Recentemente voltei a dar aulas para graduação e pós-graduação. Várias turmas, rostos novos, recém-saídos do ensino médio ou recém-saídos da graduação. Impossível não me lembrar dos tempos de faculdade ou de recém-formado. Ingressando na vida profissional e na pós.
Eu gostaria de ter recebido algumas informações que só fui ter à mão muito tempo depois. Já escrevi antes sobre esse assunto, mas como já faz alguns anos, vou retornar, com alguns insights diferentes. Seguem, para quem quiser aproveitar:
- Antes de se formar, aprenda inglês. Muito tempo atrás era um diferenciador positivo, isto é, os poucos que sabiam inglês tinham vantagem sobre quem não sabia. Hoje é o contrário: os empregadores esperam que o candidato à vaga saiba inglês, e se não sabe, vai para o fim da fila;
- Ainda antes de se formar, aprenda um terceiro idioma. O espanhol é muito útil, mas o chinês vem ganhando importância. Esse terceiro idioma ainda é um diferenciador positivo, mas não será por muito tempo;
- Planeje sua aposentadoria a partir de agora. Os tempos de se aposentar pelo INSS estão chegando ao fim, e você certamente não vai conseguir aproveitá-los, o que significa que sua aposentadoria ficará por sua conta. Nesse sentido, fica a sugestão de um roteiro para chegar à terceira idade em uma posição mais tranquila:
- Decida um valor que consegue poupar todos os meses, de forma disciplinada, sem falha, e transforme esse valor em um percentual de seu salário. Com o passar do tempo, seu salário muda, e o percentual poupado deve ser no mínimo o que você definirá agora. Pode aumentar esse percentual? Claro que pode, se seu salário permitir (e é recomendado que aumente, aliás). O que não pode é diminuir. E lembre-se: a coisa mais fácil que existe é a gente fugir da disciplina. E poupar exige disciplina. Não vou me estender nesse assunto: ser adulto é fazer escolhas. Desejo que você faça boas escolhas.
- Em primeiro lugar, utilize o que consegue poupar para saldar suas dívidas (cartão de crédito, prestação de carro, etc.). Nada drena seu salário como juros de dívida. Você só conseguirá juntar dinheiro de verdade depois que tiver quitado todas as suas prestações. Até lá, não estará juntando dinheiro para si, mas para seus credores.
- Em seguida, crie um fundo de emergência, primeiramente, com os valores poupados todos os meses. Defina esse valor de forma que você consiga arcar com gastos em caso de alguma emergência médica, familiar ou em caso de ficar sem renda (perder o emprego é situação comum, infelizmente). Esse dinheiro é sagrado e não deve ser usado para nada além de uma emergência. Deve, inclusive, crescer de acordo com suas necessidades pessoais, familiares e seu estilo de vida. Coloque esse valor em algum investimento de baixo risco e alta liquidez, pois a qualquer momento você pode precisar dele.
- Enquanto você monta seu fundo de emergência, estude sobre o mercado financeiro, sobre investimentos, sobre ações e sobre tudo o que pode fazer com que suas economias cresçam. Livros são excelentes, e canais do YouTube não faltam para te ensinar a investir com eficiência.
- Aprenda rapidamente a diferenciar investimento de especulação. Aposentadoria é esforço de longo prazo, exigindo investimentos e paciência. Não dá para ficar “rico” rápido, e os riscos são enormes. Isso não é investimento, mas sim especulação. Sugiro evitar a especulação.
- Fuja, em especial de três armadilhas: day trading, gurus de day trading e aplicativos de day trading. Tem um ditado comum em quem mexe com o mercado financeiro: ganhar dinheiro com day trading é difícil, ganhar dinheiro com day trader é facinho.”
- Tendo aprendido a investir, gerencie seus investimentos e tenha paciência. Depois tenha mais paciência. Depois, tenha ainda mais paciência. Repita esse processo por duas ou três décadas. É plenamente possível ganhar independência financeira ao longo do tempo, especialmente se você conseguir desenvolver a disciplina necessária, mas é preciso paciência.
- Lembre-se: dinheiro de investimento em aposentadoria não serve para comprar carro, para financiar casa/apartamento, para fazer a viagem dos sonhos ou qualquer coisa parecida. Quer alguma dessas outras coisas? Excelente: é só abrir outras linhas de poupança/investimento, próprias para esses propósitos. Mexer na grana da aposentadoria, nem pensar.
- Invista em um mestrado. Você nunca vai ter tanta facilidade para fazer seu mestrado como agora. Depois, sempre vai ficar mais difícil, mais custoso. Um mestrado te abrirá as portas da docência, o que sempre é um porto possível quando o mercado não estiver contratando.
- Invista em certificações profissionais. Faculdade e pós-graduação são excelentes, mas o mercado procura profissionais mais capacitados nas tecnologias e conhecimentos práticos. Há inúmeras empresas, instituições e órgãos de classe que oferecem certificações que o mercado procura. Uma certificação em redes de computadores, por exemplo, te coloca na frente da fila para empregos em tecnologia.
- Ganhe conhecimento em novas áreas, mesmo que pareçam ser díspares de sua formação acadêmica. Inteligência Artificial ou programação, por exemplo, parecem a princípio ser dois assuntos da TI, contudo são ferramentas usadas em quase todos os campos de conhecimento. Entenda como funcionam e aprenda a lidar com essas tecnologias, pois elas podem te abrir portas inesperadas na área em que você quer trabalhar.
- Entenda o valor de disciplinas que não fazem parte do currículo central de seu curso. Você está fazendo Engenharia, Medicina, Letras? Entenda que as disciplinas de Administração, Marketing e Economia, por exemplo, serão muito úteis e seu futuro. E mais: você faz um curso de biológicas ou humanas? A matemática, a probabilidade e a estatística são suas amigas. Exemplos equivalentes podem ser encontrados em todos os cursos: sempre alguma disciplina que você despreza tem o potencial de te dar vantagem em sua atuação profissional.
- Entenda o mais rapidamente possível que a Ciência tem mais valor prático que qualquer crença, e que — como consequência — nenhuma opinião tem o mesmo valor que um fato, por mais que essa opinião seja importante para você. Fato: a Terra é redonda. Fato: vacinas são fundamentais, salvam vidas e não provocam autismo. Fato: o aquecimento global vai causar uma catástrofe global sem precedentes caso não façamos algo rapidamente para mudar a situação. Não há opinião que modifique esses fatos, e você pode facilmente constatar isso se descer de sua opinião pelo tempo suficiente para estudar — em fontes fidedignas — o assunto. Deixar de agir com racionalidade, dentro de preceitos científicos, é colaborar com a ignorância, é colocar vidas em risco, e é ajudar na destruição do planeta.
- Na vida profissional, você compete muito mais com você mesmo do que com seus pares. A corrida é contra você, meu(minha) chapa, e é bom entender isso o mais brevemente possível. Você é quem mais colocará obstáculos em seu caminho profissional. As dificuldades maiores em sua carreira virão de dentro de você, e não de fora. Quanto mais cedo você perceber isso, mais cedo poderá ter uma carreira de sucesso em seu campo de atuação.
- O mundo não é justo. Ponto. Não adianta chorar, discutir, espernear. O que adianta é ganhar as competências, habilidades e — principalmente — atitudes para lidar com um mundo injusto. E quando digo “adianta”, não quero dizer “garante sucesso”, mas sim “te dá uma chance de talvez ter sucesso”. Lembre-se: em um mundo injusto, nada é garantido. Nem fazendo tudo absolutamente certo você garante que as coisas vão funcionar. O que dá para garantir é que se você não fizer tudo ao seu alcance, a chance de dar errado é brutalmente grande. Ser adulto é perceber isso, respirar fundo e ir em frente.
- Procure sempre estar de bem com o que você faz e com sua vida em geral. Steve Jobs, o lendário CEO da Apple dizia que todo dia de manhã olhava no espelho e se perguntava: “Se hoje fosse meu último dia de vida, eu ia querer fazer o que tenho que fazer?” Quando a resposta era “Não” por muitos dias seguidos, ele sabia que tinha que mudar alguma coisa. Você é jovem: mude as coisas quantas vezes precisar enquanto pode, porque a cada ano que passa, vai ficar mais difícil.
Não sei se vai servir para alguma coisa, mas espero que seja útil.
Fala, Ruy! Meu caro, ler o seu texto, mesmo agora, com 50 anos, já me deixou estressado. Imagina sendo jovem e um jovem com dezenas de opções! Entendo e acho coerente tudo que vc falou, mas vc diz isso hoje, depois de muita topada, não? :) O trabalho honra o homem! É, "antigamente', só honrava o homem... Honra como? Que trabalho? Buscar diferencial, estudar, estudar, planejar, planeja, planejar e? e? Ruy, eu não discordo de nada do que vc pontuou! A questão é por quais bons caminhos seguir, ainda que almejando tudo ou parte do que foi escrito. Pragmatismo é ótimo, mas nos trouxe ao mundo como é hoje. Competitivo, injusto, real, cru, cruel. É isso que queremos perpetuar, apenas tendo mais e mais conhecimento com mais capacidade para competir, ter sucesso e dinheiro para aposentar-se, morrer em paz? Abs!
Oi Jaylei. Concordo que a vida tem que ser mais que isso, e que é difícil ver a floresta estando embrenhado no meio dela. Ocorre que meus alunos (a maioria deles) estão entrando agora na faculdade. A expectativa é muita, mas muitos chegam para mim no fim da aula e perguntam "E aí? Entrei na faculdade, e agora, o que faço?". Muitos não sabem se é isso que querem (o curso em que ingressaram), outros questionam a validade da educação superior, uma vez que já estão trabalhando, e por aí vai. Sim, a vida é muito mais que o pragmatismo, mas as dúvidas DELES nesse momento podem ser respondidas com um pouco de organização, com um pouco de pragmatismo. Depois, quando estiverem organizados, um pouco mais seguros de seus caminhos, aposto — até porque passei por isso — que as dúvidas serão outras, os questionamentos (e as "receitas") serão diferentes. Por hora, o que dá para fazer, é apresentar um pedaço do mapa e dar-lhes uma bússola para que consigam se guiar nessa parte do terreno. Abração!
Ruy, agradeço a resposta e tempo para ela. Sabe, concordo mais uma vez com o que foi escrito, afinal, sem bússola pra onde se vai? Então, porque eu, aqui com meus botões, ainda acho que é pouco ou insuficiente? Porque alguns vão fazer certinho e se dar bem, outros e muitos, ficarão a margem, por diversos motivos. Pergunto. Por que alunos chegam à faculdade com tantas dúvidas? Já ouvi de algum educador que o conhecimento só faz sentido se melhorar o entorno no qual a pessoa vive. Seja esse entorno o local de nascimento, a comunidade, o bairro, a cidade, o país, o planeta. Eu fico pensando em culturas ancestrais e nas dúvidas ao se chegar a idade adulta... Fico pensando no carpe diem ou o dolce far niente como "solução", o que não acho ser. Embrenhado na floresta ou perdido no tiroteio, o instinto básico é a sobrevivência, ok! Mas, o quanto funciona seguir a receita? Quantos continuarão perdidos? Ruy, eu não tenho A resposta, mas eu acho que se as competências socioemocionais tivessem sido trabalhadas antes, essas dúvidas seriam diminuídas.
Penso que você esteja com essa impressão de que é insuficiente, Jaylei, por uma razão bem simples: porque de fato é insuficiente. E penso que o motivo é justamente porque fomos criados em uma sociedade que não preza nada além do sucesso. Mudar isso? Fica para as próximas gerações, e para aqueles que buscam outros caminhos, que não o da nossa sociedade "normal". É uma escolha...