Recentemente, comecei a ler algo sobre a “Ciência do Mal”. O volume de informações sobre o tema é enorme, e as inferências a respeito do assunto devem beirar o infinito. Há grandes cientistas que propõem teorias palpáveis, há religiosos que propõem reflexões educativas, há profissionais do desenvolvimento humano que incorporam os conceitos em seus treinamentos. Também há curiosos, como eu, que tentam aprender algo com essa discussão toda.
Um dos nomes que podemos destacar nesse assunto é o de Simon Baron-Cohen. De origem judia, esse cientista teria, dentre os motivos que o levaram a se interessar em pesquisar sobre a perversidade, as histórias que ouvia sobre os campos de concentração nazistas: o que faria uma pessoa como Joseph Mengele, por exemplo, praticar crimes tão hediondos como aqueles que envolviam cruéis experiências com seres humanos vivos? Dentre as mais variadas descrições sobre Mengele, ressaltamos que ele se mostrava um perfeito cavalheiro, educado e gentil com aqueles que eram de seu círculo social. Suas enfermeiras também não guardavam qualquer antecedente criminal, incluída dentre elas uma que tivera sido cuidadora de idosos e ganhara uma condecoração por isso. No entanto, esse grupo de criaturas tão solícitas envolveu-se em experimentos bizarros que eram transcritos manualmente passo a passo enquanto a cobaia humana morria lentamente.
Difícil de entender esse comportamento tão desumano, certo? Então, recorremos a um subterfúgio: deve ser algum problema cerebral. As pessoas perversas devem ter algum defeito na cabeça, não é mesmo? Assim, tentamos justificar que a humanidade nasceu para o bem, e o que a desvia disso é algum “defeito no equipamento”. (Acho que esses pensamentos passam pela nossa mente, uma hora ou outra).
No dicionário, o conceito de empatia tem a ver com nossa tentativa de compreender o comportamento do outro, baseando-se em nosso próprio, ou em nossas suposições ou impressões. Talvez, seja ela que impede grande parte dos seres humanos cometerem perversidades.
A empatia é considerada um atributo natural do ser humano (outras espécies também a apresentam em menor grau). De forma bastante genérica, podemos dizer que é graças à empatia que choramos quando nossos amigos choram, que sorrimos quando alguém nos sorri, que saltamos de susto quando assistimos a cenas de filmes de suspense. A empatia, dizem os cientistas, garante a sobrevivência do ser humano, pois ele é um ser gregário, ou seja, que depende do outro para se desenvolver.
O mencionado cientista Baron-Cohen descreve um “circuito da empatia”, envolvendo cerca de 10 regiões cerebrais que são ativadas durante o processo de reconhecimento “de si mesmo no outro”. Muitas pesquisas foram feitas para localizar conexões cerebrais que, sendo ativadas, acabam nos permitindo sentir as emoções dos outros como se fossem nossas. É o sistema empático que nos faz considerar o sentimento do outro antes de tomarmos alguma atitude. Tente se lembrar das vezes que ficou “remoendo” antes de dar uma notícia ruim para alguém de sua estima. “Como contar sem que a pessoa caia em prantos?”
O cérebro não é exatamente uma máquina (a analogia “mecanicista” da mente humana, criada no final do século 19, já caiu em desuso após tantas descobertas científicas), mas eu acabo resgatando essa comparação ao saber que seu circuito empático pode ser momentaneamente comprometido, dependendo das interferências que sofrer, como por exemplo: o estresse, a ingestão de álcool ou drogas, depressão etc. No entanto, que fique claro: esses fatores não são suficientes para isentarmos a culpa de todos os criminosos sob tal efeito.
A neurociência dá algumas pistas para associarmos o funcionamento do cérebro (ou seu mau funcionamento) às condutas perversas. Falando de forma muito superficial, haveria duas partes bem específicas do cérebro que estão envolvidas no circuito da empatia: uma seria responsável por identificarmos rostos humanos; a outra, responsável pela nossa capacidade de reconhecermos emoções no outro (o espelhamento). Imagine-se conversando com alguém à sua frente. De repente, essa pessoa faz uma cara de terror. Imediatamente, nosso cérebro reconhece o semblante de medo e espelha a sensação (ficamos também com medo). Em seguida, olhamos para trás para detectarmos a fonte do terror.
Teoricamente, quando parte desse circuito não é acionada, a empatia simplesmente não acontece. Talvez, isso explique porque tantas pessoas não sofrem, por exemplo, com o sofrimento de animais. Afinal, eles não têm cara de gente! E tantas pessoas não conseguem se colocar no lugar de alguma outra cujas crenças não sejam iguais às suas. Outro exemplo lamentável: torcedores fanáticos que espancam aqueles de outros times. Será que essas pessoas têm algum defeito em seu sistema empático? E inimigos políticos? E os homofóbicos? E os pedófilos? E os psicopatas?
Muita calma nessa hora. Nem mesmo a ciência pode generalizar os resultados de seus próprios experimentos. Você sabia que há muitas pessoas que apresentam a mesma anomalia cerebral de um psicopata e, mesmo assim, nunca cometeram violência? Você sabia que há milhões de pessoas com neurofisiologia normal que vivem cometendo brutalidades? Como explicar essas inconsistências?
Alguns estudiosos da Psicologia Social responderiam: o caráter (ou a falta dele) explica! Estudos neurocientíficos levantam a possibilidade de haver uma parte do cérebro que seja responsável por intermediar aquela que reconhece rostos humanos e aquela que faz o espelhamento. Essa parte intermediadora seria a moradia do caráter. Ele determinaria a conduta benéfica ou maléfica do indivíduo. A psicóloga Susan Fiske (Ph.D – Universidade de Princeton) faz experimentos com scanners para mapear as reações cerebrais frente às influências situacionais. Uma de suas conclusões é que inibimos com muita facilidade nossa violência com aqueles que são considerados “gente como a gente”. Por exemplo: há casos em que prostitutas são espancadas por homens que as consideram “abaixo de gente” e, portanto, seu cérebro – não reconhecendo um ser humano nelas – impede que o circuito da empatia se concretize: não há espelhamento. A mulher, nessas condições, é “coisificada” pelo cérebro do agressor que, não a reconhecendo como gente, não se identifica com a dor dela. Esse tipo de comportamento é sempre resultado de um defeito neuroestrutural? Claro que não! É bem provável que tenha sido um “defeito de caráter”, pois é bem provável que o homem que comete tal violência não tenha criado um repertório psicossocial saudável o suficiente para a convivência pacífica com tudo aquilo que lhe seja diferente (ou que seja contra suas crenças).
Talvez possamos fazer uma análise do que seria o caminho inverso desse circuito “identificar/espelhar”. Quando não queremos nos espelhar com pessoas com as quais não concordamos, tendemos a fazer nosso cérebro diferenciá-las daquilo que consideramos “igual a nós”. Então, o circuito configura-se desta forma: “não é um de nós” / “não reconheço”. Ou, em outras palavras: “não é gente” / “não sinto nada”.
Algumas consequências desse caráter invertido (“mau-caratismo”) poderiam ser:
– É de outro time / não é gente como eu (é uma coisa) = pode bater;
– É de outro partido / não é gente como eu (é uma coisa) = pode matar;
– É de outra religião / não é gente como eu (é uma coisa) = pode desrespeitar;
– É de outra etnia / não é gente como eu (é uma coisa) = pode torturar;
– Não é homem nem mulher / não é gente como eu (é uma coisa) = pode apedrejar.
Como você já deve ter percebido, esse tema pode dar muito “pano para manga”. Minha intenção não é me prolongar ainda mais do que fiz até agora. Eu gostaria, na verdade, de propor um exercício: que tal exercitarmos nossa empatia? Podemos tentar aquecer nosso circuito por meio da superalimentação de nosso caráter. Como fazer isso? Talvez, conscientizando-nos de que, na verdade, fazemos parte de um todo bem maior do que nossa própria família; do que nossa comunidade; do que nosso time; do que nossa corporação; do que nosso partido político; do que nossa cidade; nosso estado; nosso país; nosso planeta; nossa galáxia…
Pode parecer um papo muito insólito, não? E o que importa? O que temos a perder se reconhecermos, na cara de um boi, uma criatura que também sente dor e medo? O que temos a perder se reconhecermos, naquele com a camiseta do outro time, uma criatura que também tem paixão e vontade de vencer? O que temos a perder se reconhecermos, nos “coxinhas” e nos “petralhas” (para ficarmos em um exemplo atual), criaturas que também têm direito de suas próprias crenças e opiniões, sendo elas equivocadas ou não?
Talvez, a mera reflexão a respeito já seja um começo para combatermos a violência criada por cérebros que já contam com sistemas empáticos minimamente funcionais.
Boa noite, Estou pesquisando sobre Felipe Limbargo, analfabetismo emocional, você tem algo sobre esse pesquisador? Grata; Lauriceia souza!
Oi, Lau! Tudo bem? Não conheço Felipe Limbargo. De qualquer forma, se o nome estiver correto, ele não deve ser um pesquisador acadêmico, pois seu curriculum não está na plataforma CNPQ. Para eu poder te ajudar melhor, eu faria algumas perguntas: 1) Como o nome dele chegou até você? 2) Você está pesquisando Felipe Limbargo ou o tema do Analfabetismo Emocional? Se quiser, pode me encaminhar um email: carlapatriciafregni@gmail.com.