Em meio a tantas notícias ruins, em meio a tantos trumps, temers, kims, harveys e que tais, algumas coisas bem bacanas vêm acontecendo por aí, e merecem nossa atenção mais do que o apocalipse do dia.
Uma dessas coisas bacanas vem acontecendo não é de hoje, e traz muito benefício para quem nela prestar atenção: a divulgação de conhecimento que ocorre diariamente, sem custo algum, e ao alcance de quem quer que tenha 5 minutos diários e uma conexão com a Internet.
Não estou falando aqui sobre ensino à distância ou sobre alguma iniciativa governamental para divulgação de material didático. Falo sobre o conhecimento como forma de entretenimento, realizado por cidadãos comuns, em canais de vídeo do YouTube. Tenho acompanhado vários desses canais já há alguns anos, e é visível como têm crescido tanto na variedade dos assuntos que tratam, como na qualidade do material apresentado. A notícia não tão boa é que ainda há poucos em português/língua portuguesa, ainda que vários deles tenham legendas bem decentes disponíveis.
Não há consenso sobre quando começou a tendência do “faça você mesmo” científico, mas podemos argumentar que muita gente se viu tentada a ingressar nesse modelo por conta da série infanto-juvenil O Mundo de Beakman, na qual um cientista, uma assistente, e um ator vestido de rato (Lester sempre insistiu: “não sou um rato, sou um ator vestido de rato”) faziam experimentos fascinantes que podiam ser repetidos pela molecada. Em 2013 o ator Paul Zaloom, que representava o cientista Beakman na telinha, veio para uma palestra na UNICAMP, que ficou abarrotada e emocionou o ator: ele não tinha ideia que tanta gente no Brasil tinha ingressado em física e química por conta de seu programa de televisão.
Outra possibilidade ocorreu a partir de 2003, com a estreia do programa “Os Caçadores de Mitos”, encabeçados por Jamie Hyneman e Adam Savage, nos EUA. O programa — hoje um dos reality shows mais assistidos da TV americana — mostra um educador (Savage) e um especialista em efeitos especiais (Hyneman) testando cientificamente alegações do imaginário popular. Banheiros químicos realmente explodem se alguém acender um cigarro depois de várias sessões de “número 2”? Uma van parada atrás da turbina de um avião pode ser arremessada durante a decolagem? Perguntas como essas eram (e continuam sendo) testadas, mostrando que, contra alegações interessantes, nada como experimentos científicos. Assim os dois vão dissipando crendices e criando o interesse pela experimentação em seu público. O que deixam a desejar em rigor — pois vários de seus experimentos são realizados sem o cuidado que a experimentação científica exige — mais do que compensam pelo fato de que disseminam o gosto pela ciência para o público jovem. O questionamento que fomentam, o perguntar “será que tal alegação se sustenta diante de um experimento” é o motor que tem movido o desenvolvimento científico desde a Antiguidade.
Na esteira de Hyneman e Savage, muitos foram os que entenderam que, por mais que a ignorância seja a tônica de muitas agendas políticas, é possível disseminar conhecimento e fazê-lo de maneira interessante para o público. Muitos foram os que perceberam que é possível tirar o conhecimento da sala de aula e do laboratório e apresentá-lo como diversão para o público, que aprende ao mesmo tempo em que se entretém.
Os primeiros a adotarem o vídeo de entretenimento como veículo para a ciência foram os norte-americanos. Canais como o Veritasium, do físico americano Derek Muller, e Smarter Every Day, do engenheiro Destin Wilson Sandlin, exploram fenômenos físicos e químicos de maneira simples, mostrando e explicando os fenômenos de maneira didática e divertida.
No Veritasium, Derek explora de maneira interessante fenômenos do dia-a-dia, tais como um fluxo de água que passando no meio de uma espiral metálica pode gerar energia elétrica, sem tocar a espiral.
No canal Smarter Every Day, Destin nos mostra fenômenos mais do que interessantes com uso de uma câmera capaz de gerar até cento e setenta mil fotogramas por segundo. Põe câmera lenta nisso. Um exemplo de fenômeno mostrado por Destin é a capacidade do vidro comum de uma Gota de Príncipe Rupert ser resistente até a tiros de arma de fogo.
Os fenômenos são apresentados e explicados com entusiasmo e interesse, e no fim dos cinco a dez minutos de cada vídeo, saímos com a certeza de termos aprendido algo.
Canais assim existem para quaisquer assuntos. Até a Matemática — que geralmente é associada a calafrios, ansiedade e tédio — tem canais que certamente geram bastante interesse. Exemplos são os canais Numberphile e Standup Maths. Não acredita? Que tal um exemplo, então?
Some os números naturais, de 1 a infinito: 1+2+3+4+5+6+… e assim por diante, sem parar nunca.
Qual o resultado dessa soma? A intuição nos diz que o resultado é “infinito”, uma vez que nunca paramos de somar, e que os números são sempre cada vez maiores. Pois é, a resposta é prá lá de surpreendente e inacreditável: -1/12 (menos um-dozeavos). Por incrível que pareça, não se trata de um truque, e o resultado é usado em teorias da física avançadíssimas, prevendo corretamente resultados que ocorrem no mundo real. É de pirar, não?
O problema com todos esses canais — para a maioria de nós, brasileiros — é que são apresentados em língua inglesa, apesar de as legendas serem bem decentes.
A boa notícia é que há canais assim — em profusão — também produzidos aqui no Brasil, apresentados em português.
O canal Nerdologia, de Átila Iamarino, trata de vários assuntos científicos e sociais, sempre com um argumento muito bem escrito e produção e apresentação impecáveis. Hoje o canal já conta com mais de 1,8 milhão de assinantes e publica vídeos duas vezes por semana.
O canal Canal do Pirula, do zoólogo e paleontólogo Paulo Miranda Nascimento, trata de assuntos mais ligados à biologia e ao clima, sempre buscando os impactos sociais das ações do Homem na Natureza. Hoje já conta com mais de meio milhão de assinantes.
Já no Manual do Mundo, Iberê Tenório ensina como fazer várias experiências, além de explicar o funcionamento de dispositivos do dia-a-dia. É o campeão dos canais de ciência do Brasil, com quase 9 milhões de assinantes.
Esse são apenas alguns exemplos, mas há vários outros que certamente você vai conhecer se começar a navegar por vídeos de ciência no YouTube.
Mas qual é o incentivo para que os autores continuem a criar e publicar vídeos de ciência, sendo que nós não pagamos um tostão para os assistir? A resposta é simples: em todos eles o Google projeta anúncios curtos antes de apresenta o vídeo em si, o que gera ganhos para os produtores. Ou seja: fazem ciência, ensinam, e ainda ganham dinheiro com isso.
O fato é que aprender já deixa de ser atividade ligada a “tédio”, “dificuldade”, “obrigação”. Os canais de ciência ainda são entretenimento, claro, e não substituem o estudo sistematizado a que todo aluno deve se submeter. Mas ainda assim, mostram que é possível disseminar e viver de conhecimento, por um lado, e que conhecimento pode ser assunto divertido, podendo-se aprender ao mesmo tempo em que se é entretido, do outro.
Vale a pena investir uns 30 minutinhos por semana em canais desse tipo. De repente, a gente até pega gosto pela coisa, e se dedica a aprender com mais vontade algum assunto de nosso interesse.
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