Se acredito que, em geral, os políticos “do outro lado” são corruptos, mas nego que os “do nosso lado” também são, então sou míope, ingênuo ou desonesto. Em qualquer dos casos contribuo absolutamente zero para o fim da corrupção.
Se eu, quando questionado sobre a evidência de corrupção de algum político “do nosso lado”, ao invés de entender que ele precisa ser investigado e punido, chamo a atenção para todos os “benefícios” que ele trouxe, colaboro para que a corrupção se perpetue.
Se justifico a corrupção de algum político “do nosso lado” dizendo “Ah, mas é o que temos! Do outro lado é muito pior!”, estabeleço um nível de corrupção “aceitável” e, portanto, coaduno com a corrupção.
Se tolero a corrupção de algum político “do nosso lado” dizendo ”Ah, mas olha quanta coisa boa ele fez!”, eu estou racionalizando a corrupção, buscando justificar o injustificável.
Se condeno a corrupção no político “do outro lado”, mas aceito corrupção equivalente no político “do nosso lado”, sou hipócrita.
Se condeno a corrupção em quem quer que seja, mas cometo eu mesmo atos de corrupção (furo fila, ando pelo acostamento, ando acima do limite de velocidade, compro sem nota, estaciono em vagas especiais sem ter direito a isso, etc.), sou também hipócrita, pois sou tão corrupto quanto quem condeno.
Se critico os políticos “do outro lado”, mas me recuso a criticar os políticos “do nosso lado” (ou rejeito críticas feitas por outros) por ações semelhantes, sou hipócrita novamente, ou mal intencionado, ou ambos.
Se estou entusiasmado com aquele novo político ou aquele novo partido e não estou pronto para ser objetivamente crítico com relação a um e a outro – entendendo que por ser um, humano, e outro, composto por seres humanos (portanto, imperfeitos por natureza) –, logo estou me transformando de bom grado em um futuro otário.
Se me cansei dessa coisa toda de política e quero distância de tudo isso, me recusando a fazer alguma coisa ou mesmo a discutir o assunto, estou assinando embaixo do status quo, e cometo ato de hipocrisia se reclamo de algo que lhe desagrade quanto a esse status quo.
Se sou 100% contra qualquer tipo de regulamentação do estado, isto é, favorável à economia de mercado totalmente livre de qualquer regulação, ou sou um predador inescrupuloso, que não hesitará em destruir seu semelhante em favor do lucro, ou não teria problema algum em me tornar vítima de um desses predadores inescrupulosos.
Se sou 100% contrário a qualquer tipo de iniciativa de livre mercado, acreditando que o Estado (e apenas este) pode garantir justiça social, porque o único resultado possível dos livres mercados é a desigualdade (e, por consequência, a opulência de uns às custas da miséria de outros), ou eu sou completamente ignorante acerca da natureza humana e da História, ou sofro de alguma patologia mental grave (uma terceira possibilidade é que seja eu um hipócrita mais uma vez, embora isso já seja repetitivo).
Se me creio ideológica e/ou eticamente superior a quem quer que seja, sou absolutamente cego para os meus próprios defeitos.
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Sugestão: repita a leitura do texto acima, em voz alta, pelo menos uma vez por dia, pelos próximos 30 anos.
Puxa, amigão. O título de seu artigo me chamou tanto a atenção. Eu pensei: você, falando de mantra???Adorei seu texto! Você falou por mim (e, por muitos outros, tenho certeza).
Obrigado pelo carinho, Carla!
É, texto bacaninha, mas gostaria de saber qual a sua posição atual em relação ao Governo Temer, em quem votaste em 2010 e 2014 e se já tens candidato para 2018. Fico no aguardo. Abs.
"'É, texto bacaninha" me soa como elogiar alguém fisicamente dizendo que ela(e) é simpática(o), ou seja, equivale a dizer que não tem nada de bacana no texto. Se for esse o caso, sem problemas, Jaylei. Obrigado pela leitura e por tomar seu tempo para escrever esse comentário. Sou grato. Sobre o governo Temer, minha posição é de que é um governo ilegítimo, que usou de um verniz de constitucionalidade para chegar ao poder. Porém, por trás desse verniz constitucional, encontra-se um conchavo enorme, uma distorção dos valores constitucionais, e — a se comprovarem as delações dos Odebrechts — um ato ilegal de compra de votos de 140 deputados. Não tem a menor condição de defender um governo assim, com ou sem denúncia na lava-jato do próprio presidente. Não há como justificar o Temer, e eu gostaria de vê-lo, nessa ordem, afastado da presidência, afastado permanentemente da política e na cadeia. Se der para fazer tudo ao mesmo tempo, agradeço. Respondi essa sua pergunta, Jaylei? Bom, mas tem mais, e se fiz uma boa leitura do seu comentário, essa próxima parte você vai achar "bacaninha". Posto tudo isso sobre o Temer, penso que a melhor cois que poderia ter acontecido para o Brasil em 2016 foi o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Evitamos um caos político, econômico e social que faria a Venezuela parecer a Suíça, se não tivéssemos parado com a insânia da Dilma. Veja: não culpo a Dilma pelo estelionato eleitoral que ela cometeu, pois nesse caso a responsabilidade não é dela, mas sim dos eleitores que caíram em seu golpe. Mas a responsabilizo, sim, pela política econômica ruinosa que ela estava praticando. Uma pena, porque no primeiro governo dela, acho que ela foi muito bem. Pronto, agora acho que minha resposta está completa. Olha que legal: dá para criticar o Temer e reconhecer sua ilegitimidade sem ser cego para com os graves erros cometidos pela Dilma. Dá para aceitar que o impeachment foi uma torção gigante da Constituição, sem ser cego para a ru;ina para a qual caminhávamos a passos largos, percebe? Sobre meus votos pregressos, vamos lá: já votei no Lula, já votei no Suplicy, já votei na Marta (só quando ainda estava no PT), já votei no Palocci (eu votava em Ribeirão Preto nas décadas de 80 e 90), como já votei em candidatos de outros partidos. Sobre a próxima eleição, não tenho candidato ainda, mas tenho vários não candidatos: não votarei no Alckmin, não votarei no Aécio, não votarei no Serra, não votarei no Lula e não votarei em ninguém que esteja denunciado na Lava-Jato. Ah, e não voto em nazista, o que elimina qualquer possibilidade de eu votar no Bolsonaro ou em algum candidato a ditador. Ah, e também vou passar longe do Dória, porque acho que ele é muito mais marketing que substância (apesar de eu conseguir reconhecer que zerar a fila da saúde em São Paulo merece aplauso). Bom, se respondi suas perguntas, gostaria de fazer algumas: quando foi que você reconheceu naqueles a quem você defende os defeitos que encontra naqueles a quem se opõe? Nessa mesma veia, consegue enxergar qualidades naqueles a quem se opõe? Se você acredita que sejam verdadeiras as delações da Odebrecht contra aqueles a quem você se opõe, acredita que sejam verdadeiras as delações contra os que você defende? E se você acha que são falsas as delações da Odebrecht contra aqueles que você defende, acredita também que sejam falsas as de;ações contra os demais? Veja, Jaylei, meu texto é sobre viés, e sobre a importância de não termos viés. Não é sempre que consigo não ter viés, mas já caminhei algum tantinho nesse sentido. Consigo enxergar os defeitos dos que defendo, e não só as qualidades. Consigo enxergar as coisas boas que ocorreram nos governos do PT e do PSDB, e não me faço deliberadamente cego para as falcatruas. Privataria, compra de votos para a reeleição, Mensalão, Petrolão: tudo isso está errado e eu enxergo com clareza. Você enxerga? Percebe que seus heróis não são perfeitos, mas são humanos como qualquer um de nós? Percebe que erram, que são gananciosos, que são corruptíveis e muitas vezes corruptos? Percebe que em alguns momentos até defendem o interesse do povo, mas quando o fazem é só porque esse movimento se alinha com seus projetos de perpetuação do poder que conseguiram para si ou que sonham conseguir? Bom, mas já virou textão. Perdão. Mais uma vez: obrigado pela leitura e pelo comentário!
Obrigado pela oportunidade de ler o texto acima. Estarei compartilhando em minhas redes sociais, dando o devido crédito ao autor.
Obrigado pelo carinho e pela consideração, Luciano. E obrigado também pela divulgação!
Olha, acho que o "bacaninha" funcionou bem. Talvez se não o tivesse colocado não teria uma resposta tão completa. Na verdade, o "bacaninha" foi porque não ter viés é bem difícil, afinal somos feitos de ideias e, na maioria, não nossas. E é muito fácil ideias virarem ideais, ideologias... Não que isso seja ruim. E, mais uma vez, o "bacaninha" foi por ler o texto e sem saber mais sobre as suas opiniões, pressupor uma esquerdofobia, me desculpe. Assim, pode parecer, mas não defendo PT, Lula e Dilma, mas acho que falar só de PT tira o foco de quão mal outros partidos fizeram ao país, afinal, só de república são 116 anos, fora os 13 do PT... Focar no PT e no Lula, como o maior ladrão do mundo, é desviar a atenção para reformas que não foram as aprovadas nas urnas, ainda que muito do governo Dilma tbm não tenha sido aprovado. Sobre as coisas boas de governos, o olhar social do PT é correto, pois é por isso que me considero mais de esquerda, pela Justiça Social, do que de direita, pela dita Liberdade. No entanto, políticas sociais ou libertárias entremeadas por caixa 2, corrupção, propina, enriquecimento ilícito etc no meu entender, perdem valor. Eleições difíceis para 2018, mas quem sabe na próxima ou na próxima. :) Abs.
Acho que não ter viés é, de fato, bem difícil, Jaylei. Mas acho que as pessoas que têm viés deveriam evitar a hipocrisia. Viés é ter predileção por alguém, por algum corpo de ideias, ou por algo na personalidade, experiência, passado da pessoa/movimento/ideologia, etc. Mas ter predileção e ser hipócrita são coisas diferentes. E o que me mata na discussão atual é a hipocrisia. É o indivíduo cujo político de preferência está implicado em falcatruas e delações, mas tudo bem: ele pode, quem não pode são os outros. Isso me dói. E vejo isso na direita e na esquerda. E vejo essa hipocrisia disfarçada de parcialidade como sendo uma das mais profundas e robustas raízes dos problemas que enfrentamos. Aceitamos a corrupção “dos nossos” porque acreditamos que eles vão adiantar uma agenda que vai colocar o país nos trilhos. Ledo engano. Enquanto não estivermos rejeitando a falcatrua venha ela de onde vier, vamos apenas estar colaborando para que a situação dolorosa que vivemos se perpetue. Defender o governo Temer em nome de uma suposta governabilidade é um absurdo. O Temer é um bandido, um gângster, que em um país sério estaria apodrecendo na prisão. Na mesma veia, dizer que o Lula é a melhor opção para a justiça social, como alguns amigos petistas não cansam de repetir é um erro grave. O Lula está se tornando o equivalente petista do Paulo Maluf. Nas décadas de 70, 80 e 90 o Maluf era o candidato do “rouba, mas faz”, sendo que o “faz” se referia a “estrada, avenida, ponte, túnel, obra”, para os correligionários, e “obra faraônica superfaturada” para os demais. Pois bem, o Lula está virando o candidato do “rouba, mas faz”, sendo que no caso dele o “faz” quer dizer “justiça social” para os correligionários e “assistencialismo populista” para os demais. Bom, se você achou “bacaninha” esse texto, o dessa semana está café-com-leite: falo sobre a série “Os 13 porquês”, que está dando o que falar. Mas na semana que vem... Puxa, esse vai ser a própria definição de “bacaninha” para você, aposto. Abração.
Isto é lucidez, caro professor! Raríssima, mas cuidado: ela é capaz de provocar profundas transformações na mente humana! Parabéns pela sensatez e obrigada pela contribuição... ah, professora Carla, não se assuste se, em breve, ele começar a entoar outros mantras! Abraços,