A realidade dos fatos tomou duas pauladas, recentemente. Bem, na verdade, tomou várias, mas duas saltam aos olhos e pedem atenção para não entrarmos em um caminho que leva ao ridículo e à ruína.
A primeira delas ocorreu quando o futuro Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, atribuiu a uma suposta “trama marxista” o aquecimento global, afirmando em seu blog que “a causa ambiental”, assim chamada por ele, teria sido criada por escritores românticos, e que essa “causa” teria sido sequestrada pela esquerda. Ele nega sem cerimônia os dados da vasta maioria das pesquisas sérias realizadas nos últimos 40 anos a afirmar sem sombra de dúvida que o planeta está se aquecendo e que somos nós, os seres humanos, os responsáveis.
Há, ainda, um prego na ponta dessa paulada: a pedido do presidente eleito Jair Bolsonaro, o Brasil não será mais a sede da Conferência do Clima – COP25, em 2019.
É a política dando palpite na Ciência. Política é negociação de pretensões e opiniões. Só que a Ciência não pretende nada além da verdade, e a verdade não é negociável.
A segunda paulada foi dada pelos deputados estaduais Paulo Siufi e Eli Sousa, da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, que homenagearam o indivíduo responsável pelo despautério do “ET Bilu”, dessa vez pelos estudos sobre a Terra Plana (ou sobre a Terra Convexa, como o indivíduo às vezes alega).
Aqui um parêntese: você já deve ter percebido que não estou mencionando o nome da criatura homenageada pelos deputados estaduais do Mato Grosso do Sul. Sim, é verdade. Incapaz de defender suas ideias de maneira racional, esse cidadão tem o péssimo hábito de abrir processos judiciais por difamação contra quem o mencione por nome como responsável por seus atos e, apesar de a maioria desses processos darem em nada, causam um enorme transtorno para os processados, que devem se deslocar até o Mato Grosso do Sul para se defender. Como não tenho nem o tempo nem a paciência necessária, me eximo de nomeá-lo nesse artigo. Até porque, esse não é o foco do texto.
O foco do texto são os dois deputados estaduais, representantes do povo e do belo estado do Mato Grosso do Sul, que acham que a investigação sobre o formato da Terra — formato esse identificado pelo grego Eratóstenes e demonstrada pelos navegadores do século XVI — ainda precisa de alguma investigação. Ou seja: políticos se metendo com o absurdo da Terra plana.
Mais uma vez, é a política dando palpite na Ciência. Repetindo: política é negociação de pretensões e opiniões. Só que, de novo, a Ciência não pretende nada além da verdade, e a verdade não é negociável.
Dá para perceber algum padrão nessas duas intervenções? Sim, como alguém afeito à Ciência, estou ciente (Rá!) de que dois dados não são suficientes para tirar uma conclusão. Para identificar um padrão, precisamos de uma quantidade estatisticamente válida de dados, da aplicação do método científico, do teste de hipóteses e tudo mais.
Por enquanto são apenas dois “causos”, duas pauladas no pensamento racional dadas por políticos incapazes de (ou desinteressados em) compreender e aceitar a realidade dos fatos.
Não faz com que a dor pelas pauladas seja menor o fato de serem só duas. Até porque, penso que sejam apenas as primeiras de uma longa série. A ver.
Que Deus nos ajude, pois somente uma força superior com bondade infinita, que olhou a caca que foi feita nestas eleições será capaz de dizer... Ta, Ta, bom eu vou ver o que dá pra fazer, mas Lembro foram vocês que se meteram nesta encrenca. E como sempre Eu é que tenho que ajudar na bagunça."
A gente abusa mesmo, Vera, você tem toda a razão.
É de fato muita besteira sendo falada (mas como dizia o 'velho deitado' "Falar até papagaio fala"). Mas é verdade que antes de sediarmos algum evento de tal importância, deveríamos rever as situações de: esgotos a céu aberto (logicamente apenas em regiões metropolitanas e periferias), violência (roubo, estupro, assassinatos, etc) contra pessoas (incluindo turistas estrangeiros), alunos batendo em professores, desvios de verbas que seriam para eventos desse tipo, etc etc. Primeiro arruma-se a casa, depois convida-se os vizinhos para festas, ah é me lembrei que os vizinhos só podem ir até a varanda... Pensem nisso!
Permita-me respeitosamente discordar, Glaydson. Do jeito que você coloca fico com a impressão de que em sua opinião o clima é um problema secundário, e isso não corresponde aos fatos. Temos inúmeros problemas, é verdade, mas esperar que todos sejam resolvidos para "convidarmos os outros para nossa casa" não funciona. Me soa mais como desculpa para tirar o foco do problema gigantesco que é o aquecimento global. Sim, temos violência, mas temos um poder policial e um sistema judiciário para lidar com essa violência, e o recurso que vai para lá não pode ser o recurso do clima, senão a gente resolve o problema da criminalidade e fica sem o que comer, sem o que beber e sem o que respirar. Igualmente, temos o problema da saúde, o problema da educação, o problema da infraestrutura, e tantos outros mais. E temos a capacidade — o dever — de os resolver em paralelo. Deixar um para trás — ainda mais o clima! — é decretar total incompetência. Ou (e espero que não seja essa a intenção do governo) é varrer o problema para debaixo do tapete com a desculpa esfarrapada de que "não estamos preparados". O Brasil é um exemplo os mais importantes do tanto que precisamos de controle climático. Temos uma costa gigantesca, com dezenas de milhões de habitantes. O aquecimento global já está provocando aumento do nível do mar, o que vai provocar uma catástrofe sem tamanho em todas as cidades de nossa costa. Essas dezenas de milhões perderão seus lares, seus empregos, suas cidades. A crise econômica que isso vai gerar não tem precedentes. Pela própria quantidade de recursos naturais que temos a perder com o aquecimento global, deveríamos esta liderando esse esforço, e não nos esquivando dele. Senão, teremos uma economia pujante por cinco ou dez anos, e deixaremos um deserto de herança para nossos filhos e netos.