Sabe aquela história de que a mulher gosta de que mexam com ela na rua? Que isso lhe alimenta a autoestima? Nem sempre! Pode até ser engraçado dizer que, se uma mulher passa por um prédio em obra e que se os trabalhadores não mexerem com ela, será melhor ela se matar. Pois bem, afirmo que há controvérsias a esse respeito.
Não posso dizer que não haja galanteios bem-vindos e até benéficos. Já me senti lisonjeada ao receber um elogio aos meus olhos quando eu caminhava por uma calçada movimentada. Já retribui a cumprimentos educados vindos de rapazes desconhecidos que passavam por mim na rua. Já ri de alguns chamando minha mãe de sogrinha, quando eu passeava de braços dados com ela. Só que confundir galanteios com ataques de verbalizações eróticas é um equívoco lamentável.
Esse tema me veio à cabeça porque eu, em plena maturidade, há um ano de conquistar meu meio século, senti-me numa paz inédita ao andar pelo centro de uma grande cidade sem ser agredida verbalmente (leia-se “sem ser abordada de maneira incômoda”). Cruzei com homens de todos os tipos e idades e nenhum deles me importunou. Claro! – pode dizer você – já se foi o tempo, né, tiazinha! Só que, ao contrário de sentir-me desprezada ou mal-amada, senti segurança, tranquilidade e bem-estar! Foi uma sensação incrível de respeito (apesar de saber que o motivo de todo o silêncio ao redor era o desprezo, e não o respeito).
Fiquei pensando: que diabos de sociedade é essa que nós construímos? Fazer as mulheres acreditarem que ouvir publicamente os desejos eróticos de homens estranhos é sinônimo de elogio??? Convencionamos que a autoconfiança de uma mulher está diretamente ligada ao seu poder de sedução. E, para alimentar essa convenção, homens são levados a acreditar que o tamanho de sua libido deve ser proporcional ao tamanho de seu poder pessoal. Assim, por muito tempo, o papel do homem foi usar suas varas em riste para pescar sereias e o da mulher fazer-se de bagre escorregadio.
Parece que, hoje em dia, as coisas vêm mudando. Será? As mulheres têm se dedicado tenazmente à competição pela vara de pescar. Isso é bem perceptível em muitas letras de músicas:
Você prepara, mas não dispara
Você repara, mas não encara
Se acha o cara, mas não me para
Tá cheio de maldade, mas não me encara
Você já tá querendo e eu também
Mas é cheio de história e de porém
Virou covarde, tô com vontade
Mas você tá demorando uma eternidade
Se você não vem, eu vou botar pressão
Não vou te esperar, tô cheia de opção
Eu não sou mulher de aturar sermão
Me encara, se prepara
Que eu vou jogar bem na sua cara
(a autoria é facilmente localizável na internet)
Ao final das contas, não sei se tenho mais dó dos homens ou das mulheres (ambos fantoches de crenças culturais altamente questionáveis).
Estou certa de que meus leitores jovens discordam ferozmente de minhas colocações. Compreendo perfeitamente: já fui jovem também (Cruzes! Tô parecendo minha mãe falando). Na verdade, a maior responsabilidade (ou irresponsabilidade) está nos adultos (subdesenvolvidos) que se utilizam do contexto cultural que vivemos e exploram a fase hormonal dos jovens para vender erotização (ou seja, para vender tudo, pois vivemos numa sociedade altamente erotizada).
Recomendações? Acho que não farei. Apenas desejo que os jovens de hoje, ao amadurecerem, também possam sentir a incrível paz que existe quando somos desprezados pela tirania da erotização.
Já critiquei alguém pela liberdade de expressão e a pessoa me disse ser assim mesmo: liberdade irrestrita de expressão. Fiquei pensando muito sobre isso, sabe? Há limites? Qualquer limite não é censura? Será que a Carla não iria ser xingada pelos fãs da pessoa? Xingada por emitir uma opinião? Tbm não é censura?
Ual, Caríssimo Jaylei. Complexo,não? Aprendi que a liberdade não pode ser livre. Ela deve andar sob o julgo da responsabilidade. Desrespeitar o semelhante em nome da liberdade de expressão é como transformar um remédio em veneno...