Há um tempo, as redes sociais divulgaram a história de uma tribo africana conhecida como Ubuntu. Muito emocionante! Por semanas, vi as pessoas usando a filosofia Ubuntu – que, na cultura Xhosa significa: “Eu sou porque nós somos” – para destacar como nossa sociedade ocidental consumista é individualista e egoísta.
Conta-se que um antropólogo propôs uma atividade às crianças de uma tribo africana. Ele colocou uma cesta cheia de maçãs junto a uma árvore e disse às crianças que o primeiro que chegasse até a cesta ganharia todas as maçãs. Dado o sinal, todas as crianças saíram ao mesmo tempo e de mãos dadas! Então, sentaram-se para desfrutarem da recompensa todas juntas. Quando o antropólogo perguntou o motivo de terem agido daquela forma, uma vez que um único vencedor teria todas as maçãs para si, as crianças responderam: “Ubuntu, como um de nós pode ser feliz se todos os outros estiverem tristes?”
Nós, brasileiros dos tempos atuais, em pleno caos da ética e da confiança em nossos políticos, somos tocados imediatamente pela história. Puxa! Por que nossa sociedade não é como os Ubuntus? No lugar das crianças africanas, um representante de nossa gente teria passado uma lábia no Professor para fugir com a cesta de maçãs e vendê-las posteriormente…
Seria muito bom vivermos em uma sociedade em que todos fossem como um só. Uns cuidando dos outros. Todos pensando por um. Um pensando por todos. O que é de um é de todos. Uma única direção, uma única satisfação, uma única conquista, uma única forma de pensar. Todos gostando de maçãs. Pode ser bom, mas pode também não ser. Nessas condições, o que aconteceria com o indivíduo que tivesse ideias diferentes daquelas vividas pelo grupo? O que seria daquele que preferisse peras?
Trata-se de uma discussão antiga, longa, infinita, extremamente polêmica. Como minha intenção, aqui neste texto, é apenas oferecer uma pílula de reflexão, não entrarei em debates marxistas, não lançarei mão de estudos antropológicos nem buscarei subsídios sociológicos. Quero apenas tocar levemente numa eterna celeuma da humanidade: como lidar com nossas necessidades gregárias e individuais ao mesmo tempo? Como dosar a segurança tribal com a liberdade individual? O que é melhor? Chegar mais longe juntos ou chegar mais rapidamente sozinhos? É isso mesmo! Depende. Há tantos elementos a serem levados em conta…
Claude Lévi-Strauss (antropólogo, professor e filósofo belga), em sua obra A antropologia diante dos problemas do mundo moderno, afirma que “As fórmulas próprias a cada sociedade não são transponíveis a nenhuma outra” (2012, p. 37). Isso me leva a pensar que, nem sempre, o que parece ser bom num determinado tempo/espaço também será bom em outro tempo/espaço.
É claro que me impressionou profundamente o comportamento dos Ubuntus. Para nossa sociedade tão competitiva, é quase inconcebível tal demonstração de união. Até ensinamos, às nossas crianças, o valor da cooperação. Mas, o máximo que poderíamos alcançar é que a criança ganhadora dividisse o prêmio com seus amiguinhos. Ou seja: não se abriria mão da competição.
Será que existe um modelo ideal de sociedade? Eu seria mais feliz vivendo em comunidades nativas (chamadas equivocadamente de “primitivas”)? Será que um Ubuntu seria feliz vivendo em uma metrópole? Não há como chegarmos a respostas seguras, pois eu responderia do ponto de vista de uma nativa da sociedade ocidental capitalista e o Ubuntu responderia como um nativo da tribo africana. Os olhares já estão apropriados por toda uma vida acostumada à determinada realidade sociocultural.
Você acha que há conclusões para a celeuma que eu resgatei? Eu aposto que não! É muito bom poder contar com o apoio grupal. Mas, também é muito bom poder escolher banana enquanto todos estão comendo maçãs.
Oi Carla! Sim, é bom escolher bananas enquanto os outros comem maças, se a escolha for boa e possível, não só para mim quanto para o grupo. Sabe, se pensarmos como humanidade sempre o objetivo será a chegada junta, não importando se mais lento ou mais rápido. Porém, não adianta levar esse pensamento para uma empresa que precise produzir com mais eficiência e com o único objetivo de obter-se o maior lucro possível... Ao pensar no coletivo, o lucro não é objetivo, mas sim, a expressão das diversas individualidades em um espaço de consenso. Nunca será a solução mais eficaz no momento, mas a mais abrangente e eficiente possível. No entanto, não só no Ocidente, quem pensa assim hoje? Eu diria que muitos, não o suficiente ainda, mas pesquisadores e pensadores que acreditam que o sistema atual não beneficia a todos, e além disso traz escassez e desigualdade. Dois exemplos. O Otto Scharmer (Teoria U) que qual fala sobre a divisão existente nas dimensões ecológica, social e espiritual e outro o Satish Kumar (Solo, Alma e Sociedade) que também retrata essa questão, mas focando na necessidade de paz ecológica, paz social e paz interior. Em grupos envolvidos no projeto ULab, do Otto (link de vídeo abaixo) quando perguntados porque não faziam o que achavam que deveria ser feito, ou seja, alcançar uma consciência de ecossistema (consciência coletiva) três palavras destacaram-se: MEDO, GANÂNCIA E IGNORÂNCIA. Quando a pergunta foi o que precisavam para fazer acontecer, a palavra da vez foi: CORAGEM. E, por último, o que precisariam como suporte para fazer o que acham que devam fazer, despontaram: AMOR, ESCUTA E CONFIANÇA. Já passou da hora de mudarmos de paradigma, a Terra e nós agraderecemos! Link: https://www.youtube.com/watch?v=GMJefS7s3lc&spfreload=5
Acrescentaria ainda Sarkar, com o seu Modelo Macroeconômico Holístico de Prout, que tem base filosófica semelhante às que citou. Também entendo que iniciativas particulares e, ainda, isoladas de reações pós-capitalistas e pró-sustentabilidade e propósito começam a proliferar... Logo ganharão visibilidade por seu volume.
Enquanto imperar fundamentalmente a noção de que a propriedade privada é um direito absoluto e o bem estar é alcançado pelo aumento de consumo material, haverá o espírito de competição e acúmulo prevalecendo. Para desfazer o estrago que fizemos na sociedade é necessária a disposição individual e genuína pela autotransformação. Mas, poucos entendem a base do desequilíbrio generalizado que vivenciamos hoje... Poucos são capazes de olhar para si e enxergar o próprio mal que praticam... Parece que somente os outros são egoístas, sentem raiva, desejam e praticam ações com impactos negativos... A maioria não quer se prestar ao esforço mental nem arcar com as consequências da autoavaliação profunda e verdadeira!
Caríssimos Danielle e Jaylei, Como são enriquecedoras as contribuições de vocês ao meu texto! Juntando as duas, eu diria: não é fácil não arcar com as consequências de uma autoavaliação profunda e verdadeira. Isso depende de encararmos nossos medos, nossa ganância e nossa ignorância. Esses são ingredientes inerentes à formação humana e, ao mesmo tempo, totalmente "adestráveis" em nosso próprio interior. Basta querermos!