O PT chegou ao poder depois de reclamar por décadas da “bandalheira” na política. Hoje, dezesseis anos depois, seu cacique maior está atrás das grades justamente por ter se metido em “tenebrosas transações”.
Trump foi eleito chamando Hillary Clinton de mentirosa e batendo na tecla de que ela, corrupta que era, merecia ser trancafiada. Essa semana, o Washington Post contabilizou 8158 mentiras contadas pelo presidente em 2 anos de governo.
Jair Bolsonaro foi eleito com a plataforma de acabar com a corrupção no país, e trouxe o Juiz Sergio Moro para seu gabinete, colocando-o no Ministério da Justiça. Corta para depois da eleição e vemos seu filho, Flavio Bolsonaro metido em transações bancárias muito mal explicadas com seu motorista, garfado movimentando milhões pelo COAF.
Na esteira desses três casos, há trezentos mil outros pelo mundo afora, obviamente. Mas os três servem para pontuar o que deveria ser óbvio: a tal “vontade do poder”, conceito de Nietzsche, se sobrepõe a qualquer ideologia, a qualquer discurso, a qualquer plataforma eleitoral.
Sim, claro, políticos mentem. A maioria deles — independente da nacionalidade, diga-se de passagem, — mente muito. Mas não é esse o ponto.
O ponto é que eles fingem que têm índole, e a gente insiste em acreditar, apesar dos milênios de provas em contrário. A gente se prende na raiva deles, nas promessas, nos preconceitos comuns, nas vantagens imediatas. E quando a vaca vai para o brejo pela enésima vez, a gente passa a ouvir bovinamente o próximo da fila.
- O comunismo bate à porta! Precisamos de ordem na casa!
- A Ditadura destruiu o país! Precisamos de liberdade!
- Os marajás estão corroendo a nação! Precisamos de seriedade!
- A inflação é o mal maior! Precisamos de uma economia estável!
- A fome é o pior dos inimigos! Precisamos dar três refeições ao dia para todos os brasileiros!
- Os avanços sociais não podem se diluir! Precisamos evitar o retrocesso!
- A Venezuela se aproxima! Precisamos evitar o desastre!
- A corrupção, o comunismo, a bandidagem, o politicamente correto e os quilombolas vagabundos querem acabar conosco! Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!
E depois da conquista?
Apesar de alguns até se moverem um “tiquinho” na direção proposta, sempre vem uma dose cavalar de “veja bem”. Uma Coroa Brastel aqui, uma privataria ali, um tríplex acolá, um motorista milionário do outro lado. E assim continuamos.
Quem votou sempre recorre a dois bordões tacanhos:
“Ah, mas antes era bem pior!” e “Para com esse mi-mi-mi, faz favor!”
Ou seja: quem votou venda os olhos com o mais besta dos orgulhos e segue em frente elogiando o caimento e os brocados de seu imperador pateticamente nu.
Uma pergunta: quando a gente vai largar mão de ser besta?
Quando vamos nos tocar que nosso salvador da pátria é tão canalha quanto os que vieram antes? Quando vamos entender que a imagem de seriedade, de empatia, de ousadia, de coragem que ele projeta foi milimetricamente moldada na forja dos marqueteiros? Quando vamos aprender que ao defendermos o indefensável estamos cometendo os erros que nossos supostos inimigos políticos cometeram antes da gente? Quando vamos perceber que mudam as moscas, mas o excremento é da mesma natureza, e que não é porque esse é o meu excremento de estimação que ele seja menos malcheiroso e menos nocivo para mim mesmo?
Infelizmente, a resposta para essas e várias perguntas de mesmo calibre, a tirar pelas lições que a História tenta nos ensinar é simples e triste: nunca.
Enquanto não nos dispusermos a fazer a autocrítica que os petistas se negam vergonhosamente a fazer até hoje — e cuja necessidade se aplica identicamente a qualquer um de nós, independente das predileções políticas — estamos fadados a ficar eternamente aplaudindo canalhas.
Amigo Ruy. Disse tudo e mais um pouco, infelizmente essa é, no geral, a maturidade política da maioria.
Grande Fabio! Quanto tempo! Muito obrigado pelas palavras, meu caro. Sim, infelizmente essa é a maturidade de que somos capazes e, temo, de que seremos capazes por muito tempo ainda.
Muito bom o artigo, Flávio, concordo com quase tudo, tenho um único, mas extenso questionamento, será que é só o PT que precisa fazer autocrítica ? O que dizer da oposição e dos partidos que adotaram o "quanto pior melhor", capitaneados por Aécio e Eduardo Cunha ? E a grande mídia que pinçava seletivamente e tempestivamente as notícias que mais interessava para derrubar o sapubarbudu e sua trupe ? O que dizer do juiz Moro, que em nome do combate à corrupção, quase dizimou nossa construção civil, óleo e gás, infraestrutura (empreiteiras), e quase afunda o setor de proteína animal, algo impensável para europeus e estadunidenses, que protegem setores da sua economia e defende suas empresas, (Qual a dificuldade em se preservar as empresas e punir os sócios e executivos ?) Ou o que Moro queria verdadeiramente, eram os holofotes e a espetacularização para sua futura carreira política ? O que dizer dos banqueiros e empresarios que alegremente apoiaram patos amarelos e bonecos pixulecos passeando pela Paulista para derrubarem a faxineira que prometeu que não ficaria pedra sobre pedra, me lembro bem do mote do Caju: "é só tirar a mulher que tudo melhora, num acordão com os militares, STF e todo mundo junto" . A vida é dura Flávio, não se constrói um país com mentiras e falácias, hoje estamos pagando por isso, com esse governo mambembe, mofando antes da hora, adepto das manjadas práticas de corrupção dos políticos velhacos, sem contar suas prováveis conexões com milicianos. Se fôssemos uma nação mais consciente e responsável, teríamos apoiado as medidas de ajuste da então presidente Dilma e mandaríamos às favas o Cunha e suas pautas bombas. Lembre se que a economia e emprego estavam bem, embora tínhamos um deficit de 100Bi pelas quedas das commodities, algo que poderia ser facilmente controlado cortandos parte dos 300Bi de renúncias fiscais para alguns setores. Já imaginou que bom teria sido Dilma terminando seu mandato, e uma oposição responsável assumindo em 2019, com Alckimin, Marina, Amoedo ou Ciro. Seria pedir demais ou seria só mais um sonho de uma noite de verão ?
Oi Muchacho. Em primeiro lugar, muito obrigado pelo comentário e pelo raciocínio. Respondendo à sua primeira pergunta, em momento algum eu digo que "só o PT precisa fazer autocrítica. Muito pelo contrário, minhas palavras exatas são: "cuja necessidade [de fazer autocrítica] se aplica identicamente a qualquer um de nós, independente das predileções políticas". De fato, falta a todos nós, e se tivesse havido, muitas das barbaridades do passado próximo ou distante poderiam ter sido evitadas.