Há um tema que sempre me instigou: a relação entre o que é objetivo e o que é subjetivo. Não é de hoje que tento compreender sua complexidade tão abordada pelas mais diferentes áreas do saber, seja na comunicação, na filosofia, na política, na jurídica, na social, dentre outras.
As palavras objetividade e subjetividade têm, em comum, o termo latino jacere (jogar, atirar). A diferença é que a palavra objetividade conta com o prefixo ob (à frente) e a palavra subjetividade com o prefixo sub (abaixo). A partir daí, podemos compreender que a objetividade nos mostra o que está à nossa frente e a subjetividade nos mostra o que está abaixo, ou seja, não está ao alcance direto. Daí, encontrarmos associações como:
objetividade = realidade + racionalidade + imparcialidade
subjetividade = ficção + emoção + parcialidade
A objetividade tem foco no objeto e a subjetividade tem foco no sujeito. Só que, a existência de um tem relação direta com a existência do outro. Ou seja, a partir do momento em que o sujeito tenta descrever a realidade do mundo à sua frente (aquilo que é objetivo), ele o faz por meio de seu próprio olhar (sua subjetividade).
Complexo, não? De qualquer forma, minha intenção não é mergulhar tão fundo nessa seara. Proponho um olhar mais cotidiano para essa questão. Imagine uma situação rotineira como um incidente no trânsito. Como você o descreveria? Poderíamos imaginar algumas versões, certo? Eu mesma lembro de um evento que me pareceu bem absurdo. Eu poderia descrevê-lo da seguinte forma: “Eu estava voltando do trabalho para casa quando passou por mim um motoqueiro fazendo um alarde insuportável com o escapamento. Eu olhei e vi que se exibia empinando sua moto como um idiota. Ele foi empinando e acelerando como se quisesse provar sua destreza (ou falta dela) até que ele acabou voando em direção à traseira de um carro que havia parado no trânsito logo à frente. Caiu no chão como um saco de batatas. Que imbecil!”
Eu também poderia descrever o mesmo evento da seguinte forma: “Eram 19h:30 e eu voltava do trabalho pela pista do meio numa avenida que interliga Valinhos a Campinas. Ouvi um forte barulho de escapamento de moto e olhando à minha esquerda eu vi que passava um motociclista que guiava sustentando-se apenas sobre a roda traseira. O movimento era inconstante como que acelerando e parando de acelerar. Ao se aproximar do carro à frente, que havia parado devido ao trânsito, a moto e motociclista chocaram-se contra a traseira do automóvel. No choque, o motociclista desacoplou-se de seu veículo, vindo a cair ao chão não demonstrando mais qualquer movimento.”
Poderíamos dizer que a primeira versão é bem mais subjetiva e a segunda bem mais objetiva, não é mesmo? A segunda versão tenta ser o mais realista possível e evita parcialidades, ou seja, evita emitir opiniões. Também podemos perceber que a primeira versão pode incorrer a tons preconceituosos e tendenciosos.
Talvez, a objetividade nos impeça de cairmos no julgamento, da discriminação, do desrespeito ao outro. Mas, já imaginou se as relações interpessoais fossem meramente objetivas? Na verdade, não vejo qualquer possibilidade nisso. Não somos máquinas, portanto, nossa subjetividade virá à tona (vindo de baixo, conforme o termo latino sub), mais cedo ou mais tarde…
Em nossa contemporaneidade, em que praticamente todas nossas crenças e nossos valores estão completamente liquefeitos (conforme descreve Zygmunt Bauman), precisamos de algum tipo de rédea para controlarmos minimamente a impetuosidade da liberdade de expressão. Surge então, o “politicamente correto”. Tem sido difícil “acertar a mão” nessa receita. Há uma linha tênue entre o politicamente correto e a censura. Como tratar as obras de Monteiro Lobato? Como renomear o tão saboroso Bolo Nega Maluca? E o que fazer com a música “Loira Burra” ?
É um prato cheio para alfinetadas criativas como passar a chamar o bolo de “Afrodescendente com Distúrbios Neuropsiquiátricos” e mudar o refrão da música de Gabriel Pensador para “Loira com Limites Cognitivos”.
Na toada da ironia, eu mencionaria o refinamento sarcástico de Luiz Felipe Pondé. Ele dá sua opinião a respeito do sexo politicamente correto e o define primordialmente como “chato”. Segundo ele, o livro Cinquenta Tons de Cinza seria um exemplo fiel desse tipo de sexo: você só poderá manifestar seus delírios e fantasias mediante a assinatura de contrato via advogado. E, ainda no campo da sensualidade, imaginemos quanto seria excitante ouvir seu parceiro declarando: “Com licença, abrirei o zíper de sua calça.” Nada mais objetivo, hein?
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Algumas manifestações da objetividade e da subjetividade são mais fáceis: a primeira, usamos frente à autoridade e a segunda, reservamos à intimidade. No entanto, algumas situações podem mesmo nos embaraçar. Por exemplo: ainda estamos culturalmente acostumados a piadas com loiras, com português, com gays etc.
Já dei belas risadas com piadas de português e não via problema algum em músicas do tipo “Nega do Cabelo Duro”. Até que, Gabriel Pensador lança a “Loira Burra” bem na época em que eu tinha que percorrer a Avenida Paulista para minhas aulas de inglês. Garotos, rapazes e homens feitos ficavam gritando para mim, durante toda minha caminhada, o famigerado refrão. Depois disso, passei a rir com menos gosto das piadas etnocêntricas.
É realmente um desafio humano acertar a dose da objetividade do sujeito e da subjetividade frente ao objeto. Proponho um pouco mais de discernimento.
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