Daniel Defoe escreveu Robinson Crusoe em 1719. Um dos livros mais publicados e lidos no mundo, o romance conta a história de um náufrago que passou 28 anos em uma remota ilha tropical próxima a Trinidad, encontrando canibais, cativos e revoltosos antes de ser resgatado. O livro foi originalmente publicado na forma de folhetins em The Daily Post, e foi o primeiro romance em capítulos em um jornal.
Quase um século depois, em 1812, o pastor suíço Johann David Wyss escreveu A Família Robinson Suíça, inspirado no romance de Defoe. No livro de Wyss, narra as desventuras de uma família depois de um naufrágio em uma ilha remota, passando por vários desafios e perigos. A obra do pastor tem caráter educativo e moral, com noções de ciência, sobrevivência — acima de tudo, a importância dos valores familiares.
Saltamos mais um século, diretamente para a Hollywood dos anos 1960. Desde o começo dos anos 1950, os estúdios de cinema perceberam a imensa mina de ouro que a televisão representava. Inicialmente como uma operação menor, os estúdios passaram a produzir séries e shows de grande popularidade, que eram distribuídos para as emissoras de TV do país inteiro. Com a venda em massa de televisores a cores na virada da década, essa produção se tornou uma indústria gigantesca, atraindo os melhores talentos e alimentada por caminhões de dinheiro de anunciantes ávidos para patrocinar programas que literalmente paravam o país no horário nobre.
É nesse ambiente borbulhante que se destaca a presença de Irwin Allen (1916-1991). Allen foi um dos maiores diretores e produtores da história de Hollywood, e foi apelidado de “Mestre do Desastre”, por filmes como O Destino de Poseidone Inferno na Torre. Na televisão, Allen é responsável por alguns dos maiores sucessos dos anos 1960, como Viagem ao Fundo do Mar, Túnel do Tempoe Terra de Gigantes.
E, claro, Perdidos no Espaço. Allen queria produzir um entretenimento familiar, uma versão de A Família Robinson Suíça como ficção-científica. Allen era um produtor premiado, aclamado e temido na 20th Century Fox. A série Lost in Space, uma co-produção da Fox com a rede de televisão CBS, teve orçamento recorde desde a concepção. Havia rumores de que seu fracasso poderia levar o estúdio à falência.
Originalmente, “Perdidos” seria um drama de ficção-científica focado nos desafios de uma família à deriva no espaço sideral, depois que um agente estrangeiro (Zachary Smith) sabota a nave Júpiter 2. O piloto da série, um dos mais caros na época, era sombrio e grave em sua fotografia em preto e branco e não chegou a ser exibido na íntegra na época. Irwin Allen era um produtor com grande senso comercial, e não podia arriscar a falência do estúdio com um fracasso estrondoso.
Mas o ator escalado para ser o vilão Smith era Jonathan Harris. Essa escolha bizarra de elenco transformou o que poderia ser um enorme e caro fracasso em um sucesso incomparável (lembra muito o enredo de Primavera para Hitler, comédia de Mel Brooks). O vilão se tornou o ponto focal da série, com maneirismos e frases de efeito que foram adorados pelo público. Irwin Allen não era tolo, e os roteiristas logo foram ordenados a mudar os roteiros para transformar a série dramática em uma comédia espacial, com uma narrativa cada vez mais “camp”, pop e cafona. A série teve apenas três temporadas, entre 1965 e 68, e foi cancelada quando ainda tinha uma audiência respeitável.
Como outros sucessos da TV americana dos anos 1960, “Lost in Space” se tornou cult quase imediatamente, um ícone gerador de memes pelas décadas seguintes.
Meio século depois, temos o reboot da série, na plataforma Netflix. Em 2018, a família Robinson segue a caminho de Alpha Centauri. Como há 50 anos, lá estão o Sr. e a Sra. Robinson, os filhos Judy, Penny e Will, Don West, o Robô e Dr. Smith.
Mas nada é como antes. Em cinco décadas, a família nuclear americana do pós-Guerra apresentada no programa de TV se transformou profundamente. O casamento dos Robinsons não é monolítico, o casal vive um processo de separação. John Robinson é um militar durão, mas não é mais o chefe da família. A mãe Maureen é a figura central – a personagem da série original era uma dona-de-casa no espaço, a atual é a engenheira aeroespacial responsável por boa parte do projeto de colonização humana no espaço, incluindo o design das espaçonaves. Judy é negra (e ponto, porque estamos no futuro onde ninguém pode estranhar que um casal branco tenha uma filha negra). E o Dr. Smith não é um agente de uma potência estrangeira, mas uma mulher perturbada e com traços de psicopatia. O Robô é uma entidade de uma civilização alienígena.
A primeira temporada da série da Netflix é uma longa introdução para a situação onde os Robinsons se veem realmente “perdidos no espaço”. A ideia da família isolada em um ambiente desconhecido e muitas vezes hostil é um ótimo tema. A série tem defeitos, claro. Mas suas virtudes garantem o entretenimento.
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