(Te peço paciência se você não se sentir ofendida(o) nos primeiros parágrafos desse texto, pois as chances são enormes de que ao final esse lapso terá sido sanado).
Em primeiro lugar, assumo minha participação no desastre pós-impeachment: fui 100% favorável à deposição constitucional (em que pese manipulada, arbitrária e enviesada) da Ex-Presidente Dilma Rousseff. Confesso mais ainda: me dá uma pontinha de felicidade toda vez que digo ou escrevo “Ex-Presidente Dilma Rousseff”. Um governo com preocupações sociais e com uma agenda social, em seu início, mas que entregou-se à sanha eleitoreira, substituiu ações efetivas pelo marketing e que ao revelar seus propósitos “bolivarianos” espantou investimentos, travou a economia, abraçou as negociatas e lançou o país no perigoso caminho anteriormente trilhado pela Venezuela. Uma pena, essa deterioração cuja remoção se fez necessária. Ao seu final, o governo Dilma lembrava — a exemplo de toda a esquerda brasileira atual — a sentença final de A Revolução dos Bichos, de George Orwell:
As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco.
Depois de acompanhar Capemis, Coroas Brastéis, Delfins, Abi Ackels, Malufismos sem fim, a emenda de reeleição comprada a peso de ouro pelo FHC, a privataria do sistema de telecomunicações, mensalões petistas e tucanos, o petrolão e que tais, não tenho dúvida nenhuma: não é a ideologia ou o conservadorismo que impedem que o Brasil seja um país decente, mas sim a corrupção. Somos, desde as classes econômicas mais excluídas da sociedade até os mais altos escalões do Governo e da iniciativa privada, passando por ONGs, fundações, clubes esportivos e tudo mais, um país eminentemente desonesto. O país do jeitinho, o país da “Lei de Gerson”, o país da “farinha pouca, meu pirão primeiro”, e por aí vai.
Nada de novo no reino de Pindorama, obviamente.
Tanto normalizamos essa corrupção endêmica que meus amigos de esquerda teimam em dizer que é assim mesmo, que para governar é preciso “jogar o jogo”, falar a língua deles e chafurdar na lama com eles, ainda que gostosamente, adotando a referida lama como nosso ambiente natural, parte de nossa joie de vivre. Homens e porcos e tal.
De escândalo em tedioso escândalo, chegamos onde estamos hoje: Um país em que o presidente gasta 32 bilhões de reais que não temos para impedir que as investigações a seu respeito tenham continuidade. É sobre esse desastre pós-impeachment a que me refiro, aliás. Ao fim efetivo da Lava-Jato, ao desmantelamento de investigações e carimbo de “tá tudo certo” para Aécios, Serras, Alckmins Jucás, Pezões e que tais. Esse foi o desastre que geramos com o impeachment da Ex-Presidente Dilma Rousseff.
Há os que digam que está pior agora do que antes, e dependendo do prisma sob o qual se observe a situação, é possível essa leitura. De um lado temos o fato de que evitamos a venezualização inequívoca para a qual caminhávamos, e a tirar pelos relatos (internacionais e fidedignos), evitamos um mergulho no abismo. De outro lado, escancarou-se que o objetivo maior não era evitar o desastre, mas sim livrar corruptos das punições da Lava Jato. O resultado é triste e impressionante: não há dúvida quanto à participação de dezenas de figuras proeminentes da política em roubalheiras diversas, mas as punições — mais uma vez — são substituídas por uma pizza geral. E mais: mesmo diante do fato de que os maiores devedores da Previdência cobririam o tal “rombo”, a conta ainda será passada — mais uma vez — ao cidadão. Completa-se assim um “pacotão de maldades” do tipo “já que estamos melecando e sentando em cima, vamos aproveitar para espalhar também pelas paredes e pelo teto”.
É esse o desastre, volto a frisar. É um desastre pior que o que evitamos? Apesar de a resposta ainda ser “sim” (além da fome, adicione-se a tortura promovida pelo governo “bolivariano” de Maduro), ficam dois pontos a serem considerados: a incerteza de que aqui a coisa chegaria a níveis tão desesperadores e caóticos, e o fato de que trocamos a beira do abismo pela certeza de uma cleptocracia que não tem vergonha de mostrar sua cara. Em suma, o “sim” é “vejabenizado”. Põe vejabenizado nisso.
A instauração da cleptocracia escancarada suscita um questionamento importante por parte da esquerda: “Ué? O gópi não era para acabar com a corrupção? Cadê as panelas?”
A pergunta é boa, necessária, mas prontamente ignorada por todos os que lutaram pelo fim do governo da Ex-Presidente Dilma Rousseff. Cadê a indignação com a festa do caqui promovida por Gilmar Mendes no STF? Cadê a raiva contra os corruptos? Cadê as manifestações para derrubar Michel Temer antes que ele substitua o Hino Nacional pelo refrão “Nóis num vamo pagá nada!” do saudoso Raul Seixas?
Silêncio por parte de nós, os anti-corruptos do ano passado. No máximo, grilos.
O silêncio de nossas panelas foi convenientemente trocado por outras indignações de ocasião. É como se a luta contra a corrupção tivesse ficado demodê, pois a onda agora é o peladão do MAM. Ou o Queermuseum de Porto Alegre. Ou a filósofa Judith Butler que ninguém leu mas odeia mesmo assim. Ou tacar fogo em terreiro de Umbanda e Candomblé. Ou gritar o mais alto possível contra o Estatuto do Desarmamento. Ah, vão todos pentear macacos (para não usar uma expressão mais chula e bem mais precisa).
No fim das contas, da maneira mais calhorda possível, os anti-corruptos de ontem se revelam os conservadores retrógrados de sempre, e a meia-dúzia de gatos pingados (entre os quais me incluo) que realmente enxergam que o cerne do problema é a corrupção ficam com cara de paspalho.
A impressão que se tem é que os anti-corruptos-revelados-conservadores são, na verdade, crianças hiper-ativas, que se cansam facilmente de suas brincadeiras. Comemoramos a queda da Ex-Presidente Dilma Rousseff, a prisão de Eduardo Cunha, e achamos que estava tudo ou resolvido ou a caminho da resolução. Aí começou: o STF soltou José Dirceu, a Lava jato começou a emperrar de tanta areia lançada pela mesma corte, os conchavos já não ficavam mais tão na escuridão, e aí para frente foi ladeira abaixo. Não adiantou gritar que é uma maratona, e não uma prova de 100 metros rasos.
Enquanto toda a Lava-Jato desmoronava, a esquerda se entrincheirava em sua estratégia de ocasião: assumir o papel da motoquinha Confuso do desenho da década de 70 “Carangos e Motocas”, repetindo sem parar “Eu te disse! Eu te disse!”. Essa postura, é bom lembrar, faz tanto sentido quanto aquela do tripulante de um barco a remo que, ao ver um buraco sob os pés de seu companheiro de embarcação diz “você tem um problema”, como se o problema não fosse dele também. Tá, o plano do PMDB sempre foi matar a Lava Jato, entendi. Mas, e daí? O certo então é cruzar o braço, fazer sarcasmo, e deixar o circo pegar fogo? Ah, tá.
Mas estou sendo injusto: a postura da esquerda não foi só essa. Muito pelo contrário, está sendo até que bem ativa, como no caso de quando se mancomunaram com o PSDB para salvar o mandato de Aécio, uma vez que essa postura pode render absolvições futuras de senadores de esquerda pegos em estripulias. Ah, e outra ação da esquerda que é importante não esquecer: aproximar-se de Renan Calheiros e de todo o PMDB em preparação para as eleições de 2018.
Gópi é coisa do passado, cara: a onda agora é perdoar e ir logo para a cama, sem camisinha nem KY. Ah, vão todos catar coquinho (para evitar outra expressão mais chula e bem mais precisa).
Seja como for, a resposta à pergunta acerca do silêncio das panelas pode vir de certos recortes (um tanto parciais e outro tanto enviesados) que podem ser feitos acerca do estado da economia. Sim, sempre vale a máxima de James Carville, o gênio do marketing político que elegeu e reelegeu Bill Clinton: “É a economia, estúpido”.
O consultor financeiro Joe Lago publicou recentemente um quadro comparando o início do governo Michel Temer com o período atual (bom, atual até setembro de 2017). Os dados são, no mínimo, inusitados:
Não é difícil perceber o viés nos dados apresentados, uma vez que nem sempre os mesmos períodos são comparados, e os itens apresentados foram escolhidos a dedo. O incomensurável déficit público, por exemplo, foi convenientemente deixado de fora, e alguns dos dados apresentados são questionáveis. Ainda assim os resultados batem com o que se pode observar em vários setores da economia. Um amigo do setor de transportes, por exemplo, decidiu aumentar sua frota de caminhões dois meses atrás, e se antecipou ao bom momento que este tipo de serviço vem experimentando recentemente. Acertou na mosca em arriscar essa antecipaçao: quem encomenda caminhões hoje, só vai receber em março de 2018, tamanha a fila de espera. Quando perguntei se não era só porque a empresa dele é bem administrada, com uma excelente reputação de serviços e uma boa (e tenaz) equipe de vendas, ele foi tácito: “Nada, basta olhar para as estradas para perceber que tem muito mais caminhões em circulação hoje do que seis meses atrás”. Seus caminhões carregam farinha para a indústria alimentícia, glicose para uma grande fábrica de doces, malte para uma cervejaria, entre outros produtos a granel para a indústria. E se a indústria está comprando mais, está produzindo mais e vendendo mais, obviamente.
Mais uma vez: é apenas um recorte, mas ainda assim aponta para uma recuperação da economia do país. E o que interessa para os setores conservadores, reacionários e de direita, ainda mais que suas agendas conservadoras, reacionárias e de direita, é a economia.
Noves fora, a luta contra a corrupção nunca foi pauta da esquerda após esta ter subido ao poder, e nunca foi pauta da direita (ponto final). Só o tonto, aqui, e meia dúzia de gatos pingados se preocupam com isso.
Se preocupam e entendem que deixar tudo como está para ver como é que fica só vai deteriorar ainda mais a situação do país no próximo ciclo de corrupção. O que estamos fazendo agora é triste: estamos normalizando o estado atual das coisas. Já não vai chocar mais ninguém quando algum ministro futuro do STF arquivar processo contra um senador, nem ninguém vai achar assim tão esquisito um presidente da república recebendo uma mala de dinheiro.
E enquanto agimos como a banda do Titanic, o país vai, aos poucos, seguindo o mesmo caminho do referido navio. Os bons momentos da economia só fazem esconder e anestesiar roubalheiras, e nos enganam a tomar como “benesse” esmolas que na verdade são cabrestos eleitorais.
O pão-e-circo romano vai sendo substituído pelo bolsa-família-e-porte-de-armas, e a gente nem se dá conta que ao invés de estarmos aproveitando o espetáculo da arquibancada, estamos é na arena sendo engolidos pelas feras.
Ótimo texto, mas está pior hoje, simples assim. Como estaria com a Dilma é um "se", pois quem está lá é comprovadamente corrupto. Um governo com transparência da corrupção.
Então, Jaylei, se está melhor ou pior, é questão de especulação, pura e simples. Na verdade, não está nem melhor, nem pior: está, simplesmente. A continuidade do governo Dilm não aconteceu, e por isso não dá para comparar. Não existiu. Esta ruim claro. Está péssimo, aliás. Mas não tem como comparar, porque o tempo é linear, e só faz encruzilhada na nossa cabeça. Na minha cabeça, estaria pior, mas não muito. Quase nada, em termos de corrupção, com a diferença de que essa é escancarada. A diferença maior é a economia, e essa é brutalmente enganosa, uma vez que é uma melhora conjuntural, provocada simplesmente pelo fim da inércia, sem a menor garantia de que vá levar a algum lugar melhor ou mesmo duradouro no médio/longo prazo. O que está pior, com certeza, é a guinada da direita para o lado de um moralismo tacanho, um recrudescimento reacionário, acompanhado pelo grito de "mais do mesmo" da esquerda, que insiste em investir no santo padroeiro da ignorância de todos os malfeitos, ao mesmo tempo em que ensaia chafurdar novamente no chiqueiro do PMDB. Se a gente pelo menos tivesse aprendido alguma coisa, poderia estar melhor, mas você tem razão: porque mesmo diante de tanta lama, continuamos na mesma, no geral a coisa piorou.