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Homepage > Categorias > Arte > Vida e morte de um balão
12/07/2018  |  By Marcos Zanon In Arte, Literatura

Vida e morte de um balão

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Vim a este mundo como mais um dos tantos da minha espécie. Era um dia de semana qualquer, uma fábrica qualquer, uma cidade qualquer em meio a um país qualquer. Uma máquina me tirou do forno, outra me esfriou, outra me colocou em um saco transparente, e lá fomos nós, diversos pacotes plásticos com uma centena de balões cada um, para uma das muitas caixas de papelão que nos aguardavam. Lembro dos trabalhadores fechando as caixas com fita crepe, levantando-as e simplesmente nos atirando para dentro de um caminhão.

Viajamos durante vários dias. Podíamos sentir cada curva que o homem à frente do volante fazia, cada vacilo, cada ultrapassagem perigosa, e tentávamos nos acalmar imaginando um futuro bom. Quem sabe não estaríamos indo juntos para uma festa à beira-mar? Quem sabe nosso destino não seria uma grande reunião ao ar livre? E se todos tivéssemos sido designados para atuar no cenário de um filme em Hollywood? Pensar que estaríamos felizes juntos nos acalmava, e tornava o caminho menos enfadonho, mas estávamos errados: o caminhão começou a fazer diversas paradas, e cada uma das caixas foi ficando em lugares diferentes. Quando dei por mim, fomos retirados da carroceria e jogados no canto de um depósito grande e frio.

Aquela foi uma das piores noites da minha vida. Ratos passavam por ali aos bandos, e pude ouvir a agonia de alguns da minha espécie que já estavam no local há muito e foram consumidos por grandes dentes brancos afiados. Próximo ao amanhecer, um destes animais começou a roer a caixa onde estávamos, e o desespero começou a tomar conta de nós. Eu procurava recuperar a calma em meio ao barulho ensurdecedor de pequenas serras esfolando o fino papelão que nos separava do ambiente externo, quando um dos meus irmãos que estava na ponta do saco plástico que nos envolvia acabou sendo atingido. No momento em que vi dois dentes prestes a me furar, alguma coisa fez grande barulho dentro do depósito, e o bicho sumiu pela escuridão de um buraco na parede. A abertura na caixa nos deu oportunidade de ver novamente uma claridade muito semelhante àquela das lâmpadas que nos foram mostradas quando nascemos, mas a posterior luz que entrava pela janela do depósito e nos atingia era diferente de tudo que já havíamos visto. Pela primeira vez contemplávamos o sol, que primeiramente iluminou nosso falecido irmão com o seu nascer no horizonte, e depois inundou a fresta da caixa, eliminando o breu que nos assolou por quase sete dias.

Ainda pela manhã, dois homens chegaram, levaram a caixa para outra sala, retiraram dela todos os sacos, descartaram nosso infeliz membro, e me reembalaram juntamente com os outros sobreviventes do ataque. Eu ainda pude ouvir um dos homens se queixando sobre o prejuízo que teriam com a nossa venda.

– Desgraça! Esses aqui vamos ter que vender mais barato porque o pacote estava aberto, e ainda tem um balão a menos.

Fomos para a seção de descontos. Colocaram nosso saquinho em uma grande banca que dizia “Tudo pela metade do preço”, e de mão em mão fomos finalmente comprados por uma pobre garotinha e sua mãe que se esforçavam muito para realizar uma festinha de 6 anos com o pouco recurso que dispunham. A casa era muito simples, mas sentíamos muito amor naquele lugar, tanto dos pais da garota como dos amiguinhos que nos enchiam com o ar de seus pulmões. Na hora dos parabéns, percebi que alguns dos meus irmãos que decoravam o painel feito de isopor grosseiro estavam comovidos porque tinham a sorte de um destino diferente do outro que foi duramente atacado pelo rato, e também porque sabíamos que em breve pequenas mãos nos separariam para todo o sempre. Estávamos inflados e prontos para seguir nosso próprio caminho.

As crianças ansiavam pelo momento de nos pegarem na mão, e enquanto eu me distraía com a alegria da festa, um homem gordo e alto retirou-me do grupo de balões e me entregou a um menino de cinco anos de idade com cabelos bem escuros e olhos de jabuticaba. Ele saiu correndo comigo, e finalmente pude ver e sentir mais de perto a beleza de um mundo que eu havia apenas vislumbrado pela janela do velho armazém: brisa suave, grande sol reinando no céu, nuvens brancas, natureza, vida, muita vida. Um súbito vento mais forte retirou-me da mão do menino e eu saí por aí leve feito pluma, sem destino, sem roteiro… eu simplesmente voava. Enquanto eu aproveitava o momento, fui envolvido por uma corrente de ar e comecei a subir, subir, subir… passei por arranha-céus, por uma águia, por um avião, e finalmente cheguei ao meu último destino: o imenso céu. Lembro de estar muito acima das nuvens, e de algo me tocar suavemente, do ar se esvair do meu corpo e o desaparecer em um azul sem fim.

 

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