A história não é incomum: a banda de rock começa entusiasmada, os fãs surgem, a banda faz sucesso, e os problemas começam: relacionamento, ego, dinheiro sobrando (e drogas, e sexo, e por aí vai). Isso, claro, para aquele 0,001% das bandas que sobrevivem ao moedor de gente que é a indústria da música e chegam a fazer sucesso, mas esse não é o ponto.
O ponto é que em algum momento a banda entra em crise, seja por conta de um ou mais dos motivos acima, seja por qualquer outro. Muitas bandas, aliás não superam esse momento de crise. O Foo Fighters passou por um momento assim, durante a gravação de seu quarto álbum, One by One, de 2002, e á sobre isso que eu quero escrever.
O Foo Fighters, é bom lembrar, foi formado em 1994 pelo então baterista da banda Nirvana, que havia se desfeito após o suicídio de Kurt Cobain. David Grohl, que já tocava guitarra, decidiu lançar-se “solo”, em um projeto que intitulou Foo Fighters, e que logo em seguida, em 1995, virou banda, com os demais componentes sendo listados: Pat Smear, também na guitarra, Nate Mandel no baixo e William Goldsmith na bateria. Com o tempo todos os componentes mudariam, com exceção de Grohl e Mandel, mas a banda se manteria o que é hoje: um sobrevivente do grunge, uma banda de rock no melhor estilo que Seattle tem para oferecer.
Sobre os discos, o próprio David Grohl definiu que representam marcos em sua vida: “No primeiro disco eu era como um bebê, no segundo disco eu estava passando pela porra de um divórcio, no terceiro disco eu estava me mudando de volta para a Virginia e relaxando, o quarto disco foi confusão…” A declaração pode ser vista a partir de 2 minutos e 40 segundos no vídeo a seguir:
Essa “confusão” do quarto disco, One by One, foi o clímax da crise da banda. Durante as primeiras gravações do álbum, os caras se desentenderam, e decidiram dar um tempo, começando um hiato que duraria 3 meses.
Nesse tempo longe do microfone, David Grohl pensou na vida, contemplou largar tudo, curtiu ele mesmo sua crise pessoal. E foi nesse momento que ele compôs o que considera ser sua melhor criação: Times Like These.
“A melhor canção que já compus”, nas palavras do próprio Grohl, é uma expressão de confiança de que tudo vai dar certo. Ela havia chegado à conclusão que os tempos (para o Foo Fighters) eram de crise, de dificuldade, mas que é em momentos como estes que a gente tem que superar, se desdobrar, se reinventar. É em tempos como estes que devemos buscar o melhor de nós, ao mesmo tempo em que enxergamos o melhor nos outros, nos que nos cercam, nos que são importantes para nós.
É justamente o que diz o refrão da canção:
It’s times like these we learn to live again
It’s times like these we learn to love again
It’s times like these, time and time again.
Em português:
É em momentos como esses, aprendemos a viver novamente
É em momentos como esses, aprendemos a amar novamente
É em Momentos como estes, de novo e de novo.
Desnecessário dizer que o momento que vivemos é absolutamente propício para relembrar essa canção, que já tem quase 20 anos, não é verdade?
Pois é, quem pensou assim foi a Rádio 1 da BBC, que criou um momento belíssimo com a ajuda da canção do Foo Fighters, de Grohl e de um monte de músicos da nova geração da cena pop. Ao longo de abril o grupo que inclui, entre outros, Bastille, Dua Lipa, paloma Faith, Rita Ora, YUNGBLOOD e Zara Larsson, Chris Martin e o próprio Foo Fighters gravou trechos da canção, cada um em sua casa, e o time do produtor Fraser T. Smith juntou tudo em uma mixagem rica em detalhes e estilos, gerando um produto final belíssimo em sua simplicidade.
David Grohl entende a importância da canção para o momento, e em carta para a BBC contou que precisou segurar as lágrimas quando recebeu o convite para a regravação. O projeto Stay Home Live Lounge, criado para receber doações para auxiliar afetados pela COVID-19 na Grã-Bretanha, queria incluir uma versão de Times Like These, justamente por saber do que a canção representa.
A nova versão da canção fala alto para todos nós que estamos sob o guante da COVID-19, instados a continuarmos em casa diante de um futuro cada vez mais incerto. As preocupações com a economia crescem na mesma proporção dos novos casos pelo mundo afora. A ansiedade em todos nós se agiganta como as covas nos cemitérios e as filas de caminhões refrigerados nos fundos dos hospitais, e o sonho de voltarmos à normalidade cada vez mais se torna apenas um sonho. O normal, quando vier, vai ser outro, com um planeta, uma sociedade, uma economia muito diferentes do que deixamos para trás, lá em janeiro. E ainda assim, não há oura alternativa a não ser seguirmos em frente. Essas são as cartas que temos à mão no momento, e não há outro caminho a não ser continuarmos no jogo, como for possível.
Times Like These aponta um caminho, aliás muito útil, muito lúcido, muito necessário a seguirmos, até porque é o que nos faz humanos: a capacidade de passarmos pelas crises, pelas dificuldades, saindo do outro lado como versões melhores de nós mesmos.
Eis o vídeo.
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