amostragem da metafísica. As amostragens nos mostrariam se determinado método atinge muita gente ou pouca gente. Então, eu lhe pergunto: você confiaria mais em um medicamento que demonstrou o efeito esperado em grandes populações ou em um medicamento que demonstrou o efeito esperado em apenas algumas pessoas? Na verdade, a ciência não fornece apenas esse tipo de segurança, mas, talvez, essa seja a característica que mais chama a atenção de nós, leigos.
Eu particularmente, gosto bastante desse viés de apreensão: a ciência quer descobrir padrões, fórmulas, roteiros pré-determinados que nos levem a resultados previstos, no momento em que desejamos, com a garantia de que precisamos. Puxa, o controle! O que mais o homem quer? Quer dominar! Quer controlar! Quero baixar minha febre em uma hora: basta tomar x gotas do remédio y em proporção z de água. Percebeu? Sou eu quem controla minha febre e não ela quem controla meu corpo. Viva a comprovação científica!
Isso significa, então, que devemos abominar qualquer outro tipo de conhecimento humano? Abaixo o xamanismo; que se destruam as garrafadas de ervas; que as benzedeiras sejam queimadas! Calma. Também não é assim. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O ser humano se manifesta na dor física e na dor psíquica. Na ciência e na crença. No racional e no anímico. O que esperar de uma criatura tão paradoxal como essa? A integração de suas formas controversas de viver a própria vida é essencial para a sobrevivência humana. Quando a humanidade extirpar o paradoxo de seu DNA, deixará de ser humana.
Creio que a chave para se garantir que o indivíduo não entre em “roubadas”, quando dá suas escapadelas longe da tutela da ciência, seja manter seu discernimento. Podemos manter o discernimento mesmo sendo paradoxais (talvez, isso seja mais um paradoxo…). Eu não viajaria em um avião cujas estruturas de aço tivessem sido construídas na base da numerologia cabalística. Estou certa, também, de que um foguete não viajaria pelo espaço se os cientistas que realizam a telemetria de navegação tivessem sido substituídos por astrólogos. Aliás, tenho certeza de que a Apolo 11 não teria chegado à Lua se a ciência achasse que a terra era plana.
Por outro lado, não consigo alcançar algumas de minhas mais adoráveis abstrações tomando uma aspirina. Minha essência simbólica tem fome de arquétipos, de crendices, de mitos, de mistérios, de fantasias. Quando passo por uma endoscopia, quero a tutela da ciência. Mas, quando acordo chateada em uma bela manhã de sol, meu remédio é brincar com um bichano durante dez minutos.
Aos céticos, meus sinceros pedidos de desculpas, mas algumas pessoas precisam de alegorias para poder viver mais felizes. Talvez, a questão seja termos consciência ao tomar decisões importantes. Eu respeito quem prefira não ir ao médico quando está doente. O problema é que a grande parte de pessoas que seguem essas ideias nada científicas é que não têm qualquer consciência das possíveis consequências por suas decisões (sejam elas para si mesmas ou para os outros). Não vacinar os próprios filhos é decisão soberana dos pais (até que a lei se imponha), mas creio que a grande parte daqueles que tomam essa decisão não têm a menor ideia de que estão brincando de “roleta russa” com seus próprios filhos.
É isso mesmo: geralmente, quando fugimos da tutela da ciência, estamos colocando nossas vidas ou bem-estar em risco, assim como em uma aposta. Por isso, cuidado com a quantia que você coloca na mesa de jogo. Recusar anestesia para fazer um canal dentário, em detrimento de ser hipnotizado durante o procedimento, pode ser como apostar alguns grãos de feijão naquelas jogatinas com a família no final de ano. Mas, recusar uma transfusão de sangue num caso de hemorragia grave pode ser como ir a Las Vegas e apostar todos os bens que se tem.
Eu realmente não gostaria de fazer recomendações para este assunto, até porque não posso. Mas, deixo um depoimento: há alguns anos, recebi diagnóstico de um pólipo cheio de más intenções. Minha primeira providência? Melhor hospital de São Paulo, melhor médico da área e procedimento cirúrgico marcado em menos de três dias. Resultado? Não ficou qualquer vestígio da ameaça. Desde então, tenho usado chás caseiros, acupuntura, massagens, óleos essenciais e florais. O quê? Deixar a tutela da ciência? Nem pensar! Continuo com acompanhamento médico e exames periódicos, aos quais me submeto por meio de equipamentos de alta tecnologia. Os diagnósticos são cuidadosamente feitos por meio da coleta de muitas informações científicas. Sim, estou ótima!
A Ciência e a tecnologia associada nos trouxeram até aqui. Como posso reclamar das duas se ando de carro, uso celular, escrevo agora por conta de um computador? No entanto, boa, ruim, como fica o crédito x débito? A conta fecha? Talvez, pela certeza que a Ciência passe, e que mude, muito constantemente, levante-se dúvidas sobre medicamentos, vacinas, procedimentos. Talvez seja mesmo só ignorância, afinal, o que esperar de um povo que aceita que um presidente corrupto não seja investigado? Bom, mas isso é outra história. Já que fizeste o link com o Ruy, do texto dele, sobre educação, eu tiro essa frase: “Qualquer professor que possa ser substituído por uma máquina, deveria ser substituído.” E adiciono: “Qualquer ser que possa ser substituído por uma máquina, deveria ser substituído.” Fui radical? :) Abs!
Olá, Meu Caríssimo Jaylei. Não. Você não foi radical. A máquina realmente não consegue substituir os seres naturais. Décadas atrás, eu havia ganhado uma daquelas flores dançantes. Não sei se você se lembra, era um brinquedo que funcionava com duas pilhas. A flor artificial era acionada por ruídos como o bater de palmas e músicas em volume alto. Era bem engraçadinha sim. Eu me encantava com ela. Mesmo assim, todo aquele encanto não substituía a beleza de uma flor natural!