Eu nasci observadora do mundo, o de dentro e o de fora, e isso me fascina horrores. Há toda uma linguagem no não dito que quase sempre contradiz o que é dito. O olhar disfarça a falta de interesse, os dentes mordem a boca que arde no desejo secreto e falsamente disfarçado de desinteresse e arrogância. Ser humano é bicho bem engraçado, para não dizer patético.
Fala uma coisa, sente outra, age em contradição com tudo isso. E acha bonito, afinal agrada, conquista, acha que vence. Vencer o que ou quem? A maioria acha que engana, acha que vive. Muitos, na verdade, talvez nem saibam que se enganam. Vivem na loucura de preenchimento do que não é real por qualquer coisa aceitável que invoque um status para parecer melhor. E isso é mesmo viver? Talvez seja apenas um existir vazio. Tem quem goste e não se importe. Antes o existir vazio que um viver doido e doído, sem garantias. Gosto realmente não se discute.
Hoje eu gosto de não ter garantias. É mais autêntico, generoso, divertido. Por vezes me consumo numa ansiedade sem igual por escolher ver o mundo dessa forma. Trato com chocolate, florais para não querer comer tanto chocolate e vou levando. Meditar, para mim, é o exercício que mais me deixa presente no agora que sou e que existe por excelência apenas.
A garganta seca, o corpo emudece, olhos fechados, a respiração vira melodia primordial do momento, capitã da alma que vai sei lá pra onde. Só sei que é bom. Os pensamentos passam, um a um, não brigo com nada. Não sou meus pensamentos, eles apenas passam por mim. Esqueço o tempo inventado aqui, me entrego ao desconhecido, caio na leveza louca do não pensar. E então a clareza acontece. Fico nela, sinto todos os seus abraços e afagos. Sorrio o quanto posso e volto serena.
Abro os olhos na certeza de ter um novo mundo a minha volta, mais uma vez. Sempre tenho, só porque quero. Talvez porque minha constante mudança crie mesmo, o tempo todo, a sensação nítida de uma nova realidade. Expando o sorriso grato por todos os cantos onde consigo existir. Beijo a boca da alegria. Invento um romance com meu amor próprio. Faço café e começo a vida.
Todos os dias são bons quando escolho que assim sejam. Que cada segundo me mastiga o tal tempo cronológico num ritmo injusto que corre à minha revelia. E tudo o que tenho é o agora, e tudo que sou é o amor. E tudo o que amo já tenho. Ser e amar talvez sejam a mesma coisa. Enquanto não descubro, sigo sendo amor…mas só porque gosto e quero.
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