Nesse texto, pensei em propor uma reflexão sobre como nos deixamos persuadir. A palavra tem sua origem no latim: persuasio, de persuadere (convencer, persuadir). É formada pelo prefixo per (completamente) + suadere (convencer). Ou seja: persuadir é convencer completamente. Nesse caso, considero que esse “completamente” esteja se referindo a convencer o suficiente para nos levar a algum tipo de comportamento esperado (por aquele que está convencendo, claro!). Eu fico pensando o quanto podemos ter controle sobre todas as tentativas de persuasão que nos impactam a cada segundo nessa sociedade caracteristicamente informatizada, globalizada e tão consumista.
As mensagens que nos bombardeiam têm origens das mais diversas: políticas, econômicas, religiosas, científicas, educacionais, de entretenimento etc. Todas elas têm, como mesma intenção, convencer-nos tão completamente a ponto de interferirem em nossos comportamentos sejam diante de opiniões políticas, decisões de compra, crenças, preferência temática, prazer de viver. Esse poder da persuasão é potencializado por uma tecnologia da informação que tem evoluído aceleradamente em direção à nossa total manipulação (e o Ruy já falou sobre isso aqui no Confrariando, em seu texto Big Data, o lado escuro da força). Parece assustador? Talvez até seja. Pelo menos, até nos tornamos soberanos sobre nosso próprio comportamento e, para isso, precisamos desenvolver consciência sobre nossas decisões.
Se você já é meu leitor ou leitora, deve saber que minha formação acadêmica original é propaganda e marketing. Pela familiaridade ao tema, creio que seja excelente fonte de exemplos que usarei para refletirmos sobre as implicações de nossa inércia frente ao poder da persuasão.
O termo propaganda vem do latim propagare e teria surgido para designar a reprodução das mudas de parreiras. No entanto, é bem mais popular a história de que a propaganda teria recebido seu caráter persuasivo pelo modo como a utilizou a Igreja Católica, que sempre se dedicou à propagação da fé cristã. Diz-se que, em 1622, o Papa Gregório XV instituiu uma comissão de cardeais para propagar o catolicismo nos países não-católicos (prospecção de mercado, na linguagem do marketing). A comissão recebeu o nome de Congregatio de Propaganda Fide (isto é, a Congregação para Propagar a Fé) e acabava sendo referida, informalmente, como a propaganda. A partir daí, o termo começou a ser aplicado a qualquer organização voltada a difundir doutrinas religiosas e políticas também (por exemplo, no Séc. XX, a propaganda foi maciçamente utilizada para levantar o moral dos soldados e desmoralizar os inimigos).
Diferente do que muitos acreditam, há uma distinção primordial entre propaganda e publicidade, começando da própria origem dos termos. A origem do termo publicidade, é encontrada no latim publicus, relativo a populus (povo). Publicar é tornar algo aberto ao público, e a publicidade tem a missão de tornar públicas as ofertas de produtos. Alguns dizem que, enquanto a propaganda procura vender ideias, a publicidade vende produtos. Só que sabemos muito bem da integração entre a publicidade e propaganda: para vender mais produtos, ofereça as ideias que possam persuadir os consumidores à compra. Em outras palavras: convencer totalmente os consumidores a adotarem um comportamento positivo (e desejável pela indústria) frente ao produto, consolidando a relação de compra e venda.
Será que eu realmente exagerei, parágrafos acima, quando usei a palavra manipulação? Você sabia que o termo latino manípulo era usado pelos romanos para se referirem aos estandartes que as tropas usavam? Não! Isso tudo não é coincidência, mas sim total realidade: tudo faz parte de um único processo: a persuasão. Em seu “caldeirão”, já encontramos: manipular; convencer totalmente; determinar comportamentos; interesses religiosos; interesses comerciais; dominação e, por aí vai.
Nossa sociedade leva tão a sério a persuasão para o consumo que foram criadas “Leis Publicitárias”. Tenho, em mãos, uma excelente obra – intitulada de Propaganda – para cursos de formação publicitária. Na página 75, você poderá ter uma ideia sobre essas tais leis.
O fato de todos sermos livres não impede que cada um se deixe arrastar pela corrente e que, em um determinado número de indivíduos, certa porcentagem a siga fixamente. Essa porcentagem, que pode ser conhecida previamente, sofre o influxo de ordens sociais e se introduz por si mesma no determinismo. A previsão não se refere, pois, a indivíduos determinados, mas a determinadas porcentagens. Poderemos dizer, assim, que as leis publicitárias representam apenas um cômodo sistema de agrupar certo número de fatos observados. Naturalmente, estão sujeitas a contingências, são relativas e só permitem prever com certo grau de probabilidade mais ou menos elevado os efeitos de certas causas cujo grau pode ser conhecido com exatidão. (SANT’ANNA, et.al, 2015, p.75)
Não sei quanto a você, mas a citação acima me leva a associações diretas com a estratégia da comunicação de massa (grande berço da publicidade e propaganda). Esse tipo de comunicação, como o próprio nome diz, dedica-se ao público de massa. Segundo Denis McQuail, em sua obra Teorias da Comunicação de Massa, as principais características do público de massa seriam (p.62): grande número de leitores, telespectadores, etc; muita disperso; relação não interativa e anônima entre os membros; composição heterogênea; não organizado e sem ação própria; conduzido ou manipulado pela mídia.
Uma das Leis Publicitárias estaria, então, baseada na tendência à inércia comportamental do ser humano quando é abarcado pelas características descritas no parágrafo acima (“vida de gado” – já ouviu falar?). Uma vez detectada essa tendência, a propaganda mira suas mensagens persuasivas em um alvo manipulável.
Voltando à obra Propaganda, encontramos o tema Teoria Publicitária: “Os fenômenos publicitários apresentam simultaneamente características de ordem física, fisiológica, psicológica e econômica” (p.73). Os publicitários estudam a resposta do ser humano frente aos diferentes comprimentos de ondas das cores. Dominar esse conhecimento físico pode fazê-los aplicar a cor ideal em suas mensagens publicitárias. Os publicitários devem conhecer, por exemplo, o impacto sonoro sobre a fisiologia humana. Dominar esse conhecimento pode levá-los à melhor decisão quanto à música envolvida em anúncios. Compreender a psique do público-alvo pode garantir uma linguagem convincente da mensagem que afetará o consumidor. Acompanhar os indicadores econômicos pode levar a apelos muito mais assertivos durante as campanhas publicitárias. Teoricamente, a Teoria da Publicidade conta com o máximo de “calcanhares de Aquiles” para manipular os seres humanos a favor do consumo.
Não nos esqueçamos, entretanto, de que esse consumo pode ser também de notícias, de crenças políticas, de dogmas religiosos, de verdades científicas. Há uma quantidade assustadora de grupos de interesses próprios que disputam por nos persuadir; concorrem pela nossa atenção; pelos nossos recursos pessoais; pelas nossas opiniões; pela nossa alma!
Neste texto, não pretendo manifestar-me contra qualquer tipo de agregação que lhe faça sentido. Mas, a questão é exatamente essa: o que lhe faz sentido realmente? Cooptar apenas para ganhar força representativa, conquistando proteção e privilégios? Cooptar para não criar desavenças ao seu redor, em detrimento de suas próprias crenças? Cooptar porque é o que a maioria está fazendo? Cooptar porque tem mais a ganhar? Ganhar o quê?
Se eu tivesse recomendações a fazer, eu as faria a mim mesma: (1) apesar de sentir-se inebriada por uma propaganda de sapatos com saltos altos, tente lembrar-se: você é bípede e não centopeia; (2) se os artigos científicos afirmarem que a homeopatia é uma farsa, pode significar que usá-la com a medicina tradicional não fará mal nenhum; (3) ao ser “agredida” pelas propagandas políticas, tente lançar mão da frieza e procure por fatos e não por mensagens; (4) antes de propagar suas crenças, viva-as!
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