Ouvi falar sobre o autor Steven Pressfield por meio de uma palestra da Profa. Lúcia Helena. Ela se baseia na obra dele chamada A guerra da arte (Ediouro, 2005) para falar sobre superação.
Pressfield é escritor de romances históricos, mas essa obra mencionada trata das dificuldades que ele enfrentou para se dedicar ao que ele sonhava fazer: escrever. O autor transforma sua experiência em uma verdadeira lição de como podemos encarar nossos bloqueios e alcançar nossos objetivos.
O autor recorreu à filosofia ocidental (Platão) e à filosofia oriental (o Bhagavad-Gita) para sustentar grande parte de suas ideias, transformando seu texto num verdadeiro caminho para o autoconhecimento. Saber que Pressfield “bebeu” do Bagavad-gita, já nos leva a prever que seu livro falará sobre a guerra interna de cada ser humano rumo à conquista de sua própria essência. Além disso, o autor faz isso com uma roupagem mais moderna e numa linguagem que nos é bastante acessível.
A obra de Pressfield foi muito criticada, chegando a ser tachada de livro de autoajuda. Concordo com a Profa. Lúcia Helena: a autoajuda não envolve filosofia, pois, enquanto a primeira está focada em ajudar a si mesmo (correndo o risco de esbarrar no egoísmo), a segunda ensina a fazer diferença no mundo (promovendo o altruísmo). Com sua obra, Pressfield inspira as pessoas a tocarem suas vidas de forma genuína.
Convido você a compartilhar comigo algumas passagens pelo texto desse autor filósofo. Creio que nos renderá interessantes reflexões.
A maioria de nós possui duas vidas. A vida que vivemos e a vida não-vivida que existe dentro de nós. Entre as duas, encontra-se a Resistência. (p.18)
É assim que Pressfield nos apresenta o que eu chamaria de personagem principal de seu livro: a Resistência. Ela seria, quem sabe, uma espécie de entidade que habita nossas entranhas e se transveste das mais variadas formas para nos persuadir ao afastamento de nossos sonhos mais caros. A Resistência nos leva à procrastinação, à apatia, à inércia. Seria ela a inimiga mais ardilosa de nosso “gênio interno”.
Um escritor escreve com seu gênio; um artista pinta com o seu gênio; todo aquele que cria o faz a partir deste centro sagrado. É a morada de nossa alma, o receptáculo que abriga nosso potencial, é o nosso farol, nossa estrela polar. (p.19)
De uma forma ou de outra, creio que grande parte de nós sinta uma força interior que nos impulsiona rumo aos nossos sonhos ou, no caso de sermos escravos de nossa Resistência, pressentimos, pelo menos, os gemidos abafados dessa força interior querendo nos mobilizar.
Todo sol lança uma sombra e a sombra do gênio é a Resistência. Por mais forte que seja o chamado de nossa alma para a realização, igualmente potentes são as forças da Resistência reunidas contra ele. (p.19)
Eis um tema tão recorrente na filosofia: a luta interna que existe bem dentro de nós. Como se houvesse verdadeiros embates entre nossa luz e nossa sombra. Nosso gênio contra nossa Resistência. Sim, os dois ocupam nossas mentes, invadem nossos corações e interferem nos movimentos de nossos membros. Quem vencerá? Depende de nós mesmos! Depende de quem escolhemos alimentar. Quem você alimenta? Seu gênio ou sua Resistência?
Não, não é nada fácil conciliarmos nossos sonhos com a preocupação diária a que damos o nome de sobrevivência. Colocaram, na cabeça de muitos de nós, a ideia de que, para sobrevivermos, devemos dedicar todo nosso tempo e nossa energia a tarefas árduas e desagradáveis. Em consequência dessas crenças, transformamos a vida em algo pesado e penoso. Não é para menos que vemos tanta gente se entregando aos vícios dos mais diversos.
É preciso encarar a morte para nos levantarmos e confrontarmos a Resistência? É preciso que a Resistência aleije e desfigure nossas vidas para despertarmos para a sua existência? Quantos de nós se tornaram bêbados e viciados, desenvolveram tumores e neuroses, sucumbiram a analgésicos, mexericos e uso compulsivo do telefone celular, simplesmente por não fazer aquilo que nossos corações, nosso gênio interior, nos impele a fazer? (p. 20)
Não farei uma apologia para convencer você a abandonar seu emprego e correr em busca de seus sonhos. Pode não parecer, mas realizar sonhos envolve muito tijolo e argamassa. Ou seja: para concretizarmos nossos sonhos, precisamos percorrer estradas bem reais. O que eu quero propor é uma reflexão a respeito de como podemos dar mais força ao nosso gênio interior do que à nossa Resistência. Creio que seja exatamente essa a proposta da obra de Pressfield.
Será que poderíamos conciliar o tal rigor do cotidiano com o amor por nossos sonhos? Poderíamos investir mais em nossa essência do que nas expectativas de uma sociedade que nos impõem papéis cuja atuação nos revela como verdadeiros falsários? Se você não consegue ter as suas respostas de imediato, pelo menos, incorpore as perguntas. As respostas virão, mais cedo ou mais tarde.
Contrariar nossa voz interior pode nos tirar do caminho do altruísmo a ponto de nos transformarmos naquele vaso de argila que, largado pelas mãos do artesão, consolida-se deformado e inútil.
Sabe, Hitler queria ser artista. Aos 18 anos, pegou sua herança, setecentos kronen, e mudou-se para Viena para viver e estudar. Inscreveu-se na Academia de Belas-Artes e posteriormente na Faculdade de Arquitetura. Já viu algum quadro dele? Eu também não. A Resistência o derrotou. Pode achar que é exagero, mas vou dizer mesmo assim: foi mais fácil para Hitler deflagrar a 2ª Guerra Mundial do que encarar uma tela em branco. (p.21)
Talvez, Pressfield tenha razão: grande parte de nós tem o poder de se construir como homem ou como monstro. A frustração do sonho não realizado pode, sim, distorcer a essência humana a tal ponto de não restar qualquer traço de amor pela vida.
Configurando-se como uma criatura das sombras de nosso inconsciente, a Resistência é invisível. “Tem geração própria e perpetua-se por si mesma. A Resistência é o inimigo interno.” (p. 29). Não adianta culparmos nossos pais, cônjuge, filhos, patrão, a política interna, a globalização, os deuses do Olimpo. Nossa covardia frente à Resistência é a culpada por não alcançarmos nossos sonhos. A Resistência é ardilosa o suficiente para nos impedir seguir em direção às nossas autorrealizações mais genuínas.
Cometerá perjúrio, inventará, falsificará; seduzirá, intimidará, adulará. A Resistência é multiforme. Assumirá qualquer forma necessária para enganá-lo. Argumentará com você como um advogado ou enfiará uma nove milímetros no seu rosto como assaltante a mão armada. A Resistência é desprovida de consciência. Prometerá o que for preciso para conseguir o que quer e o trairá assim que você lhe virar as costas. Se você acreditar na Resistência, merece o que vier a lhe acontecer. A Resistência está sempre mentindo e enganando. (p.30)
Sabe quando você decide, finalmente, entrar numa escola de música para aprender a tocar teclado? Daí, você fica sem carro logo no primeiro dia. A Resistência vai te convencer de que não haverá como se deslocar. Quando você resolve que vai visitar seu irmão para fazer as pazes depois de três anos afastados por uma discussão boba? A Resistência vai se disfarçar de astróloga e argumentará sorrateiramente, dia após dia, que não é uma semana apropriada, que o mês tem Marte retrógrado e que o ano é de Saturno: não é momento para fazer as pazes! Mesmo que você seja totalmente cético, acreditará no mapa astral que a Resistência te apresentou maliciosamente.
A Resistência é como o Alien, o Exterminador do Futuro ou o animal do filme Tubarão. Não é possível chamá-la à razão. Não compreende nada além da força. É uma máquina de destruição, programada de fábrica com o objetivo único: impedir-nos de realizar nosso trabalho. A Resistência é implacável, inflexível, incansável. Reduza-a a uma única célula e esta célula continuará a atacar. (p. 31)
A falta da autoconfiança e da automotivação podem nos jogar nos braços da Resistência. Há também uma outra emoção que nos torna sua presa fácil: o medo! É incrível como desistimos de nossos sonhos por medo. Medo de falhar, medo de sucumbir pelo caminho, medo de não sermos aprovados, medo de não termos apoio, medo de trocar o certo pelo incerto.
A Resistência não tem força própria. Cada gota de sua seiva vem de nós. Nós lhe damos força com nosso medo. […] Domine esse medo e vencerá a Resistência. (p. 37)
Vencer a Resistência é um desafio diário e para toda a vida. Ela reside dentro de nós, não desiste nunca, não morre nunca. Talvez, sua imortalidade seja o caminho para a nossa perenidade também. Sempre que lutamos contra a Resistência, renovamos nossas forças e nossas crenças. Nós ficamos mais vitalizados, mais fortes!
Pressfield sugere que levemos tão a sério essa “resistência à Resistência” a ponto de nos tornarmos verdadeiros profissionais nessa empreitada.
Para ser claro: quando digo profissional, não estou me referindo a médicos e advogados, aqueles das profissões clássicas. Refiro-me ao Profissional como um ideal. O profissional em contraste com o amador. Considere as diferenças. O amador joga por diversão. O profissional joga para valer. Para o amador, o jogo é seu passatempo. Para o profissional, é sua vocação. O amador joga em tempo parcial. O profissional, em tempo integral. O amador é um guerreiro de fim de semana. O profissional, durante os sete dias da semana. (p. 78)
Compreendi que, para realizarmos nossos sonhos, não podemos ser amadores. Precisamos regaçar as mangas e definhar nossa Resistência, forçando-a ao jejum. Não devemos lhe dar ouvidos muito menos dar-lhe nossos medos. Ao invés disso, devemos alimentar nosso gênio interior com muita disciplina, dedicação e muita, muita convicção.
Trabalhar desse modo, diz o Bhagavad-Gita, é uma forma de meditação e uma espécie sublime de devoção espiritual. Também está muito próximo, acredito, da Realidade Superior. Na verdade, somos servos do Mistério. Fomos colocados aqui na Terra para atuar como agentes do Infinito, para dar vida ao que ainda não existe, mas que existirá, através de nós. (p. 169)
Agentes do Infinito… Bem tocante, não? Temos a responsabilidade de cumprir a missão de nosso gênio interior. Para isso, o combate contra nossa Resistência é imprescindível. Portanto, conhecer suas características pode ser a garantia da vitória.
Por mencionar espiritualidade e crença em Deus, Pressfield sofreu muitos preconceitos dos críticos literários. De qualquer forma, tempos depois, os livros dele são recomendados pelos professores de história de Oxford, que dizem a seus alunos que, se quiserem conhecer a vida na Grécia clássica, deveriam ler esse incrível autor (A Guerra da Arte, 2005 – Prefácio). Por essas e outras, eu recomendaria a leitura dessa obra.
E, como uma última recomendação, caso eu realmente pudesse fazê-la, eu lançaria mão dos versos de Steiner (da Antroposofia) que reproduzi em meu texto Sentir, pensar, querer, traduziria em uma rápida mensagem:
“Que a inspiração pela vida lhe faça forte frente à Resistência. Que seja seu gênio interior o responsável por tecer seus pensamentos, por luzir o seu pensar e por vigorar o seu querer”.
Anotei uma parte do seu texto na agenda. A questão dos medos e de alimentar o nosso gênio interior, mas não concordo com a questão da convicção. Afinal, convicção de quê? Do que planejamos, do que sonhamos? Mas, o que vale não é realizar nesse presente, o tempo que realmente temos, o que há para realizar? Ter convicção de algo não é criar expectativa de que algo vai dar certo, funcionar, acontecer? Sim, entendo o lado positivista, mas prefiro o do Budismo que é estar desperto e completo no instante em que estamos. Um abraço.
Alôu, Jaylei! Adorei saber que você visitou mais um texto meu. Eu acho sim muito inspirador o pensamento do Budismo que nos sugere estarmos despertos e completos em nosso momento presente (um dos grandes desafios de nossa atualidade). Concordo com você quanto aos riscos provocados por nossas convicções. Elas podem ser perigosas, podem nos engessar e nos impedir de chegar a novos aprendizados. De qualquer forma, no trecho de meu texto em que eu ressalto a necessidade da convicção, eu me referi a estarmos convictos/convencidos de que devemos combater nossa Resistência interior. Talvez, aí esteja mais uma situação de dualidade (uma dentre as miríades que enfrentamos em nossas vidas): devemos estar convencidos (certos do que estamos fazendo) em momentos de lutarmos contra os obstáculos que nos impedem de crescer e, ao mesmo tempo, temos que abrir mão da convicção a favor das dúvidas que nos levam a novas descobertas. Eis a vida: uma complexa simplicidade!
Carla, obrigado pela resposta. Sim, depois que escrevi e fui ver o vídeo da Prof. Lúcia, entendi a questão da convicção. O que não entendo, e talvez não haja um entendimento racional para isso, é como a resistência é "uma espécie de entidade que habita nossas entranhas e se transveste das mais variadas formas para nos persuadir ao afastamento de nossos sonhos mais caros." ou "uma criatura das sombras de nosso inconsciente". É o eu indo contra o eu para o eu descobrir quem o eu é? :) Num dos vídeos da Prof. Lúcia ela diz uma frase de Píndaro: "Se quem és, sabendo." "Eis a vida: uma complexa simplicidade." :) e tbm :(
Pois é, Jaylei: talvez nosso entendimento racional não alcance a complexidade de sermos humanos... E, quando tentamos transformar nossas impressões em palavras, a coisa fica ainda mais desafiadora! A recomendação de Píndaro parece impalpável: sermos e sabermos quem somos. Puxa! Como? O que ou quem, dentro de mim, me dirá quem sou eu realmente? Quais devem ser as evidências para isso? Existe um check-list? É...creio que não seja a consciência da mente que possa detectar quem somos realmente. Quem sabe, talvez, a "consciência do coração", não? E, nessas pequenas reflexões, é como se me deparasse com vários "eus" de mim mesma conversando comigo. Acho que a unicidade do divino veja simplicidade nisso tudo. Porém, como somos pedaços do Uno, a complexidade pesa pro nosso lado...