Essa foto, associada ao meu texto, é de meu caríssimo amigo Marcos Lalli. Por si só, ela já é uma poesia. Você percebe como o cogumelo e o mato passam incólume pelas frestas do banco? Eu fico me perguntando: eles fazem isso para sentir melhor o sol ou para que possamos perceber a beleza deles?
É claro que não é a única reflexão que me toma quando sou tocada por uma imagem como essa. Você já pensou o que pode significar “passar pelas frestas”? A foto de Lalli deixa claro: nem o cogumelo nem o mato interferiram na integridade do banco. Eu diria mais: eles também se mantiveram ilesos: você viu a beleza do cogumelo, que mais parece uma flor? O que teria feito ele? Crescido fechado até ultrapassar a fresta? Quanto tempo será que levou até chegar a esse ponto da foto?
Acredito que nem o cogumelo nem o mato tiveram de fazer cálculos para realizar tal peripécia. Até porque a matemática é intrínseca à natureza. Creio que a situação tenha acontecido com tamanha determinação e segurança que só poderia culminar nesse resultado que a foto nos mostra.
Se você tem costume de ler alguns de meus textos, já deve ter visto que tenho a mania de projetar experiências objetivas em conclusões subjetivas. Ou seja, acho interessante captar aprendizados de fontes inusitadas.
Assim, ao ver o intento alcançado pela vegetação, dentre as frestas de um banco, fiquei pensando se nós, “meros humanos”, temos essa mesma capacidade. Será que conseguimos ultrapassar os obstáculos à nossa frente sem sair quebrando tudo? Aliás, já falei um pouco sobre isso em meu texto Um Paredão na Estrada (http://confrariando.com/um-paredao-na-estrada/).
Às vezes, acuso a força da natureza por nos submeter a seus desígnios. Eu faço críticas ao tempo que nos leva à decadência física; eu esperneio contra as determinações fisiológicas; e discuto com o ciclo circadiano. E, cá entre nós, tenho consciência do quanto essa resistência toda é ridícula. Tanto que, na verdade, reverencio cada lição aprendida com a “mãe natureza”.
A obstinação silenciosa das plantas quando se adaptam ao ambiente para sobreviverem é simplesmente admirável. O matinho que surge do asfalto rachado; a trepadeira que ziguezagueia pelos muros cimentados e o pequeno cogumelo nas frestas de um banco de praça pública: eis a vida culminando, apesar de tantos obstáculos.
Outro exemplo inspirador é o que acontece com os destroços de um navio que naufraga. Você acha que os seres vivos das profundezas do mar saem bombardeando os objetos invasores? Claro que não! O que fazem é simplesmente transformá-los em belíssimas arquiteturas de corais, muitas vezes coloridas e dançantes. As criaturas passam pelas frestas do aço e transmutam o obstáculo em ponto de apoio.
Puxa! Como eu gostaria de ser capaz disso! Interferir de forma construtiva, ter o poder da transmutação. Passar pelas frestas, interferir sem ferir e sem ser ferida.
Nada fácil. Até porque, nossa cultura (principalmente a Ocidental, baseada no capitalismo selvagem) dissemina crenças e valores que vão de encontro (isto é: chocando de frente) à ideia de contornar, de adaptar, de conviver. Nossa sociedade é apressada, imediatista, materialista e partidarista. Isso significa que superar uma dificuldade é destruir os obstáculos, sejam eles gigantescas florestas, fauna diversificada, rios potáveis, terras férteis, pessoas com outras crenças, povo de outra etnia, partidos com outras propostas.
Diferente do pequeno cogumelo, da foto do Lalli, a humanidade acha que não pode esperar o ritmo natural do crescer e florescer. Ela não acredita na convivência com adversidades. Não tenta passar pelas frestas: simplesmente usa um trator.
E, com seu trator, o ser humano passa por cima de seu próprio desenvolvimento, transformando a educação em treinamento; a alimentação em fast food; a saúde em funilaria e pintura; o entretenimento em transe hipnótico; as relações sociais em relações mercantis.
Peço que não leia esse texto achando-o negativo ou pessimista. Trata-se apenas de uma proposta para reflexões. Se não for possível desligarmos o trator de imediato, quem sabe, talvez, tirarmos um pouco o pé do acelerador ante um obstáculo. Avaliarmos possibilidades diferentes, considerarmos brechas, passarmos pelas frestas.
Se eu pudesse, recomendaria: quando encontrar uma plantinha crescendo pelas frestas do banco de uma praça, reverencie-a, pois isso é a verdadeira superação.
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Foto by Marcos Lalli
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