O conviver humano é obviamente uma condição da minha existência, mas também é um dos temas que mais me fascinam. Não é para menos que escolhi fazer o mestrado em comunicação e cultura.
Chega a ser algo muito esquisito deparar-me como observadora e observada ao mesmo tempo. Gosto de observar as outras pessoas convivendo e de me observar convivendo com as outras pessoas. Sou como uma pesquisadora e cobaia concentradas em uma única criatura… Louco, não?
Percorrer esse tema, como analista e analisada, leva-me a enveredar pela ética e pelos pecados capitais; pelos amores e pelas dores; pela análise e pela autoanálise. Pode ser uma viagem perigosa; assustadora e reveladora. Trata-se de um solo fértil, mas, ao mesmo tempo, um tanto quanto pantanoso. Geralmente, é bem assustador!
Mas, o que posso fazer? É convivendo que eu conheço o melhor e o pior de mim mesma e também a luz e a sombra dos que estão ao meu redor. Ou seria o contrário…? Ou os outros são eu, enquanto eu sou os outros…? Você viu como é perigoso? E, fascinante…
Sempre que tento compreender a tensão que existe nas relações entre as pessoas, lembro-me da fábula dos porcos-espinhos, exposta na obra de Schopenhauer – Parerga e Paralipomena (seu último livro publicado antes de morrer e o primeiro a fazer sucesso). A narrativa do texto é assim:
“Durante uma era glacial, quando o globo terrestre esteve coberto por grossas camadas de gelo, muitos animais não resistiram ao frio intenso e morreram, por não se adaptarem ao clima gelado.
Foi então que um grande grupo de porcos-espinhos, numa tentativa de se proteger e sobreviver, começou a se unir, a juntar-se um pertinho do outro. Assim, um podia aquecer o que estivesse mais próximo. E todos juntos, bem unidos, aqueciam-se, enfrentando por mais tempo aquele inverno rigoroso.
Porém, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, justamente aqueles que lhes forneciam mais calor, calor vital, questão de vida ou morte. Na dor das “espinhadas”, afastaram-se, feridos, magoados, sofridos.
Dispersaram-se por não suportar os espinhos dos seus semelhantes. A dor era muito grande. Mas essa não foi a melhor solução: afastados, separados, logo começaram a morrer congelados. Os que não morreram, voltaram a se aproximar, pouco a pouco, com jeito, com precaução, de tal forma que, unidos, cada qual conservava uma certa distância do outro, mínima, mas suficiente para conviver sem ferir, para sobreviver sem magoar, sem causar danos recíprocos. Assim, aprendendo a amar, resistiram ao gelo. Sobreviveram.”
Sendo contada assim, como se fosse uma historinha que tem uma “lição de moral” no final, não imaginamos quão pessimista era Schopenhauer. Mas, minha intenção neste texto não é explorar os pensamentos desse filósofo alemão. Quero provocar olhares a respeito das contradições da convivência humana. Como a própria fábula diz, devemos nos manter não tão perto nem tão longe um dos outros. Sermos gregários nos leva à dor e ao calor.
Algumas convivências de nosso cotidiano nos fazem deslumbrar a nossa própria imagem através dos olhos do outro. Dia desses, almoçando com amigos queridíssimos, fui surpreendida com algumas imitações e caricaturas de meus trejeitos na tentativa de revelarem alguns de meus traços pessoais. Puxa, é verdade que faço biquinho quando falo? Caramba! Que pose é essa? Eu faço isso? Então, é assim que eu sou? É assim que me veem? Foi embaraçoso e muito divertido.
Ai, ai, ai… As dores da convivência. Minha imagem no olhar do outro. O que o outro mostra a respeito de mim é realmente o que eu sou? Que parte de mim o outro consegue captar? O que eu deixo transparecer? Eu consigo controlar o que devo revelar ou não? Como saber a medida ideal para o distanciamento? Não tão perto, nem tão longe…
Quando alguém nos conhece muito de perto, há a inconveniência de enxergar nossos vieses mais nebulosos. Nossos chistes, nossos cacoetes, nossas incoerências, ou seja: nossa humanidade quase nua e crua. As desvantagens da convivência mais íntima…
Assim como em quadros impressionistas, para obtermos uma imagem mais nítida do outro – e por que não dizer mais bonita – devemos contemplá-lo à distância. Olhar muito de perto pode transformar uma bela obra em um conjunto de borrões…
Por outro lado, como viver sem o calor que vem do outro? Ao enfrentarmos alguma fase glacial em nossas vidas, danem-se os espinhos que poderão nos ferir! Queremos a aproximação, não é mesmo?
E talvez, depois dos primeiros ferimentos, as espinhadas se abrandem e acabemos por nos dar conta de que as feridas foram causadas, na verdade, pela introdução de nossos próprios espinhos no interior de nossa pele. Se a convivência nos causa dor, pode ser que a nossa pele esteja frágil demais para suportar a pressão do outro sobre nossos próprios espinhos.
Afinal, o que é mais difícil? Congelar de frio ou desenvolver uma pele mais resistente?
Carlinha! Adorei o seu texto. Um assunto tão importante, mas que temos a tendência de não falar. Eu concordo que a convivência humana necessita de um equilíbrio que devemos buscar diariamente de não tão perto e nem tão longe. E, acrescento que devemos filtrar muito o que realmente é do outro e o que é o meu olhar, as minhas dificuldades e as minhas limitações. Ninguém conhece o outro 100%. Por isso concordo no observar diariamente eu e o outro e buscar o equilíbrio. Beijocas
Minha amiga tão querida! Obrigada por sua leitura. Concordo com sua contribuição!
Se a cutucada do outro nos fere tanto e tão fortemente, quanto deste espinho não está em nós mas não nos permitimos tocar nele?Conviver é lapidar arestas ou, pelo menos, tentar assim quem sabe, bem devagarinho ir nos transformando em pessoas melhores.
Alôu, Carine! Obrigada pela sua leitura! É muito gratificante perceber que nossos textos podem promover uma reflexão de temas que nos são tão comuns.
Minha amiga... você me fez ir de A a Z em emoções com seu texto! Maravilhoso! A doçura da escrita aliada a força força dos sentimentos... combinação perfeita! Parabéns!
Oi, amigamada! Fiquei muito tocada por saber que eu contribui para essa sua viagem pelas emoções!
Carla, que leitura boa... seus textos são fantásticos e nos fazem refletir, além da qualidade da escrita. Parabens
Luciana, minha linda! Obrigada pelo incentivo de sempre!!!
Texto lindo, intenso e suave, minha amiga amada! Parabéns!!
Daniamada! Obrigada pelo seu carinho.