Entro num salão imenso, branco, bonito, atordoante de silencioso, e amplamente vazio. Estou descalça, cabelos penteados para festa, vestido branco confortável, maquiagem impecável. E completamente só. As paredes laterais do salão são transparentes e conforme caminho, vejo todas as cores de uma floresta triunfante do lado de fora. O aroma do alecrim me faz sorrir. A refrescância da arruda limpa minha alma. A lavanda me abençoa. As grandes árvores acariciam meus cabelos. Sinto tudo, em absoluto, mas não estou lá de fato. Abro os olhos, continuo no salão vazio, que parece não ter fim. Quanto mais caminho, maior ele fica. Fico entediada, brava. Durmo, acordo, com aquela sensação imbecil de que nada acontece. Já foi tanta agonia que nem cabe mais. Agora só cabe calmaria, apesar de sentir um ponto de interrogação preso na garganta, feito nó. Apesar de tudo, não me canso. Sigo, muito e sempre, da forma como posso, mas sigo.
De repente, as paredes do salão se dissolvem ou se misturam com a grande floresta, não sei ao certo. E a floresta que tanto me dava esperanças se torna o novo salão. Agora tudo é muito verde, mesclado com cores lindas de diferentes tonalidades. Tem muita vida, sorrio a todo instante. E apesar de tanta beleza, nada consigo fazer que não seja apenas seguir. De que adianta tanta beleza que não alcanço para tocar? E logo uma voz doce me sopra: “não alcança ainda…”. A doçura da voz é tanta, que gargalho de emoção daquilo tudo. É muita loucura para que me enlouqueça, pelo contrário, tudo assim tão abstrato me faz mesmo crer que é realmente palpável. Uma realidade tão diferenciada de tudo o que já presenciei até então. Gargalho e danço, muito. A ópera “Carmem”, de Bizet, toca em looping e isso traz de volta a vida dentro de mim. Me vejo em Carmem, mas somente na imensidão do amor e na sensualidade pura. E, claro, também na personalidade forte, na ousadia do temperamento. Danço algo que crio, invento e que me move. Sinto amor dos pés à cabeça. Os olhos fechados, numa prece de loucura tão sadia quanto aquele cenário todo estranho e real. A música cessa. Já volto a sorrir com os olhos novamente. Uma experiência única e avassaladora, que me devolve grande parte da energia vital antes escondida de mim mesma.
Respiro profundamente, suspiro um som de quem volta à uma realidade qualquer, que talvez nem seja tão real assim. E aceito. Se é a floresta que tenho agora, sigo apenas. Piso em pedras, machuco os pés. Choro, muito, tudo e nada. Me esvazio naquela plenitude. E continuo a caminhar. De repente, chego numa fonte, renovo as forças. O som da água me traz lembranças de casa. E desejo minha casa, meu mar, imediatamente. Fecho os olhos e ordeno. Abro os olhos e descubro que não saí do lugar. Sorrio de mim mesma. Troco “ordenar” por “determinar”. Ah, fica tudo mais leve. Agora sei que vou chegar, mas no fluir de onde me levarem, nos caminhos do que a vida trouxer a partir daquilo que crio. Se crio, determino. Se determino, acontecerá. Em que tempo? Ah, esse controle não me pertence. Não mais. E hoje, isso significa ter paz.
Descanso na beirada da fonte. Coloco os pés naquela água de barulho bom e aproveito o momento. O vazio vem muito repleto de renovação. Não há pessoas. Vejo todas em florestas paralelas. E por algum motivo, algumas nem vejo mais. Já doeu, hoje acolho com carinho o que vier. Muitas amizades resolvem seguir caminhos diferentes. E está tudo bem. Não tenho qualquer sentimento que não seja o de entrega, aceitação, compaixão, empatia. Resumo tudo em amor. Eu sou amor como nunca ousei ser. Apesar de aceitar, estremeço de pensar que talvez cada um se perca em sua floresta e a gente não se veja mais. Mesmo sabendo que isso também não é real, engulo algo seco, que me parece uma incerteza muito interessante e forte. A água da fonte pula em meu colo. Sorrio e lembro que incerteza talvez seja mesmo um dos grandes mistérios da vida. E daí? Toda aquela água ali, tão radiante e alegre, e eu engolindo a seco? Não faz sentido.
Escolho me jogar na fonte, bebo tanta água quanto meu Eu necessita. Brinco de boiar e experimento ouvir o silêncio que há nas águas. Tenho visão total do céu agora, e ele é tão azul. E há tantos frutos diferentes, em tantas árvores. Me pergunto como eu ainda não havia visto isso tudo. Eu não tinha olhos, antes. Agora tenho e tudo é tão fabulosamente rico. E solitário. Só que agora acho solitário um fruto bem bonito. Mordo com vontade, como quem morde uma maçã brilhante, num momento de fome profunda. Me escorre vida pelos lábios, de forma original e muito sensual. Sorrio triunfante.
Continuo a caminhada pela floresta, mas agora tenho olhos para ver; sensibilidade para mergulhar no silêncio; e paz para agradecer.
Não sei ainda onde está o mar, mas já não me parece assim tão importante ter essa informação comigo. Afinal, é certo que o mar está lá e que chegarei. O caminho é tão bonito, que escolho agora, me ater a ele. Um dia chego em meu mar. No momento, apenas estou a caminho e isso me basta.
É isso e é só.
Pode ser que aconteça, mas, dificilmente deixarás de ver, ao menos um pequeno comentário meu por aqui. Gratidão pelo texto. ..."olhos para ver; sensibilidade para mergulhar no silêncio; e paz para agradecer." Que o mar chegue a seu tempo e sejamos todos oceano. Fique bem.
Gratidão, Jaylei querido! Paz e bem, sempre! Grande abraço!!