Um curso muito bem estruturado, de meditação, e uma adolescente sedenta por aprendizagem sobre si mesma e sobre o mundo. Todos os passos seguidos e uma ansiedade sem igual. E nada. Muitas práticas em outros lugares, outras técnicas, novos conhecimentos. Meditação orientada até ajudava, mas ela fazia a revisão textual das falas. Um inferno. Meditação silenciosa era perturbadora. Os pensamentos pareciam ouvir todo aquele silêncio dentro dela e se apoderavam da forma mais sórdida possível. Desde o botão da calça que incomodava até lembrar da conta a ser paga e a prova do dia seguinte. Ela se irritava muito, confrontava todos os pensamentos, um a um. E achava que vencia! Só que meditar mesmo, nada.
Foram muitos anos praticando, experimentando, conhecendo, se doando, se permitindo sempre conhecer novas maneiras, novas teorias e práticas. Muitas palestras, cursos, vivências. Busca, muita e sempre. Quanto mais ela se frustrava em não acontecer, menos acontecia, óbvio. Acontece que a consciência disso não existia na época. Foi um bonito processo, uma evolução bem intensa a respeito.
Certo dia, ela decidiu que não desistira até que a meditação acontecesse. No silêncio de seu quarto com tudo o que tinha direito, incenso; roupa branca; cristais; flores; meditação orientada tocando, uma seguida da outra; ela se propôs ficar ali até algo acontecer. E eis que, em meio a um padrão exacerbado e “inútil”, de controle, um poderoso insight foi, literalmente, despejado, em sua cabeça jovem e teimosa: o que tento controlar, me controla; e se há controle, não flui; se não flui, não acontece. Sentiu as bochechas queimarem, de uma vergonha constrangedora de si mesma. Chorou de emoção, sorriu do ridículo. Desligou a música, curtiu os últimos instantes do incenso, mudou de roupa e saiu para tomar sorvete. Naquela tarde quente de verão, entendeu algo que fez sentido, realmente, muito mais tarde. Entretanto, o mais importante havia acontecido: a dádiva de descobrir o que não estava funcionando. Sim, saber que não funciona é libertador! Imagina incorrer no mesmo equívoco a vida toda? Isso foi motivo para comemorar, com banana split e sem culpa.
Talvez ela estivesse tão obsecada com aquilo, que nem sequer se deu conta de que a frustração toda era muito positiva e, exatamente, para mostrar que seria necessário outro caminho. Os anos passaram, ela continuou a buscar. Era uma ansiedade mais tranquila, por assim dizer, daquelas que sabe o que quer, mas entende que nada é perdido e todo conhecimento e autoconhecimento fazem parte de uma construção de algo que talvez possa ser descoberto somente no caminhar mesmo. Bizarro, mas muito real para ela.
Foi então que já na casa de seus trinta e poucos anos, teve a bonita e grata oportunidade de conhecer a cidade de Abadiânia e visitar o médium João de Deus. Veja, estamos falando de uma buscadora, ou seja, uma pessoa que tem uma fé consistente do tudo e do nada. Compreende? Enfim, talvez isso seja pauta para outra crônica…
O fato é que, naquele lugar místico, sentiu toda uma energia muito grandiosa tomar dela toda. Mergulhou em si mesma de uma forma como nunca havia experimentado até então. Foram quatro dias de recolhimento, oração, observação, entrega, silêncio, muito branco, sensações, contemplação e, claro, meditação. São muitas pessoas de todas as partes do mundo, que procuram esse lugar. Entretanto, tudo é tão calmo e naturalmente organizado, que você mal se dá conta da existência de tempo e espaço. Uma tranquilidade que invade o peito, desabrocha o grito de um silêncio avassalador e sereno.
Foi justamente aí, assim sem querer, que ela, finalmente, sentiu o que realmente é meditar. É preciso sentir, experimentar, saber só não basta. Há um momento em que o médium recebe a Entidade. Enquanto isso, acontece uma corrente de meditação. E ela teve a audácia graciosa de fazer parte dessa corrente. Já mais madura e cúmplice sem igual da vida, apenas fez o que foi orientado: sentar, fechar os olhos e se entregar. Alguns pensamentos vieram, mas ao invés de relutar, ela apenas acolheu, um a um, e deixou que passassem diante dos seus olhos, como um filme. Nesse momento, descobriu como esvaziar a mente é simples. E na sequência, não sabe dizer ao certo. Talvez esteja aí o maior segredo de meditar: não há segredo! Assim como tudo na vida, não há receita mágica. Existem muitas maneiras e técnicas que orientam você a chegar justamente nisso: no sentir pleno, sem pensar; no ser por existência, deixando todos os personagens, que residem em você, temporariamente mudos. Foi profundamente recompensador, maravilhoso, intenso.
Para se ter uma ideia real sobre a entrega para esse momento, vale contar aqui que, sem perceber, ela ficou quatro horas e meia meditando. Sem perceber. Sem sofrer. Apenas sendo quem ela era, doando e recebendo Luz, fazendo parte da corrente com seu ser por inteiro, de forma totalmente despretensiosa. A amiga, buscadora muito mais experiente e madura que ela, foi quem a cutucou, com carinho, e a chamou de volta. Ao abrir os olhos, ficou estarrecida ao saber do tempo cronológico que o relógio insistia em marcar. A sensação era intensa, mas sem medida de tempo possível. Se fosse arriscar, teria dito que havia ficado, no máximo uns dez minutos. Uma emoção profunda de gratidão tomou conta de cada pedaço dela, de cada corpo, em cada dimensão. Ela aprendeu a acessar a si mesma, numa conexão realmente envolvente e feliz. Finalmente, havia aprendido a meditar. A simplicidade era tamanha, que permaneceu o restante dos dias com um sorriso todo coerente e ingênuo nos lábios. Seu coração gargalhava.
E foi aí que teve outro insight bem interessante: você não força a conexão com nada, com ninguém, muito menos consigo mesmo. A conexão acontece, conforme você constrói caminhos para se descobrir, para acontecer. Só que quando acontecera é algo que não depende de você. E assim, por descuido, num momento de prazer, de alegria, de tranquilidade, é quando as coisas realmente acontecem. Conexão é mágica que só acontece sem doer.
O mar das incertezas da vida tomava dela o chão, tirava o ar. A sensação de estar sendo sufocada por tudo o que não acontecia, fazia com ela não tivesse olhos para ver tudo o que já estava acontecendo no presente. E vez ou outra, ainda faz. É preciso constância em si mesmo, sem pestanejar, porque somos um vai e volta de acontecimentos internos, uma loucura toda boa. A ansiedade tem raízes profundas no passado e/ ou no futuro, ou seja, em lugares irreais. O presente, o hoje, é tudo o que temos. Compreender a respeito disso pode ser um dos caminhos para pavimentar um terreno interno de muita ousadia e benevolência, o terreno da aceitação. Vale lembrar que isso é bem diferente de comodismo, meus caros. Aceitação é acolher o que vier, da forma como vier, com sabedoria, e calma suficiente para ter serenidade apesar de qualquer coisa. Não é o que fazem com você que importa, mas o que você faz daquilo que fazem com você. A meditação, por vivência, acaba por facilitar o entendimento a respeito disso: os sentimentos e pensamentos chegam, são acolhidos com carinho, e se vão em paz. Eles não são seus, meus, nossos. Fica em você apenas o que for realmente seu, o que você é em essência. A partir daí, você tem ferramentas suficientes para saber como lidar com a vida, tão intempestiva e amorosamente surpreendente. Nem fácil, nem difícil, mas possível. Uma corda bamba, onde ter equilíbrio ou não só depende de você.
A vida é mesmo um mar de incertezas, mas hoje, apesar dos pesares, ela nada de braçada e feliz num tudo bem maior e mais bonito do que podia imaginar. É isso e é só.
Oi Daniela, o que posso dizer além de gratidão, gratidão e gratidão? Ri e chorei, pois me acho ridículo quando tento controlar o incontrolável. Quando tenho cautela, quando planejo demais e o quanto isso não evita que chova, que venha a doença e que tudo saia, completamente, dos dos limites que eu estabeleci. :) Sabe, não sou chato (sou), nem tão crítico (sou) e adorei o seu texto, mas permita-me discodar de uma frase sobre conexão: "Só que quando acontecer é algo que não depende de você." É que estou estudando sobre falicitação, mediação, sobre lapidar reacionamentos, grupos, pessoas. Estudo sobre CNV (Comunicação não-violenta) e, sabe, existem técnicas para contruir pontes quando do outro lado da margem não existem ou nem as querem. Sim, só as técnicas não abrem, por si só, caminhos de comunicação e conexão, mas além das técnicas, gentileza, atenção plena e escuta ativa podem sim, quebrar muros, abrir portas, penetrar corações. Não achas? Um bj, Namastê.
Olá, Jarley! Poxa, que honra! Também não tenho outra palavra: gratidão!!! Que bacana seus estudos, acho super válido sim. E concordo também sobre as técnicas, aliás, acho super importante conhecer diferentes técnicas. Quis dizer que o momento exato de acontecer o meditar pode ser imprevisível, pelo menos foi para mim.rs Muito obrigada por sua atenção e comentários, que sempre acrescentam, enriquecem e me deixam imensamente grata! Amanhã tem outro texto! Vou adorar saber o que achou, hein?! Grande abraço!
Amei!!!
Gratidão, Inês querida! Um beijo!