O paradoxo é angustiante: parece que não chega nunca, e ao mesmo, tempo 2018 está aí, virando a esquina. Se por um lado o mar de lama em que nos vemos atolados até o pescoço nesse nosso Brasil parece que só se torna mais fétido e intransponível, não nos dando qualquer vislumbre de melhoria, por outro lado o tempo continua sua marcha corriqueira e a cada dia nos aproximamos mais de mais um ano em que podemos começar a mudar esse cenário.
Exemplo desse “por outro lado” é que no dia 08 de julho completamos 3 anos do fatídico 7×1 contra a Alemanha, na Copa de 2014. Três anos, pode? Ainda parece que foi ontem à tarde, mas já estamos bem mais perto da próxima Copa do que do vexame que foi o Brasil 2014.
Mas às favas com o futebol. O fato é que em pouco mais de um ano vamos, novamente, para as urnas. E aí, bate aquela tristeza, aquela sensação de que vamos novamente participar como marionetes de um jogo mais que viciado, bois de nós mesmos acertando qual o caminho mais pitoresco para o matadouro. Perdão pela imagem lúgubre, mas é assim que me sinto e é assim que muita gente com quem converso também se sente. Fazer o quê?
Bem, se estamos pensando seriamente nessa questão, talvez haja algo. Não é nada tão hollywoodiano como a tal única bala na agulha do nada saudoso ex-presidente Collor, até porque lances hollywoodianos nunca funcionam fora das telas. O que pode ser feito tem toda a cara de realidade: é pouco, é demorado, não dá certeza nenhuma de que vai funcionar, dá um trabalho enorme e exige que a gente tenha uma disciplina e um pragmatismo dos quais a maioria certamente não é capaz. Ainda assim, é um caminho e há quem pense (eu incluso) que é o único caminho verdadeiramente possível para a mudança a que todos almejamos.
Vamos lá.
Primeiro a regra básica: o objetivo do presente exercício é colaborar efetivamente para o fim da corrupção na política brasileira. Esta regra permite que uma vasta gama de leitores e eleitores abandonem esse texto nesse momento, a saber:
- Os que não enxergam absolutamente nenhum comportamento corrupto em sua/seu candidata(o) de preferência. Esses são os “devotos”.
- Os que acreditam que sua/seu candidata(o) de preferência, ainda que tenha lá seus “pecadilhos”, é a única opção, uma vez que os benefícios que traz à sociedade são ordens de grandeza superiores às suas indiscrições (indiscrições que, aliás, são inevitáveis se queremos que a agenda seja executada, segundo seu raciocínio). Esses, como já dito antes, são os “malufistas”.
- Os que no fundo creem que a corrupção é uma questão secundária. Desde que a/o candidata(o) esteja alinhado com essa ou aquela ideologia política ou econômica, afastando do poder “os vagabundos do outro lado”, tudo bem. Esse são os “zelotes”.
- Os que desistiram, não estão nem aí, estão procurando um jeito de mudar para a Austrália, ou estão mais preocupados com a segunda divisão do campeonato brasileiro que rapidamente se aproxima. Esses são os “descrentes”.
Escusados todos os impermeáveis à argumentação, podemos — nós três, provavelmente — tentar enxergar uma maneira de navegar para fora dessa fossa séptica que é a política brasileira nesse momento. Para tanto, precisamos de algumas premissas:
- Não há nem nunca haverá candidato perfeito, até porque se você pensa assim, encaixa-se no grupo dos devotos, ou está buscando alguém a quem dedicar sua devoção.
- Só temos as instituições que estão aí e, se quisermos nos apoiar em algo de concreto em nossa decisão, é em alguma (ou algumas) delas que deveremos nos apoiar. Portanto:
- Por mais que discordemos do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, ainda são órgãos menos politizados que os poderes que os controlam. Além disso, por meio de investigações e processos judiciais baseados em evidências, buscam por em prática a lei vigente em nosso país.
- O STJ, o TSE e o STF são bem menos isentos, como vêm demonstrando.
- O executivo e o legislativo são eleitos — são alvo dessa análise —, não ferramentas de decisão.
- O critério de decisão deve ser objetivo e pragmático.
- Admitir exceções ao critério pragmático é deixar o nosso “grupinho de três” e cair no grupo dos malufistas ou dos zelotes.
Com essas premissas em mente, qual critério objetivo e pragmático podemos adotar? Nesse ponto, penso que nós três estejamos abertos a sugestões e, na falta de algo melhor, sugiro dois pontos bastante objetivos:
- Ser réu em processos judiciais
- Ser investigado em operações da PF
Não são critérios perfeitos, claro. Deve haver milhares de políticos corruptos que hoje não são réus em processos judiciais, ao mesmo tempo em que a História nos mostra exemplos de pessoas honestas que foram investigadas indevidamente. Infelizmente, qualquer critério que escolhamos vai ter suas desvantagens e esses que proponho têm a vantagem de ser objetivos e — na atual conjuntura — miram boa parte da corja que queremos ver fora da política.
Por que não esperar pela condenação? Por que não excluir apenas os que a justiça já condenou? Porque Paulo Salim Maluf está solto. Porque Fernando Collor de Mello está solto. Porque José Dirceu de Oliveira e Silva está solto. Porque Aécio Neves da Cunha está solto. Porque José Renan Vasconcelos Calheiros está solto. Porque Romero Jucá Filho está solto. Porque José Serra está solto. Porque Geraldo José Rodrigues Alckmin filho está solto. Porque Luiz Inácio Lula da Silva está solto.
E também porque um critério que peque pelo excesso é melhor que um critério que peque pela permissividade. Por quê? Porque o critério permissivo — somado aos critérios usados pelas quatro categorias ali em cima — é o que transformou o país nesse lodaçal que enfrentamos hoje.
Sim, se você está se perguntando nesse momento se não estou sendo arbitrário, a resposta é um sonoro “sim”. Próxima pergunta?
Voltando ao assunto, é com base nesses dois critérios que proponho escolhamos os candidatos a cargos eletivos de agora em diante.
É réu? É investigado? Está fora, independente do partido, da ideologia, do alinhamento econômico ou social, das ideias, da hipócrita “trajetória política”, ou de qualquer outro critério. Aqui é bom observar que qualquer um dos motivos levantados na sentença anterior, que no mais das vezes nos levam a votar nesse ou naquele candidato, são subjetivos, pessoais, fruto de opinião e de percepção, a menos da afiliação partidária, que só fazem diferença caso você seja “devoto”, “malufista” ou “zelote”. Não são, em outras palavras, critérios objetivos.
Ser investigado é critério objetivo: o candidato exibe, em seu comportamento, indícios de que está envolvido em corrupção. Arriscar o voto nele é temerário.
Ser réu é ainda pior: não só há indícios, mas as evidências descobertas pelo MPF e pela Polícia Federal são suficientes para que seja aberto um processo judicial contra o indivíduo. A partir daí, por se tratar de políticos, o julgamento e os recursos deixam de ser objetivos e passa a ser, obviamente, políticos. Daí a lista de “celebridades” acima.
Por esses critérios ainda temos, no momento, várias possibilidades para a eleição presidencial de 2018, entre eles dois se destacam:
- Marina Silva, da Rede
- João Dória, do PSDB
Muita gente vai reclamar, claro, lembrando que Marina é “cria do Lula”, o marido dela é um grande desmatador da Amazônia, ela sempre foi omissa quanto a condenar publicamente o comportamento menos que republicano de políticos de esquerda, é farinha do mesmo saco dos mortadelas, e por aí vai.
Outros vão lembrar que Dória é do PSDB –DO PÊ-ESSE-DÊ-BÊ, por tudo o que há de mais sagrado! Além disso, governa para as elites, trata os habitantes da cracolândia como se fossem insetos, toma medidas arbitrárias, ineficientes e marqueteiras para maquiar os problemas ao invés de resolvê-los, é farinha do mesmo saco dos coxinhas, e por aí vai.
Sim, penso que tudo isso a respeito dos dois candidatos — e muito mais! — é verdade. Porém, sei que quaisquer dessas críticas, quando analisada objetivamente, é menos pesada do que a investigação judicial e que o processo judicial. Prefiro a omissão do que a evidência de corrupção. Prefiro o marqueteiro político ao réu da Lava-Jato.
É bom observar que quaisquer dos motivos apresentados acima para não votar em quem tem, efetivamente, ficha limpa, nos aproximam mais das quatro categorias lá de cima, do que do interesse pelo fim da corrupção na política. Configuram — se formos honestos conosco mesmos — uma busca por justificar o voto em um corrupto em defesa do interesse próprio, detrimento do “outro lado”, ou porque não se está nem aí. Você tem sede de quê?
Aqui cabe um esclarecimento importante: a ausência de investigações e de processos judiciais não é atestado de honestidade. Mas não é esse o ponto. O ponto é que presença de investigação ou processo é indício de corrupção e, se queremos uma política menos corrupta, o primeiro passo é nos livrarmos dos casos conhecidos, públicos, notórios. A ausência de investigação e processo aponta apenas para a possibilidade de o candidato não ser corrupto, em oposição àqueles em que o “cheiro da brilhantina” aponta na direção contrária. Só isso.
A bem da verdade não gosto de nenhuma das duas opções, nem de Marina, nem de Dória (e antes que você, aí no fundão levante a mão, votar no nazista, racista, misógino, homofóbico, defensor da tortura e da ditadura é incompatível tanto com a democracia quanto com a decência). Não gosto deles, porém se quero combater a corrupção, como venho propalando desde o processo constitucional de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, devo me render aos fatos e aos critérios objetivos. Se não surgir candidato melhor — de novo: com base nos critérios objetivos — até a eleição, se sou sério no combate à corrupção, devo escolher entre os que atendem aos critérios.
Vai doer? Claro que vai. Se eleitos, serão governantes perfeitos? Claro que não. Mas essa é uma estratégia de longo prazo, que começa a funcionar depois de vários ciclos eleitorais, mas que, depois que desperta a consciência dos políticos, dá resultado. Votando só em quem não tem rabo preso com a justiça, aos poucos, vamos criando melhores candidatos e, aos poucos, vamos limpando a política.
Pode parecer ingênuo, mas não é. O contrário é que é ingênuo. O contrário é justificarmos o voto em um corrupto, o que manda a mensagem para todos eles que a corrupção é aceitável. O “devotismo”, o “malufismo” e o “zelotismo” passam a ser aceitáveis, e os descrentes dizem “eu falei!” e caem na micareta ou continuam a arrumar as malas para Austrália.
É essa a ideia. Não acredito que você tenha gostado, porque não tem nada de “gostoso” nisso tudo. Mas se você acha que tem méritos, ou mesmo que tem como melhorá-la, estou aberto a sugestões. Desde que, claro, sua ideia não nos jogue no “mais do mesmo” das quatro categorias indesejáveis descritas lá em cima.
A bola tá contigo.
Bom dia! Ruy, não achas que se o ótimo texto, na minha opinião, tivesse mais alcance já teriam dezenas/centenas de comentários incluindo "Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado" com 26 anos de política e um projeto aprovado? Com Lula fora, eu imagino um Dória x "Você-Sabe-Quem", dando Dória, mas e com a Marina? Ah sim, teriam muitos comentários dizendo que o Luladrão, Molusco, novededos etc vai ser preso (não vejo tanto ódio por FHC, Sarney, Jucá....) ou te xingando mesmo por "defender" Dória e Marina...