A jornalista Sara Miller publicou recentemente um artigo em que relata sua visita a Miami com o objetivo de avaliar o mercado de imóveis da cidade. As notícias não são boas.
Antes da primeira visita, já vem a notícia ruim: Miami está experimentando “enchentes de dia de sol”, que é quando ocorrem alagamentos mesmo sem estar chovendo. Pudera: a cidade é chata como uma panqueca, com a maior elevação sendo de apenas 16 metros acima do nível do mar — e bem distante da praia, aliás — com a maior parte do território à beira do oceano, zero metros de elevação.
Em uma situação dessas, e levando em consideração que o nível do mar subiu quase 30cm desde 1900, não é de espantar que durante a maré alta a água invada a cidade.
Os corretores, por outro lado, dão de ombros e fazem de conta que nada está acontecendo: empurram propriedades milionárias como se a cidade fosse durar para sempre. Quando questionados sobre enchentes, recorrem a dois mecanismos: as bombas de água que atuam constantemente para manter o mar afastado das ruas, e o fato de que várias dessas ruas têm sido elevadas.
E mais: lembram que Amsterdã também é à beira mar e está conseguindo evitar problemas de inundação. A jornalista aponta para o fato de que Amsterdã tem gasto bilhões de dólares para tentar se livrar do problema, muito mais do que os poucos milhões investidos por Miami. A cidade europeia pensa de maneira holística, atacando todos os problemas potenciais a serem causados pela água, inclusive investindo em enormes muros de contenção. Miami só investe em bombas e elevação de ruas, o que é quase nada perto do que precisa ser feito.
Uma inundação gera inúmeros problemas: doenças, retorno de esgoto, destruição de infraestrutura, e por aí vai. Ah, e o solo da Florida é poroso (diferente de Amsterdã, que é construída sobre solo rochoso compacto) o que torna um eventual muro de contenção inútil, uma vez que a água passaria por baixo e inundaria a cidade do mesmo jeito.
Isso não impede os corretores de falarem que os problemas serão resolvidos, e que nada vai acontecer. A banda do Titanic, tocando tranquila depois da colisão com o iceberg, vem à mente.
Noves fora, Miami tem — segundo vários estudos sérios — trinta anos pela frente (assim como uns 80% da Florida, aliás). Depois, adeus.
Fico pensando que esse será o destino de milhares cidades costeiras pelo mundo afora, e o Brasil não é exceção. A diferença para o Brasil é que aqui nossas propriedades milionárias à beira da praia estão sendo empurradas goela abaixo dos compradores em reais, e não em dólares. No mais, é tudo igual: a mesma negação dos fatos, o mesmo dar de ombros, o mesmo “Deus dará”. É a banda do Titanic tupiniquim tocando seu pagode como se tudo estivesse bem.
E obviamente, não está.
Detalhe: lutar contra o “marxismo cultural” (seja lá o que for isso) não vai ajudar em absolutamente nada na resolução desse problema.
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