Dia 18 ocorreu a comemoração dos 100 anos de nascimento de um dos maiores personagens do século XX: Nelson Mandela.
Não há como subestimar a importância de Mandela no cenário internacional, obviamente. Um preso político que mesmo depois de 27 anos de cadeia sem ter cometido nenhum crime pelo qual algum tribunal que se considere justo condenaria um cidadão qualquer, Mandela emergiu o que sempre foi: um gigante. Tornando-se líder de direito da África do Sul após sua libertação em 1990, logo de cara exemplificou em dois atos sua mais importante lição à Humanidade: as duas convenções CODESA I e CODESA II (a sigla em inglês significa Convenção para uma África do Sul Democrática).
O regime do apartheid — a violenta dominação exercida pela minoria branca sobre a população negra — havia terminado, e quando um regime de exceção termina, geralmente é o momento de “acertar as contas”. Até aquele momento, o modelo usado em tais situações era o julgamento de Nuremberg, por meio do qual foram responsabilizados e punidos os oficiais do regime nazista após o término da Segunda Guerra Mundial. Em Nuremberg, o resultado foi o suicídio de alguns, a prisão perpétua para a maioria, e décadas de cadeia para quase todos os demais. Algo na linha de: você fez, você paga.
Na África do Sul pós-apartheid, sob a batuta de Mandela — um dos mais injustamente prejudicados pelo regime — a decisão foi outra: deixar o passado no passado. “Houve violência de ambas as partes, alegavam alguns”, mas apesar de essa afirmação ser verdadeira, o maior volume dessa violência (disparado) foi dos brancos contra os negros. Mais: a violência dos negros contra os brancos foi uma reação ao apartheid, e isso ninguém conseguia negar de cara limpa. Mais ainda: depois de quase três décadas atrás das grades — com vários e longos períodos na solitária — Mandela foi um dos maiores prejudicados entre os sobreviventes. E partiu dele a iniciativa de se fazer as pazes, logo ele, um dos que mais justamente poderia ter clamado por reparações e responsabilizações. O homem que durante quase toda sua vida adulta havia pregado a paz — mesmo sendo pessoalmente submetido ao diametralmente oposto — foi o primeiro a dar o exemplo, quando lhe foi permitido.
Na quarta-feira, em um estádio lotado em Johanesburgo, Barack Obama, o ex-presidente dos EUA subiu ao púlpito para celebrar os 100 anos de Mandela. Há alguns paralelos óbvios entre ambos: foram os primeiros presidentes negros de seus países, foram homenageados com o prêmio Nobel da Paz. Mas nem mesmo Obama deixa de observar a gigantesca diferença que separa suas vidas. Mandela é o mestre, e Obama se coloca como um discípulo que não cansa de se inspirar por esse mestre. Obama prestou uma singela homenagem, contando que ainda jovem foi tocado pela colossal esperança de Mandela, que nunca deixou de crer que um dia veria sua nação livre do apartheid, mesmo sendo oprimido pessoalmente por quase três décadas de cadeia sob o guante do regime injusto. Obama viu na tenacidade e na perseverança de Mandela a luz a lhe apontar o caminho e a acreditar no inédito advento de um presidente negro para a mais potente nação do planeta.
Os paralelos maiores são esses, e param por aí, pois quando comparado a Mandela, Obama foi um presidente — na melhor das hipóteses — mediano. Enfrentou uma crise econômica, mas só conseguiu se livrar depois de fazer pesadas concessões ao setor financeiro (sem cobrar as reformas necessárias); não cumpriu a promessa de deixar o Afeganistão, e pouco fez para parar a pilhagem do Iraque iniciada por seu antecessor; continuou com as repressões violentas em locais invadidos pelos EUA, e abusou dos drones em vários ataques, gerando sem cerimônia incontáveis mortes de civis inocentes. No campo doméstico, viu as divisões de seu país se acirrarem, e não conseguiu controlar a impressionante dívida do país. Quando comparado ao processo de reconstrução bem-sucedido liderado por Mandela na África do Sul, deixou muito a desejar. Contudo, quem não deixou? Gandhi, talvez, mas aí já estamos no entrando em um “clube” prá lá de exclusivo, não é verdade?
E mais: se a comparação com Mandela é desfavorável ao ex-presidente americano, Obama se torna um gigante quando olhamos para o cenário atual e vemos um vigarista preconceituoso e ignorante ocupar seu lugar na Casa Branca.
Obama não deixou de mencionar seu sucessor, mesmo que não tenha pronunciado seu nome. Em seu discurso, falou sobre a deterioração dos processos democráticos que vem assolando vários países e povos. Falou sobre a o recrudescimento do nacionalismo e do preconceito. Falou sobre o espalhamento de notícias falsas e sobre a mentira tornada lingua franca na boca dos que deveriam liderar com a verdade. O mundo não está fácil, e a situação deteriora a cada dia que passa.
Ainda assim, o ex-presidente não deixou de lado sua mensagem de esperança, na esteira do exemplo de Mandela. Mesmo diante de um quadro tão triste, Obama lembrou que Mandela não desistiu diante de uma situação bem pior. Os que estão do lado da verdade podem não ver resultados imediatos ou mesmo em seu tempo de vida, mas esses resultados virão. Regimes injustos caem, tiranos são derrubados, crises são vencidas, e por aí vai. É uma mensagem importante, principalmente porque muitos de nós estamos à beira de desistir de tudo, largar essa tal de espécie humana para lá, decretar a falência moral do planeta e começar a andar por aí com um cartaz de “o fim está próximo”.
Se Obama conseguiu suceder George W. Bush depois de 8 anos de uma das administrações mais brancas, belicosas e predatórias que os EUA e o mundo já viram, e se Mandela conseguiu reconstruir o país sobre os escombros do apartheid, como podemos perder a esperança? Que direito temos de nos deixar abater por criaturas insignificantes e desprezíveis do calibre de Trump. Temer, Gilmar Mendes, Lula, Bolsonaro, José Dirceu, Eduardo Cunha e outros das mesmas laias?
Que nada, bola para frente, diz Obama (de maneira bem mais eloquente, claro). Sim, é difícil termos esperança em um momento como esse, mas é justamente em momentos assim que a esperança é mais necessária. Aliás, em momentos assim vale lembrar de um que se considerava pequenininho, mas que nem por isso deixou de ser gigante:
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho! (Mario Quintana)
Muito grato pela honesta e profunda reflexão! A revelia do que muitos teimam achar, a questão chave de tudo que vivemos nos campos social, econômico, político, é moral. Ou melhor ainda, a falta dela.
Pois é, Edu. A gente desanima, mas teve gente que passou "perrengues" muito piores que os nossos e não desistiu. Mandela é um farol para a Humanidade. A capacidade de perdoar e seguir em frente daquele homem é um exemplo para todos nós.
Putz, arrumei alguém de quem discordar. O problema é moral??? Moral de quê ou de quem? Quer dizer que os países desenvolvidos ou os que prezam pelo maior bem estar do seu povo, inclusive de condenados, os mais ecológicos, os mais mais, são assim porque são moralistas? O que é A moral de certos países, que como já escrevi no outro post, fizeram porque podiam, porque eram os mais fortes? Que país tem a ética, como reflexão interior, das regras de conduta, da moral, que devia impedir que arrasassem, desenfreadamente os recursos naturais, que explorassem mão de obra infantil alheia, que "escravizasssem" povos mais pobres com sub-empregos? Ruy, muitas pessoas passaram perrengues e não desistiram, mas não é por isso que não devemos aceitar que muitos não conseguem. Isso não é ser fraco, tem a ver com o entorno, família, fé, amizades, toda a rede de apoio dessa pessoa. Ou será que vamos achar que o depressivo é um fraco, afinal, alguém sofreu, mas não desistiu, se reergueu, venceu?
E se voltássemos ao ensino da moral e cívica? Em alguns anos ou poucas décadas, as crianças/adolescentes cresceriam e abracadabra, a "moral" na sociedade teria retornado com força. Um detalhe, Hitler era bastante moralista e que legal era a juventude hitlerista tbm altamente moralista! Um exemplo de que não tem nada a ver com "moral". Tem a ver com dinheiro, lucro, poder, ignorância, arrogância, distanciamento da natureza, falta de amor ao próximo etc. Ah se fosse somente a "moral"! http://conexaoplaneta.com.br/blog/as-vezes-o-cara-pega-o-canudinho-tem-uma-baleia-la-e-ele-poe-na-boca-dela-diz-presidente-da-fiesp/
Vc deveria ser mais cuidadoso ao se referir a Lula e JD, figuras importantes na redemocratização do Brasil e que garante nossa liberdade de expressão. Seus processos e prisões foram totalmente arbitrárias, politizadas e distorcidas pela aberração juridica da condenação em 2a instancia. Esse jogo ainda está sendo jogado aos olhos da história, não se surpreenda quando todas as condenações de Lula e JD forem revertidas no STF após as eleições de 2018.
Lula e JD foram, de fato, importantes no processo de redemocratização do Brasil, Muchacho, e eu nunca neguei isso. Já quanto à liberdade de expressão, essa veio por conta do referido processo com que eles contribuíram, a princípio, mas que ambos cogitaram abertamente em cercear enquanto estavam no poder. Ambos, também, contribuíram para o uso de mecanismos não-republicanos como "ferramentas" de governo, e por isso merecem os processos dos quais foram e são alvo. Nada diferente do que outros (inúmeros) políticos fizeram e continuam fazendo, verdade, mas isso só aponta para o fato de que esses deveriam estar presos também, e não que Lula e JD deveriam estar soltos. FHC, Aécio, Alckmin, Temer, Jucá. Calheiros e tantos outros deveriam fazer-lhes companhia. FHC, aliás, também foi bastante importante no processo de redemocratização do país, e nem por isso merecia estar solto.
A questão que o Muchacho coloca é interessante. Já fiz essa pergunta no Facebook e poucos respondem. Se o Lula não tivesse o atual percentual de intenção de votos em todos os cenários, ele estaria preso? Não precisam responder, pois todos sabem que a resposta é negativa.
O Lula estaria preso se não tivesse o atual percentual de intenção de votos em todos os cenários? Não sei, mas acredito que não. O Lula mereceria estar preso se não tivesse o atual percentual de intenção de votos em todos os cenários? Sim, pois isso em nada aliviaria sua enorme responsabilidade no processo pelo qual foi condenado.
Na mesma linha da minha resposta ao Muchacho: o fato de que o FHC tem zero de intenção de voto não muda o fato de que ele deveria estar preso.
Ruy, bom dia. Volto a esse post porque o Problema, assim mesmo, com P maiúsculo, é que só um está preso. NENHUM desses que vc citou (FHC, Aécio, Alckmin, Temer, Jucá, Calheiros e tantos outros deveriam fazer-lhes companhia.) está preso e nenhum o será! E todos acham isso normal! kkkkkkk Quanto vc quer apostar que após a eleição, o Lula será solto? Aliás, se o candidato "certo' (Alckmin ou Meirelles) ganhar. Então, meu caro, é uma falácia dizer que se quer "todos" presos. O Lula foi suficiente. Tanto foi, que a Dilma, uma presidente que sofreu Impeachment por crime de responsabilidade está aí, concorrendo a uma vaga no senado e que todos os citados por ti estão, tranquilamente, soltos. Ah! Inclusive uma certa Cláudia Cruz, cujo marido tinha uns 200 milhões que "desapareceram"... O alvo era um só e o objetivo está logo ali para ser retomado.
Acho que você tem razão em parte, jaylei. Sim, nenhum está preso, e sim, as chances de serem é pequena. Mas nem todo mundo acha isso normal. E mais: muitos são os que, ao invés de lutarem por eles serem presos, acham que é normal e que por isso o Lula deveria estar solto também. Essa parcela que acha isso "normal" deveria rever seus conceitos. Querer o Lula solto porque os demais estão soltos é uma contribuição gigantesca a esse processo de normalização que, a se perpetuar, nunca vai permitir que esse seja um país decente.
Ruy, eu acho que os muitos que acham que o Lula deveria estar solto não o pensam pelo fato de outros estarem soltos, mas pelo modo como foi conduzida a investigação e todo o processo. Por exemplo, o processo de impeachment seguiu todos os trâmites legais e a Dilma saiu por "pedaladas", um crime de responsabilidade. Algo grave, não foi presa (não era a intenção) e, que logo depois, o Temer regulariza. Hoje, sinceramente, eu não sei se o Lula recebeu propina. Parece que ele recebeu propostas, parece que as obras foram feitas para ele e família, parece que ele sabia "de tudo'. Tudo parece, esse é o problema. Sim, provas concretas são difíceis para "o maior ladrão do mundo", sim, tá no google. Afff.... E, Ruy, um país decente é o que quase 20% dos eleitores quer com a eleição de Bolsonaro. Eu o tenho com muito apreço e por isso, peço cuidado com essas palavras, decente, moral, como te falei em outro post... Abraço.