“Pô, meu! Mas que diacho de artigo é esse do 7×1? Então eu vou ter que me contentar porque em 2017 provavelmente não teremos uma reedição da Peste Negra? Vai catar coquinho, cara!”
Essa reação, digamos, colorida, chegou aos meus ouvidos agora durante as festas por ocasião do ano novo. A dose de realidade e a tônica sombria de meu último artigo, ao que parece, não estava em linha com o espírito de comemoração que nos envolve por essa época. Desculpa aí…
Ficou faltando, reclamou a mesma voz do comentário acima, um caminho, uma forma para enfrentarmos o que está por vir de maneira a conseguirmos “escapar ilesos” aos problemas que se configuram no horizonte no ano que se inicia. É aí que a coisa complica. Por um lado, não existe poção mágica que nos proteja de dificuldades; não há bala de prata para dar na testa de 2017 (a não ser que você tenha ganhado a Mega Sena da Virada, mas essa bala de prata é mais do que escassa e já foi disparada por algum sortudo, que não sou eu nem você). Por outro lado, não acredito em autoajuda, e desprezo qualquer coisa nesse sentido. Autoajuda, como já foi dito várias vezes, só ajuda mesmo o autor do livro. Não existe resposta única, que possa ser empacotada e massificada, e quem ainda acredita nisso vai continuar ajudando autores por aí.
O máximo que posso oferecer em termos de um caminho para 2017 é um conjunto de sugestões 100% resultantes do mais trivial bom-senso. Aliás, tudo o que vem a seguir pode ser resumido em “tenha bom-senso”.
Mas vamos lá: aí vão algumas sugestões para sobrevivermos ou, quem sabe, nos darmos bem no ano que se inicia:
Aprenda coisas novas
Leia um livro (ou 40), interesse-se por assuntos novos, procure frequentar sites diferentes, com opiniões e informações diferentes. Procure técnicas diferentes das que você conhece, pontos de vista diferentes, saberes diferentes. Descubra como fazer, faça e empine uma pipa de um modelo diferente daquele que você fazia quando era criança. Meta-se na cozinha e descubra como fazer um prato novo, de preferência envolvendo enguias (ou algum ingrediente igualmente inusitado). Aprenda a dançar Hopak, a dança tradicional dos Cossacos, ou a nossa regional Catira. Compre uma gaita e passe algumas horas assistindo vídeos no YouTube que ensinem a tocar esse instrumento (atribua-se pontos extras se for uma gaita de fole ou um berimbau).
O pior lugar para nos escondermos da tal “crise” é em nossa zona de conforto. O aprendizado de coisas novas nos tira da zona de conforto, pois nos confronta com nossa ignorância, e nos impulsiona a diminuirmos essa ignorância.
Aprender coisas novas nos abre a valiosa oportunidade de enxergarmos o mundo de maneira diferente da que estamos acostumados e, em tempos de crise, pode nos ajudar a enxergar soluções onde antes só víamos problemas.
Entre em forma
A situação do país e a crise internacional não servem de desculpa para essa barriga, para esse sedentarismo, para essa comilança desenfreada toda. E muito menos para o vício do fumo: se você fuma, saia agora, compre uns 2kg de vergonha na cara e pare de fumar imediatamente.
Corra. Nade. Ande. Ande de bicicleta. Frequente a academia da praça próxima à sua casa e aprenda a usar aqueles aparelhos azuis e amarelos. Informe-se a respeito das aulas públicas de zumba ministradas gratuitamente no parque da sua cidade. Aprenda a jogar capoeira, agora que você aprendeu a tocar berimbau.
Feche a boca. Aprenda a comer direito, na variedade correta, na quantidade correta. Baixe um aplicativo gratuito (tem muitos) de controle alimentar e malhação e passe a controlar o que você ingere e a marcar suas malhações.
Anos difíceis (a bem da verdade, situações difíceis em geral) demandam atenção, força, garra, perseverança, sacrifício e uma boa dose de paciência. Ao entrar em forma você estará exercitando todas essas características e mais algumas. E mais: quem consegue perder peso e, digamos, correr 5 km em menos de 20 minutos, vai sentir que pode enfrentar qualquer coisa que a crise nos traga.
Auxilie quem está pior que você
Se você está lendo este artigo, é porque você: (a) tem tempo; (b) tem acesso à Internet; (c) está em pleno gozo de suas faculdades físicas e mentais; (d) não tem uma faca (virtual ou real) em seu pescoço. Provavelmente, também, está com saúde, fora da cadeia, em situação remediável, um tanto ansioso com o que vem por aí, mas “dá para o gasto”.
Pois é, mas mesmo que não esteja tudo às mil maravilhas, você é exceção. Olhe à sua volta e vai ver um mar de gente em situação pior: de grana, de saúde, de tudo. E não estou falando só daqueles que te são próximos: se você expande seu horizonte, vai ver que somos pequenos pontos fora de uma curva que engloba dezenas de milhões. Não, não ganhamos na Mega Sena da Virada, mas comemos três refeições por dia (lautas, pelos padrões internacionais), temos um teto sobre nossas cabeças, além de um monte de possibilidades à nossa disposição com as quais a maioria de nossos semelhantes não consegue nem sonhar.
“Cê tá doido, cara? E lá é problema meu ajudar os outros? Não consigo nem me ajudar direito? Por que tenho que ajudar se ninguém me ajuda?”, dirão alguns, e eu respeito muito essa opinião e concordo com ela: não é responsabilidade de ninguém ajudar ninguém, e é importante que isso fique claro. Ainda assim, somos humanos. e aqueles de nós que decidem olhar para a vida sob parâmetros éticos, vão ver que sim que é útil e necessário oferecer auxílio. O primeiro a ser beneficiado, obviamente, é quem recebe o benefício. Não tem dúvida sobre isso. Mas logo em seguida, o maior beneficiado é quem o oferece. Ajuda em vários níveis, sendo que a melhora em nossa autoestima é um dos primeiros e mais importantes. Quando oferecemos apoio, sentimos que também somos capazes de ajudarmos a nós mesmos.
Um segundo ponto importante a ser percebido quando se oferece auxílio a quem está precisando vem sob a forma de perspectiva: auxiliar alguém em dificuldades ajuda a colocarmos nossas próprias dificuldades e problemas em perspectiva. Não é descontar nossos problemas de barato, não, mas sim perceber que tem gente carregando fardos bem mais pesados que os nossos. Se eles conseguem, nós também conseguimos.
Sem falar que ações do tipo “trabalho voluntário” começam a pegar bem demais nos currículos e junto aos headhunters. Uma amiga que trabalha na área de recolocação me informa que é cada vez mais comum as empresas quererem saber se os candidatos realizam ou já realizaram trabalhos voluntários: são mais propensos à colaboração e ao trabalho em time.
Além disso, não é com dinheiro que se ajuda (ou, pelo menos, não só com dinheiro): seu tempo ao fazer uma visita a um asilo ou a um hospital é valioso; seus conhecimentos profissionais podem ser muito valiosos no treinamento de jovens em busca do primeiro emprego; a gaita que você aprendeu a tocar pode ajudar um monte de gente a se interessar por música, e por aí vai.
Estabeleça (e persiga) objetivos
Minha amiga Isabel Campos é bem mais competente que eu ao falar sobre este assunto, mas posso resumir a questão em uma frase milenar de Sêneca: “Para o barco que não sabe a que porto se dirige, qualquer vento é desfavorável”. Se você não estabelece pelo menos um macro objetivo para o ano, suas chances de chegar ao fim de 2017 frustrado são enormes. Nesse sentido, a Isabel tem dois artigos muito bons que ajudam a olharmos para o ano que terminou, analisando o que conseguirmos, e a olhar também para frente, para o ano que se inicia, dando a nós mesmos a oportunidade de planejar o que vem pela frente.
Aprender uma língua? Ler 40 livros? Escrever um best-seller? Cuidar melhor da saúde? Mudar de emprego/cidade/sexo? Pode parecer que estamos beirando as fatídicas “resoluções de ano novo”, mas o fato é que precisamos de um norte. A alternativa é ficarmos à deriva por mais um ano…
Ter e perseguir objetivos é algo que nos ajuda a focar nossas energias e nossa atenção. Ajuda, ainda, a atenuar os efeitos da tal “crise” sobre nós. Focados em algo de nosso interesse, tendemos a nos deprimir menos com o atoleiro político e econômico em que estamos metidos, aqui no Patropi.
Aprenda a reconhecer e a aproveitar os momentos bacanas
O autor norte-americano Kurt Vonnegut fez vários discursos de formatura depois que conquistou a fama, por meio de seus livros (aliás, Matadouro 5, de sua autoria, é uma excelente pedida para leitura nesse ano que se inicia). Ele dedicava uma porção desses discursos para sugerir que, pelo resto de suas vidas, os formandos reconhecessem em voz alta os momentos de calma, de alegria, de conquista. Não precisava ser algo grandioso, dizia ele: pode ser algo prosaico como um copo de limonada gelada, sentado em uma varanda durante uma tarde quente. Aprenda a identificar esses pequenos momentos e a dizer em voz alta: “Se isso não á bacana, o que é?”
Esse reconhecimento é importante, porque, por mais atribulada que seja a vida, sempre temos um ou dois bons momentos ocorrendo ao longo da semana. Pode ser um papo com os amigos, uma música bacana no rádio enquanto voltamos para casa numa sexta-feira à tarde, um texto bacana lido na Internet com sugestões para o ano que se inicia. Contudo, é fato que, no mais das vezes, deixamos esses momentos virem e irem embora sem os reconhecermos, sem que os aproveitemos conscientemente.
Somos experts em reconhecer tudo aquilo de errado que acontece em nossas vidas, mas negligenciamos sem a menor cerimônia aqueles pequenos momentos em que as coisas vão bem. Melhoraremos — ainda que só um tantinho — nossa qualidade de vida se passarmos a prestar mais atenção nessas pequenas coisas boas que nos ocorrem.
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Aí está: nada de muito mirabolante, nada de muito revolucionário. Tudo, como eu disse, bom-senso. Mas são algumas sugestões simples, que podem fazer com que 2017 seja menos pesado em nossos ombros e, quem sabe, até possa ser visto no futuro como um ano que deixou saudades.
Feliz Ano Novo!
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