Dia desses, um querido amigo meu, Marcos Lalli, enviou-me uma foto dizendo que eu ia adorar. Antes mesmo de baixar o arquivo, conclui: tem a ver com gatos. Afinal de contas, todos meus amigos conhecem essa minha paixão e estão sempre me agraciando com mimos felinos.
Em minha costumeira ansiedade para ver as fotos do meu amigo fotógrafo, não tomei qualquer cuidado ao puxar a imagem na tela do meu celular, com seu visor embaçado de maquiagem e pálido com a luz do sol durante o almoço. Para minha surpresa, olhei e só vi prateleiras. Sabe, esses armários de lavanderia? Aqueles que vão tolerando os mais diversos itens e acabam se transformando em um panorama que nem mesmo a Gestalt dá conta. É… não entendi! Por que eu iria gostar de um armário com uma familiar bagunça organizada em suas prateleiras?
Foi então, como numa fisgada mental, que um par de olhos me fitaram. Como que surgidos de uma escuridão que eu nem havia me dado conta. Meu cérebro ficou alguns segundos tentando atualizar minha leitura mental: bagunça organizada… ops… objetos coloridos… ops… bagunça organizada… ops: olhos que me fitam!!!
Lindos olhos verdes. Olhar profundo. Desses que sopram a superfície da alma com hálito angelical… Como é que demorei tanto para enxergá-los? Justamente eu que adoro gatos: posso vê-los em qualquer lugar, a qualquer hora! Eles estavam lá o tempo todo. Fitando-me desde o início. Aguardando silenciosa e pacientemente. Talvez soubessem que, mais cedo ou mais tarde, eu iria tomar consciência de sua presença.
Acho que já me senti assim antes mesmo de ver essa foto. Quando as prateleiras de minha alma eram abarrotadas de coisas que pareciam não se integrar entre si. E, como se não bastasse, eu ia jogando mais um item, outro item, outro e outro. Eu até reconhecia: preciso organizar essa bagunça! Mas, como? Quando? De que forma? E, assim, eu procrastinava. Quem sabe, um dia, não? Agora, não tenho tempo.
E, lá estavam eles, aguardando no meio da bagunça da minha alma: os olhos que me fitavam. Na verdade, estavam lá o tempo todo. Quietos e presentes. Aguardando serem enxergados por mim. Mas, sentia-me ocupada demais com meu cotidiano. Não tinha como afagar esses lindos olhos verdes em meu coração.
Até que, um dia, numa semana, num mês, em um ano – já não sei mais – comecei a manusear o conteúdo das prateleiras da minha alma. Fui tateando item a item. Num primeiro momento, com certa pressa, sem critério. Com o tempo, fui ficando mais atenta, reparando nas cores, nos formatos nos tamanhos de cada objeto em cada prateleira. Comecei a achar interessante a ideia de organizar de verdade meu armário interior. Peguei-me passando um espanador, descartando o inútil, lustrando cada peça querida em busca do brilho merecido.
A cada momento da arrumação, uma nova descoberta, uma nova lembrança, uma nova decisão. É incrível como somos capazes de manter o que já não serve mais: quantas ideias fora do prazo, quantos sentimentos estragados e que devem ser literalmente jogados no lixo!
Foram momentos incríveis. Dentre a bagunça dos meus pensamentos, os cacos de algumas emoções quebradas, o mau-cheiro da mágoa (quanta água parada!), deparei-me com eles: os olhos que me aguardavam! Fitando-me com segurança, com determinação. Eles sabiam! Sabiam que seriam realmente enxergados. Sabiam que me afetariam, sem mesmo me tocarem.
E, foi aí que percebi: olhos de minha alma, aguardando-me bem ali, nas prateleiras do armário de meu interior. E, ao enxergá-los, eu soube que tinha de ir em frente. Limpar as prateleiras, arrumar esse armário e, ao final, vitoriosa, aconchegar em meu peito os olhos verdes que me aguardavam. Aguardavam com a certeza de que eu concluiria esse processo.
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Foto by Marcos Lalli
Carla, que grata surpresa este texto. Descreve perfeitamente o manusear das prateleiras... o tatear das emoções... a coragem de selecionar as lembranças, as emoções.... o alívio da alma! Muito Obrigada por esta agradável leitura em meu amanhecer. Lalli, a foto me fisgou! Estes olhos existem em minha casa, aprendi a sentir esta presença. Meu gato preto, amor aprendido com a Carlinha... E que linda imagem! Parabéns!
Mara-Vilhosa!! Amiga das mais queridas. Eu que te agradeço por me prestigiar com sua carinhosa leitura. Fico muito feliz ao ver seu amor pelo Tom (seu lindo gato preto de olhos verdes). Se você aprendeu a olhar para os felinos de forma especial, saiba que eu também aprendo coisas maravilhosas com você!
Maras e Marés! Obrigado! Saudade!
Lindo texto!!! Me emocionei. Bjs
Alôu, Acione! Que grata surpresa ter sua leitura! Muitíssimo obrigada por sua consideração.
Carlinha, amei o seu texto! Lalli parabéns pela foto. Que dupla hein! Abracos
Linda Inês! Eu me senti muito prestigiada com sua leitura. Seu comentário me traz mais motivação.
Obrigado, Inês! É um prazer tê-la como nossa leitora! Abç
Obrigada por mais esse presente Carlinha! Sim, porque seus textos e reflexões jamais serão apenas uma lembrancinha, são verdadeiros presentes para alma!