Chego mais cedo do que o planejado no Charles De Gaulle. Quem diria? Voo adiantar 40 minutos. Nunca tinha vindo à Europa, e já sou surpreendido na chegada.
Surpresa nem tão boa assim, aliás, uma vez que o transporte combinado ainda não está aqui. Conecto-me na rede Wi-Fi (gratuita) do aeroporto e faço uma ligação via Skype para a empresa. Vão ver e me retornam.
Sento-me à espera, de bom humor, sem preocupações.
Uma senhora sentada duas cadeiras à minha direita se dirige a mim em francês. Não falo a língua e peço desculpas. Inglês? Sim, ela fala inglês.
— O senhor veio no voo de Marrocos?
— Não, senhora. Vim no voo de São Paulo, no Brasil.
— O senhor consegue enxergar se o voo do Marrocos já aterrissou?
Olho para ela, uma senhora de mais de 70 anos, certamente, com óculos de fundo de garrafa. Olho para o painel.
— Não vejo nenhum voo do Marrocos no painel, senhora.
— Vem da capital, Rabat. Voo 902, da Emirates.
Olho novamente.
— Ah, sim, ali está. Não, ainda não aterrissou. Mais meia hora, pelo que diz o painel.
— Obrigado.
Meu celular vibra. O transporte está a caminho estará aqui entre 15 minutos e meia hora.
Observo novamente a senhora. Como eu, ela tem um carrinho com bagagem à sua frente. Duas enormes malas.
— A senhora está chegando ou saindo?
— Cheguei ontem à noite no voo de Rabat.
— Puxa, e está aqui desde então?
Até agora ela pouco me encarava, mas diante da pergunta, fixa-me de maneira mais direta.
— Logo que cheguei fui ao banheiro. Havia uma senhora com um bebê sentada próximo aos lavatórios e pedi que olhasse minha bagagem. Ela concordou. Quando saí do banheiro, ela tinha sumido. Meu carrinho de bagagem continuava lá, mas minha bolsa não estava mais em cima das malas. Na bolsa, tinha meu passaporte, meu dinheiro, meu celular e meus cartões.
Ela não parece preocupada. Está calma, composta. Há uma certa melancolia em sua voz e em sua postura. Imagino como eu estaria se algo semelhante acontecesse comigo.
— Puxa, que coisa, minha senhora! A senhora quer ajuda para procurar as autoridades do aeroporto?
— Fui à polícia do aeroporto logo que vi que havia sido roubada. Me disseram que ocorre muito por aqui. Dizem que pode nem ter sido a mulher, que pode ter ido embora e deixado a bagagem sozinha, um alvo fácil para outra pessoa. Mas não descartam que tenha sido ela.
Me mostra alguns papéis que pego meio sem jeito. A data é de hoje, e parece ser um boletim de ocorrência. Devolvo os papéis e ela volta a olhar para frente, na expectativa do voo de Rabat.
— A senhora conhece alguém nesse próximo voo de Rabat?
— Não, mas pensei que alguém de meu país pudesse me ajudar. Estou sozinha aqui, não conheço ninguém. Vim para conhecer a cidade, que é minha paixão desde adolescente. Juntei dinheiro por décadas para poder vir, e agora não tenho como fazer nada. Tentei pegar o voo de volta, mas a Emirates precisa de meu passaporte para tentar conseguir um lugar no voo para mim.
Fico preocupado: uma septuagenária (no mínimo), sozinha em um aeroporto, sem documentos, sem dinheiro, sem conhecer ninguém em um país estrangeiro.
O que eu faria em uma situação dessas? Procuraria a polícia, como ela fez.
— A polícia não ofereceu mais ajuda à senhora?
— Não. Pediram para eu checar mais tarde com eles, caso conseguissem apreender alguém. Também disseram que ladrões às vezes descartam documentos e bolsas depois de roubarem o dinheiro e os cartões. Sugeriram que eu contatasse o hotel que eu reservei, que talvez eles possam me ajudar. Mas todos os contatos estavam na bolsa, e não sei com exatidão qual dos hotéis da rede Ibis é o que tem minha reserva.
Não sei como as coisas funcionam na França, mas esperava um pouco mais de cuidado para com uma pessoa de idade com um problema tão grande.
Nesse momento, vejo um jovem com um tablet caminhando por perto. No tablet, está escrito meu nome.
— Meu transporte está aqui. Posso oferecer uma carona à senhora até seu hotel? Talvez lá eles possam ajudar. Ou mesmo à embaixada de seu país. Lá é o melhor lugar para conseguir ajuda.
— Obrigada. Vou esperar aqui. Quem sabe a polícia possa recuperar pelo menos minha bolsa. Preciso dos medicamentos que estão lá.
Levanto a mão quando o jovem olha em nossa direção e ele se aproxima. Se apresenta e pede que sejamos rápidos, pois está estacionado em um local que só permite paradas de 5 minutos. Sem esperar por mim (e sem me oferecer ajuda com minha bagagem), ele começa a caminhar em direção à saída.
— Boa sorte à senhora — digo e vou em direção ao rapaz.
Na saída do aeroporto, vejo dois policiais e decido interceder em nome da senhora. Peço ao rapaz que aguarde um momento e não espero que ele responda.
— Por favor — digo em inglês, sem me preocupar com o tão propalado mau-humor francês para com os anglófonos — se uma pessoa está sem documentos e sem dinheiro, como ela poderia chegar ao consulado de seu país? Vocês não poderiam ajudar?
O policial, solícito, me pergunta:
— O senhor perdeu seus documentos?
— Não, estão aqui. Há uma senhora sentada à saída dos voos internacionais que foi assaltada e está sem dinheiro e sem documentos. Ela poderia ser auxiliada na embaixada de seu país. Acho que é marroquina.
Os policiais se olham e o segundo, quieto até então, se volta para mim:
— Todos os seus pertences estão com o senhor?
Olho para meu carrinho, confiro.
— Sim, tudo está aqui.
— O senhor deu dinheiro a ela?
— Não, eu ia oferecer, mas esse rapaz do transporte chegou.
— Onde ela está?
Dou alguns passos para trás, e aponto para as cadeiras onde estávamos alguns segundos atrás.
Não há mais ninguém lá. Nem nos arredores. O salão é grande, mas desobstruído. Como não há desembarque no momento, há pouca gente em volta. Não a vejo em um raio de mais de 50 metros.
O primeiro policial:
— Não se preocupe, senhor, tomaremos as providências. Tenha uma boa estadia em Paris.
Ambos se viram e caminham para o salão, deixando-me apenas com o rapaz do transporte.
— É sua primeira vez em Paris, senhor? — pergunta o rapaz.
— Sim, minha primeira vez na Europa.
— Não sei como são as coisas em seu país, senhor, mas aqui é preciso tomar muito cuidado.
Sorrio de minha ingenuidade, mas fico feliz por constatar que, por mais distante e diferente que seja esse lugar, em alguns aspectos continuo perto do Brasil.
Uau! Carrossel de de impressões e emoções. Mundinho pequeno de vivências e evoluções. Sim, estamos todos no mesmo barco de resgate e provas. Obrigada amigo.
Obrigado a você, Cida!