Foi por acaso que ouvi, pela primeira vez, a música ORATIO, de Corciolli (compositor e produtor musical brasileiro). Desde os primeiros acordes, fui tomada por um arrebatamento. Talvez, não só pelos instrumentos tão bem harmonizados, não só pela voz de trovão do intérprete. Talvez, pela presença marcante das palavras cantadas em latim.
Não, não conheço latim. Apenas alguns sufixos mais presentes em nossa língua portuguesa. Mesmo assim, fiquei bastante curiosa em saber qual seria a tradução da música de Corciolli. Cheguei a uma versão que, pelo meu desconhecimento da língua latina, não posso certificar que seja uma tradução realmente fiel. Mas minha intenção com este texto não é ensinar latim: é refletir sobre a beleza da letra da música ORATIO.
Nec Certam Sedem
Nec Propriam Faciem
Nec Múnus Ullum
Peculiare Tibi Dedimus
(Não te dei face)
(Nem lugar que te seja próprio)
(Nem dom algum que te faça particular)
Quem estaria falando comigo? Deus? O criador? Minha consciência? Minha imaginação? Seja como for, parece que o falante, além de me conhecer, tem total responsabilidade pelo meu surgimento. Sabe que não me foi desenhada uma face. Sabe que não encontrarei um lugar que já esteja pronto para mim. Sabe que, no fundo, no fundo, sempre saberei que não sou tão particular assim.
Ut Quam Sedem Quam Faciem
Quae Munera Tute Optaveris
Ea, Pro Voto, Pro Tua Sentetia
Hábeas Et Possideas
(A fim de que tua face)
(Teu lugar e teus dons)
(Tu o desveles, conquistes)
(E possuas por ti mesmo)
Então, é isso! Fui criada para me criar; desvelar-me; conquistar-me. E, assim, a criatura transforma-se em seu próprio criador. Como pode?
Nec Te Caelestem
Neque Terrenum
Neque Mortalem
Neque Immortalem Fecimus
(Não te fiz celeste)
(Nem terrestre)
(Nem mortal)
(Nem imortal)
Sem saber de onde (céu ou terra?) ou como (mortal ou imortal?), terei de encarar a minha própria jornada. Algo me impulsiona a prosseguir. Sem saber se vou da terra ao céu; da mortalidade para a imortalidade.
Ut Tui Ipsius Quase
Arbitrarius Honorarius Que Plastes Et Fictor
In Quam Malueris Tute
Formam Effingas
(A fim de que tu mesmo, livremente)
(À maneira de um bom pintor)
(Ou de um hábil escultor)
(Descubras tua própria forma)
Mesmo sem saber, sinto, de alguma maneira, que sou livre. Livre para me ver na terra ou no céu. Livre para me sentir mortal ou imortal. E o tal impulso é, na verdade, aquele mesmo de um pintor ou de um escultor. E meu ímpeto de artista faz-me descobrir, de pouco a pouco, não só minha própria forma, mas minhas mais variadas possibilidades!
Há mesmo o que se concluir? Há mesmo o que se recomendar? Talvez, uma única sugestão para finalizar meu texto: ouça ORATIO de Corciolli e desvende a si mesmo!
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FOTO BY: MARCOS LALLI
Para ô! "Linda" já não vai bastar pra cada texto que vc escreve! O leitor com mais comentários ganha um café com a Carla! kkkkkkkk Lembrei da frase, "Se que és, sabendo." de outro texto seu "Resistir à Resistência". Sabe, eu ando aprendendo, respirando, meditando e me encontrando. Tropeço, caio, mas levanto melhor, sabendo-me com mais profundidade, descobrindo um novo eu ou o sempre eu. Lembrei de uma passagem do livro, A menina que roubava livros, no qual a morte fica impressionada com o que fazem o seres humanos; "...mesmo quando há torrentes a lhes descer pelos rostos e eles avançam, cambaleando, tossindo e procurando e encontrando." Fique bem, bom dia!
Caro Jaylei, mais que Caríssimo! Você acaba de ganhar um café! Não só comigo, mas com a turma do Confrariando! rss. Meu grande privilégio é tê-lo como meu leitor mais ativo! Nós, humanos, ficamos sim bem impressionados com a Morte. Mas, tenho certeza de que ela também se assusta com nossa resistência e nosso apego à própria existência. Cambaleamos sim, erramos o tempo todo, mas, no fundo, no fundo, há algo dentro de nós que nos impele a não desistir. Fique bem, Caríssimo do Confrariando!