A internet é uma coisa realmente interessante. O algoritmo do Google propõe comerciais interessantes, baseado no conteúdo que vejo, e ele não lida bem com meu ecletismo. Não aceita, por exemplo, que seja leitor de conteúdo voltado ao público infantil (tenho filho pequeno e me interesso pelo tema), e de música eletrônica e anos 1980 (estou resgatando Depeche Mode no momento), e de educação (sou professor e trabalho com elaboração de material didático), e de literatura (minha principal área de atuação). Assim, o sistema “entende” que o “mais adequado” para meu padrão de navegação é oferecer comerciais de perfumaria e cosméticos – bem, como dizer? – mais femininos. Nada contra quem realiza crossover entre produtos segmentados por gênero. Senti na pele o que significa enfrentar atualmente os preparativos da chegada de um bebê sem saber propositalmente o sexo da criança. Os parentes ficaram loucos, pois tudo — tudo mesmo — é matizado entre o rosa e o azul, masculino e feminino.
Nesses casos, o algoritmo falha mesmo. Na lógica do mercado e do Big Data controlado, a real curiosidade é perigosa: não é detectável e não é compreensível, segundo a programação. O público-alvo com esse perfil é lançado em mundos estranhos, que tentam em vão conversar com você. Faça a experiência: durante algumas horas, realize suas buscas no YouTube, concentrando-se em temas como manutenção de carros e, em questão de alguns poucos cliques, os comerciais e vídeos de anúncio mudam para acessórios para automotivos, combustíveis, seguro para veículos, e por aí vai. Ou ainda, um comercial de seguro para carros, voltado para mulheres, com o anúncio de auxílio mecânico, bem didático, para insinuar que, em geral, mulheres não sabem lidar com motores (o que é aceito tacitamente por todos nós).
Bom, dito isso, um destes anúncios chama a atenção: é o MasterClass, site e ambiente virtual de aprendizagem em língua inglesa que oferece cursos online. Qual é seu diferencial, você perguntará, caro(a) leitor(a)? São os professores: foram convidados cerca de 35 experts do mundo de língua inglesa (leia-se, celebridades, artistas, cientistas, atletas etc.), para dissertar sobre suas carreiras e transmitir um pouco de seus saberes. Uma proposta muito interessante. Quem não gostaria de assistir Martin Scorsese, Jude Apatow, Spike Lee, Werner Herzog, sobre produzir, dirigir e fazer filmes? Ou ainda ouvir Chris Hadfield, o experiente astronauta e diretor das missões da NASA dissertar sobre exploração espacial? Ou assistir (e praticar) aulas de interpretação com Steve Martin, Helen Mirren, Samuel L. Jackson, entre outros? Ou ouvir uma aula de jazz com Herbie Hancock? Ou assistir aulas de tênis com Serena Williams? Basquete com Stephen Curry? Que bacana, não?
Por outro lado, quais seriam os impedimentos para se aventurar nesses cursos? Como considero que hoje a língua inglesa vai se consolidando com a língua franca principal, e como as tecnologias já conseguem cada vez mais nos auxiliar a traduzir e a compreender textos e áudio em línguas estrangeiras, vamos pensar em dois impeditivos principais: o tempo e o dinheiro. Sobre os valores, nota-se uma seleção, já que se considera a realidade de pessoas em países ricos. Na boa, não é todo o mundo que pode pagar US$ 90,00 por aula, de um curso de 15 a 30 aulas, ou tampouco manter uma assinatura constante. Isso pode ser uma realidade acessível em alguns lugares do mundo, mas muito provavelmente, não em outros.
No caso do tempo, vamos discutir um pouco isso com mais calma. Como em qualquer curso, você deve estar disposto a ler, a ouvir, a compreender a forma como o conhecimento destas pessoas (com carreiras notáveis, evidentemente) é transmitida. Isso significa se acostumar com o fato de que a plataforma de aprendizagem vai ter controle sobre como você interage com esse conteúdo, que são essas personalidades. Mas, se houver tempo para tanto, isso pode significar conhecer um pouco mais as pessoas que realizaram esses feitos e essas obras.
Minha crítica (modesta, admito) é: por que enfatizar as pessoas, e não suas obras? Alguns saberes não serão transmitidos oralmente, e muitos deles já estão materializados: em forma de músicas, álbuns, filmes, séries de TV, gravações de jogos e performances, registros, livros, roteiros etc. Por que procuramos tanto contornar o acesso às obras dessas pessoas e decidimos assisti-las, quiçá, cultuá-las?
No fundo, em um momento tão singular da história humana, nunca valorizamos tanto o culto pessoal (o nosso, o dos outros). Os algoritmos (“Eles… Sempre eles…”) nos convidam a participar dessa seita, por meio de fotos pessoais, alçando-nos aos píncaros da fama dos círculos da família, do trabalho e dos amigos. Às vezes, “Eles” acertam.
Assim, quem se coloca em uma posição de dúvida e reticência em relação ao que vê em suas buscas, como em tudo na vida, não é detectado, ou é convidado a encarar ambivalências, ambiguidades de conteúdos e desejos. Quando isso acontece, coisas interessantes aparecem.
Gostaria de ver mais casos de fracasso do que de sucesso. No entanto, acho que já existe gente faturando com isso…
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