O livro The Inevitable – Understanding the 12 technological forces that will shape our future é uma daquelas obras que precisava ser escrita, mas que talvez menos de cinco seres humanos ainda vivos tivessem a capacidade de fazê-lo com competência. É o caso de Kevin Kelly, um daqueles heróis pouco conhecidos da História da Internet. E foi justamente o que ele fez, lançando o livro este ano.
Para entender um pouco de quem é Kevin Kelly — caso você o desconheça — boa parte da forma de como a mídia trata e de como entendemos tecnologia hoje em dia se deve aos seus esforços. No início de sua carreira profissional, foi contratado pelo lendário Stewart Brand para editar a revista de contracultura Whole Earth Catalog, onde ajudou a fundar o The WELL (Whole Earth ‘Lectronic Library), uma das mais antigas e influentes comunidades on-line, que funciona desde 1985 e que em seu início era uma BBS (Bulletin Board System). No início da década de 1990, juntamente com Nicholas Negroponte — então diretor do Midia Lab, do MIT — Kelly fundou a revista Wired, que editou até 1999. É um dos fundadores e mais influentes escritores da cibercultura.
O livro The Inevitable é uma obra simples, mas com objetivos ambiciosos: entender como será o comportamento da tecnologia nos próximos 30 anos, com base em 12 macrotendências identificadas por Kelly. O argumento básico do livro é algo na linha de: dada a evolução da tecnologia digital, não foi inevitável que tivéssemos jovens o dia inteiro no SnapChat, mas era inevitável que tivéssemos alguma forma de rede social com informações efêmeras, e que essas seriam de interesse das gerações mais jovens.
Essa “inevitabilidade” se baseia nas tendências geradas pela tecnologia e por nossa interação social com a tecnologia. Em um processo de feedback, essas tendências, por sua vez, influenciam nas tecnologias futuras e em nossas interações com essas tecnologias futuras, e assim por diante.
Kelly estabelece 12 macrotendências que tendem a direcionar tanto a tecnologia quanto nossa relação com a tecnologia nas próximas três décadas. Elas são estabelecidas pelo autor como verbos, na intenção de as caracterizar como forças. Por que ele as escolheu? Porque com mais de 40 anos de influência no meio de tecnologia, esses são os pontos e os direcionamentos que ele identifica como sendo fundamentais para as décadas à frente. São eles:
- Tornar-se;
- Cognificar;
- Fluir;
- Visualizar;
- Acessar;
- Compartilhar;
- Filtrar;
- Remixar;
- Interagir;
- Rastrear;
- Questionar;
- Começar.
Cada uma destas macrotendências tende a interagir e ser influenciada pelas demais, e a imagem que emerge da obra de Kelly é um futuro altamente conectado, em que o ser humano é capaz de expressar seu potencial e realizar aquilo que só nós podemos realizar, aquilo que não pode, de fato, ser realizado pelas máquinas ou pela inteligência artificial.
Tornar-se
Por mais que a tecnologia aparente gerar produtos, cada vez mais ela gera serviços, e esses serviços estão sempre em mutação. Os próprios produtos não são estáticos: são dinâmicos em sua decadência gradual, exigem manutenção constante para se manterem ativos, e cada vez mais desaparecem de nosso radar como posses e aparecem como utilidade. Como exemplo dessa mutabilidade, vemos os sistemas operacionais e aplicativos em nossos computadores pessoais, smartphones, tablets e wearables sendo constantemente atualizados, muitas vezes sem nem nos pedirem licença para tanto. As empresas cada vez menos são donas dos edifícios que ocupam, alugando seus espaços, e tendo suas sedes como serviços prestados por terceiros. Nos grandes centros vemos a posse de veículos — uma receita infalível para a perda de tempo nos engarrafamentos — dar lugar aos serviços de transporte. Os próprios serviços mudam, se adaptam, evoluem: o Über é um taxi 2.0, o AirBnB é um serviço de hotel desvinculado de um local físico fixo, adaptado à era da conectividade total, há serviços bem-sucedidos e vantajosos sob o ponto de vista de conveniência — além de mais baratos —, oferecendo reposição de lâminas de barbear e escovas de dente.
As tecnologias caminham para um estado em que nada é estático, tudo se transforma, e se transforma para melhor.
Cognificar
A inteligência artificial já se insinua em nossas vidas cada vez mais, trazendo facilidades antes nem sonhadas. Isso, na visão de Kelly, ainda não é nem sequer o começo.
Da mesma forma que, há um século, a energia passou a chegar até nossas casas pela tomada, permitindo-nos conectar o que estivesse à mão à rede elétrica; da mesma forma que os inventores de plantão viram nisso uma oportunidade de ligar tudo o que fosse possível a essa rede, automatizando funções mecânicas, assim também será com a inteligência artificial (IA). Em um futuro próximo, teremos IA de baixo custo e alta capacidade disponível como hoje temos eletricidade em nossas tomadas. Teremos mais uma leva de inventores antenados às oportunidades, levando inteligência e automatizando um sem-número de funções lógicas à nossa volta.
O interessante é o fato de que hoje olhamos no entorno e vemos um mundo saturado de tecnologia, e Kelly afirma que trinta anos no futuro as gerações ainda por vir dirão com brilho nos olhos algo na linha de “Ah, que vontade de ter estado lá, em 2016, quando tudo ainda estava por ser feito…” Parece loucura? Mas, de fato, não é. Imaginemos um engenheiro computacional, com o conhecimento sobre a Internet, sobre os dispositivos móveis, sobre a evolução do hardware e do software, com todo esse conhecimento entrando em uma hipotética máquina do tempo e saindo lá na metade da década de 1980, quando toda essa nossa realidade ainda não era sequer um sonho.
Sim, os movimentos do Google, do Facebook, da IBM, e de um punhado de outras empresas, tende a tornar a inteligência artificial uma ferramenta e tanto à nossa disposição.
Fluir
Kelly argumenta com correção que a Internet é a maior máquina de cópias do mundo. Tudo o que toma a forma digital e “cai” na Internet será armazenado e copiado indiscriminadamente para sempre. O fluxo de bits é perene e crescente. Ou seja, a Internet em geral, e a Web em particular, geram um fluxo constante de dados e informações, que só tende a crescer.
Como parte do tornar-se, já estamos transformando a posse de dados em fluxo de dados. No passado, LPs analógicos se tornaram CDs digitais, que por sua vez deixaram de ser aglomerados circulares de átomos e passaram a ser regiões de bits em nossos discos rígidos. Agora, esses mesmos bits estão deixando de ser estáticos e estão se entregando ao constante fluir dos serviços de streaming, encabeçado pelo Spotify, pela Apple Music e por meia dúzia de outros serviços. No campo dos filmes, a Netflix — e mais recentemente, a Amazon — torna a posse de DVDs uma inutilidade. Até na pirataria a mudança para o streaming ganha força, com “serviços” como o Popcorn Time tomando espaço dos torrents (sites de cópias ilegais) de alguns anos atrás.
O fluxo fácil e constante de dados age como um nivelador, pois nada mais fácil que o acesso a tudo o que flui. Indústrias inteiras estão sendo transformadas – estão também em fluxo – em função deste movimento. O jornalismo, por exemplo, passa por profundas transformações, uma vez que as páginas impressas de jornais e revistas perdem a relevância e os textos e matérias se transformam em bits, cujo acesso é bem mais fácil. Eu mesmo já previ, aqui nessas páginas do Confrariando, que o jornalismo impresso vai desaparecer, e cada vez mais penso que isso seja inevitável. O jornalismo — e que isso fique bem claro — continua relevante e insubstituível, mas seus dias em páginas impressas estão contados.
Kelly cita uma lei da economia como tendo um papel interessante neste processo de fluxo constante: assim que algo se torna gratuito e se populariza, inverte sua posição na equação econômica. Como exemplo, ele cita a eletricidade: no início do século 20, era cara e escassa, relegando as populações mais pobres ao uso de velas. Uma vez que se popularizou e caiu de preço, as velas passaram a ser vistas como sinal de sofisticação.
Em face do poder da máquina de xerox planetária que é a Internet, tornando tudo acessível e tudo “de graça” (ainda que muito dessa gratuidade venha acompanhada de ilegalidade), como ganhar dinheiro com coisas que não podem ser copiadas?, afirma o autor. Como exemplos de coisas que não se pode copiar, ele oferece:
- Instantaneidade – qualquer um consegue uma cópia de, digamos, uma notícia. Contudo, há valor em se receber essa notícia da própria fonte no mesmo momento em que está disponível (e qualquer operador de bolsa de valores sabe disso).
- Personalização – qualquer um consegue uma cópia de um show de sua banda preferida, mas uma cópia personalizada, que soe perfeitamente na acústica de sua sala vai ter valor, caso você seja alguém que preze pela pureza do som.
- Interpretação – o preço do software tende a cair e, em muitos casos, está chegando em zero – o sistema operacional Linux em suas várias versões é um exemplo). O apoio para customizar e utilizar o software tem valor cada vez maior.
- Autenticidade – livros aos milhões podem ser encontrados em cópias digitais, de graça, e é simples imprimir esses livros, se queremos a sensação táctil das páginas. Mas, nesse sentido, nada vai substituir o produto autêntico, o livro “de verdade”, e – para muitos – a “paz de espírito” que vem de tê-lo adquirido legalmente. Essa mesma paz de espírito nos acompanha na aquisição de software autêntico, uma vez que nesse caso não temos que nos preocupar com vírus, SPAM e outras porcarias.
- Acessibilidade – manter cópias em bom estado de nossas “posses” digitais dá trabalho e exige atenção constante. Há valor em manter essas cópias e dar-lhes acesso, e várias empresas estão fazendo sucesso oferecendo exatamente este tipo de serviço. Pagamos pela conveniência de acessar nossos dados exatamente no momento em que precisamos deles, sem inconveniências.
- Solidificação – Ler um livro em PDF é de graça, mas a solidificação das informações em páginas impressas ainda tem valor para milhões de leitores. A cópia digital de um show de rock é de graça, mas para muitos não substitui a presença ao vivo no show em si. Em ambos os casos (e em muitos outros), paga-se bom dinheiro pela solidificação da experiência.
- Patrocínio – Muitos são os artistas e produtores de conteúdo que perguntam ao seu público quanto querem pagar pelas produções, e o interesse dos fãs em patrocinar não desaponta. Kelly oferece o caso do disco In Raibows, da banda Radiohead, lançado em 2007, pelo qual os fãs pagaram em média US$2,26. Esse experimento gerou para a banda resultado financeiro maior do que todos os demais álbuns combinados, todos lançados por selos fonográficos.
- “Descobertabilidade” – (perdão pelo neologismo, mas discoverability desafia minha capacidade de tradução). O raciocínio, aqui, é simples: uma obra de arte, por mais brilhante que seja, vale absolutamente zero se ninguém sabe que existe. Disponibilizar conteúdo é fácil, mas fazer com que o público-alvo esteja ciente desse conteúdo tem um enorme valor para quem o produz.
Ou seja, em tempos em que o “de graça” é a norma, ainda há muitas formas de se ganhar dinheiro.
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A segunda (e última) parte dessa resenha você encontra aqui.
Excelente material! Gostaria de ler o conteúdo por inteiro. Abraço e obrigado
Obrigado Godoy. O livro é fantástico, e recomendo sua leitura detalhada, se você tiver acesso. A segunda (e última) parte da resenha já está "no forno". Volte na quinta-feira que estará no ar! Uma excelente semana para você.
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[…] que hoje rege os recursos da Internet. Incidentalmente, Kevin Kelly, no livro The Inevitable, que resenhei aqui no Confrariando, aponta para os serviços complementares como sendo um caminho para que os autores derivem ganhos […]
ola achei muito enteresante o livro, um otimo estrumento de trabalho.
Parabéns pelo post. Vou atrás do livro.
Obrigado pelo carinho, Leandra! Há pouco tempo (mas depois de eu já ter publicado o artigo) foi publicada uma tradução em português, aqui no Brasil. Segue o link: https://www.saraiva.com.br/inevitavel-9449613.html?p=kevin%20kelly&ranking=4&typeclick=3&ac_pos=header
Olá, parabéns pelo livro me interessei muito, procurarei informações para adquirir o livro, pois é interessante e também uma forma de aderir o conhecimento que necessito!
Olá, me interessei muito, procurei informações para adquirir o livro,pois o interesse também e uma forma de agradecimento que preciso
EXCELENTE MATERIAL DE ESTUDO E DE APREDIZ INSINO EXCELENTE
ótimo material de escolaridade
Me interessei bastante, vou aderir.
muito interessante,vou aderir.
ESTE CURSO E BEM ENPORTANTE PARA MIN NO MEU FUTURU
Este curso vai me auxiliar para ingressar de forma correta ao mercado de trabalho.
otimo material para refletirmos.
Esse curso vai melhorar muito meu desempenho nas areas do trabalho.
Esse curso vai melhorar muito meu desempenho nas áreas do trabalho, é muito importante.
muito bom, vou desempenhar muito no meu dia a dia, gostei das ideias..
olá gostei muito do conteudo.vai ser bom pro meu desemvolvimento meu e das minhas filhas.
vou desempenhar muito no meu dia a dia . ótimo material de escolaridade
gostei muito da materia vou desempenharmas nos meus trabalho
gostei muito do seu trabalho irá ser útil pra min no dia a dia e em relaçao ao meu trabalho muito bom o seu material
gostei muito do seu trabalho parabéns
muito bom o post. Vou ler o livro
Este curso é bem importante pra mim, gostei muito vou aderir
Ótimo conteúdo.
Vou levar o que estou aprendendo sempre comigo , ótimo conteúdo .
Gostei muito do conteúdo, parabéns excelente trabalho!
Muito bom .. com esse conteúdo conseguimos agregar informações pertinentes ao nosso conhecimento.....