A Constituinte estava a pleno vapor, as primeiras eleições democráticas em mais de duas décadas estavam no horizonte, e havia um sopro de esperança no fim da “década perdida” quando, em junho de 1988 um grupo de políticos e intelectuais decidiu que o velho PMDB tinha dado o que tinha que dar, como sempre emaranhado em negociatas e fisiologismos.
Esse grupo de intelectuais — entre os quais podemos contar o jurista Afonso Arinos e o jornalista Artur da Távola — buscava se livrar do fisiologismo em que chafurdavam os partidos de centro e de direita, ao mesmo tempo em que adotava uma filosofia política supostamente comprometida com a democracia, com o livre mercado e com os avanços sociais, tão necessários em nosso país. Entre os políticos que tomaram a frente do novo partido, Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas, André Franco Montoro e o jovem Aécio Neves, que emergia como esperança depois do falecimento de seu avô, o presidente Tancredo Neves, que foi posto no cargo pelo colégio eleitoral ao fim da ditadura, mas não assumiu em função de seu falecimento precoce em decorrência de uma operação de um tumor benigno (à época anunciado erroneamente como diverticulite).
No pleito de 1989, Mario Covas ganharia em qualquer cenário no segundo turno, mas o carisma do “caçador de marajás” Fernando Collor e de São Lula não o deixaram chegar tão longe. Veio o desastre de Collor, o rescaldo de Itamar Franco, o Plano Real e o PSDB chegou ao poder em 1994, com a presidência de FHC, várias cadeiras no senado e no governo de vários estados. Aécio, já naquela época, era deputado federal por Minas Gerais.
“O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”, disse Lord Acton na Inglaterra Vitoriana, e esse aforismo continua se provando verdadeiro. O PSDB de 1988 não teria aprovado a compra de votos da reeleição de 1998, e nem o processo lesivo que foi a privatização. Um a um os membros “históricos” do PSDB sucumbiram ao fisiologismo, e no início da década de 2000 “já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco”, nas palavras finais de A Revolução dos Bichos. O PSDB de Franco Montoro havia degringolado no fisiologismo do PMDB e do PFL. O ideal da social democracia (que havia muito já tinha dado lugar ao neoliberalismo puro e simples) cedeu a vez ao Mensalão Mineiro de Eduardo Azeredo. Aécio subiu ao governo de Minas Gerais, ao senado e à presidência do PSDB.
Desde 2002 o PSDB deixou de ser relevante no cenário nacional. Após duas presidências de Lula, uma presidência e meia de Dilma e meia cleptocracia de Temer não há indícios de que Alckmin ou outra liderança vão mudar este quadro. Até porque ninguém no partido tem o carisma/cacife de FHC, Collor ou (muito menos) Lula. Bem, a não ser pela presença constante nos escândalos que pipocam no cenário político.
A Lava Jato veio e, apesar das investidas para “estancar a sangria”, vem colocando Cunhas, Cabrais e Paloccis na cadeia, com Lula sendo a última aquisição de Curitiba.
Os devotos de Lula chiam com razão: a caneta de Moro tende a correr mais solta quando o investigado é de esquerda, mas a bem da verdade, todos os candidatos a hóspede da PF “do lado de lá” sentam-se confortáveis sob o guarda-sol do foro privilegiado, ou seja, só podem ser incomodados pelo STF.
Pois é, mas aquele velho ditado jocoso que afirma que até relógio parado está certo duas vezes por dia é bem verdadeiro. Esta semana o STF decidiu equilibrar um pouco as coisas: tornou Aécio Neves réu por corrupção e por obstrução de justiça. Ano passado Aécio foi pego em uma gravação solicitando 2 milhões de reais a Joesley Batista, da JBS, e por mais que estapafurdiamente alegue “ingenuidade”, não há como negar que a atitude não teve nada nem de ingênua nem de republicana. Seu avô Tancredo — que não era santo, mas tampouco era um escroque — sentiria vergonha do neto.
Aécio é a efígie do PSDB, um partido que — como tantos — surgiu com ideais e direcionamentos filosóficos, mas que no fim das contas se apropriou do que visava combater: da corrupção, do clientelismo, fisiologismo, hipocrisia. O senador mineiro colhe o que parece vir plantando de longa data, e mesmo diante do óbvio, se esconde atrás de uma pretensa ingenuidade. Como pode alegar ingenuidade um senador solicitando adjutórios de um empresário que depende das legislações que esse senador oficializa?
E mais: Aécio não é acusado somente de corrupção passiva pelo pedido e recebimento de dois milhões de reais de Joesley Batista (para embasar tal acusação a PF inclusive filmou o primo de Aécio, Frederico Pacheco recebendo parte do valor ). O dileto senador também se compromete, na gravação de Joesley, a influenciar a escolha de delegados encarregados das investigações da Lava Jato, em caso flagrante de obstrução de justiça.
Nesse momento, não é difícil prever que as chances de candidatura à presidência ou mesmo à reeleição ao senado sejam nulas para Aécio, o que no máximo o empurra para uma candidatura à vaga de deputado federal. Tomara que o povo mineiro assuma com ferocidade sua fama de desconfiado e rejeite essa pose de ingenuidade do, por hora, nobre senador.
Com a queda de Aécio muitos são os jornalistas que já decretam o fim do PSDB, e Josias de Souza, da Folha, afirma que o partido “derrete” com Aécio. De fato, as chances do PSDB nesse momento, na esfera nacional, são risíveis. Seria bom, de fato que este cadáver insepulto fosse de fato enterrado, uma vez que nada de novo tem a oferecer ao cansado e cansativo cenário político nacional. E quem sabe com essa nova sanha investigativa que estamos vendo se desenrolar no noticiário, outros pássaros de alta plumagem venham a acompanha-lo. A Odebrecht diz ter “colaborado” com 10 milhões de reais para Alckmin, e outros 23 milhões para Serra. Se dois milhões põem Aécio no banco dos réus, tais quantias deveriam no mínimo fazer o mesmo para esses outros grão-tucanos.
Ah, e enquanto estamos nessa, que tal aproveitarmos o ensejo e pendurarmos também Renan Calheiros (o tão estimado aliado de Lula), Romero Jucá e tantos outros que até agora têm deslizado para fora das garras da lei?
Bom, mas no fim das contas, o indiciamento de Aécio sinaliza o fim do PSDB, esse experimento tão belo no papel quanto falho na realidade. Ainda é cedo para decretar essa morte, penso eu, até porque outros partidos mais antigos, corruptos e fisiológicos continuam por aí, firmes e fortes.
O problema que pode surgir de um desgaste generalizado é a reedição do PRN (extinto Partido da Renovação Nacional), que três décadas atrás se aproveitou de desgaste semelhante (do PMDB, no caso) e lançou o jovem governador das Alagoas à presidência, o hoje senador Fernando Collor (outro que se mantém fora dos indiciamentos como porco ensebado em festa de peão se mantém longe das mãos da garotada).
Ainda assim, penso que seja melhor nos livrarmos dessas excrecências que ainda hipocritamente se chamam de partidos políticos enquanto agem como facções criminosas. O PSDB de Afonso Arinos deixa saudade, assim como o MDB que brigava contra a ditadura na década de 1970, ou o PT histórico da década de 1980 e tantos outros, livraram-se de seus ideais em nome da sede de poder, e o resultado se vê nas páginas policiais.
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