Vamos a mais um dilema, ok?
Dolores era sininho. Tinha flores nos ombros e asas nos pés. Dou-lhe as tatuagens que melhor me aprouverem. Antenada nas coisas da vida espiritual, tratava-se com bioenergia, limpava os chacras, ia a Pirenópolis em retiro todo o ano. Nem bem saída desses cursos e tratamentos e terapias e viagens, já facultava conselhos, previa futuros, lia as mãos, rogava racas. Fazia yoga, exercitava a kundalini. Afinal, nada havia de bom em ter vivido ali umas quimeras de amor romântico ainda lá no colégio. Essa Julieta na época não morreu e, veja você, dera fruto: um piá lindo, Paulinho, desassossego, tesouro da vida… Já o romeu do colégio deixou-lhe a barriga e azedou a mandioca. Sumiu o estronço. Por isso, dera as caras no mundo do trabalho corporativo logo cedo. Ainda assim sonhava acordada a avoada. Fazia a segunda faculdade. Apaixonada, queria era a poliamor consigo mesma. Cansada daquelas saídas de fim de semana cazamigas que não dava em nada, sossegara a dita. Essa Rapunzel se acastelara. Assim, sem saber, intimidava a rapaziada da firma. Se bem que ainda podia. Naquele dia, leu no horóscopo: “Prepare-se para um encontro que vai mexer contigo”. Aquilo era sério. Agora esperava. Confio? Eis o dia. Na copa, em seu intervalo para o chá do trabalho, via-se sozinha entoando seus mantras de si para si. Até que ouvira nitidamente: “Puxa vida… Minha nossa! C tá Ó!” Era Flávio do TI. De novo. Não bastara ficar mandando recados pelo chat. Vinha ele de propósito no meu horário, invadir meu tempinho.
Desafio. O que fará, em sua altivez, Dolores? Desenredo. Flávio era nada chato. Meio estranho só. Até que bonitinho. As entranhas de cafajeste lhe doíam. Ah, que importa? Criara coragem. Era homem. Dois passos à frente, para em diante, tasca-lhe um beijo, na ponta dos pés. Chupa o lábio e dá uma mordida. Tá bom. Depois daqui saímos. Só por hoje, quebro meu sabático de celibato. Naquele fim de tarde, Dolores, sentada em frente ao monitor, antevia o espelho em frente a cama. Que seja. Nada de dó com Dolores. Foi lá. Me bole, mas só. Relaxa. Se entrega. Carente. Depois, não mexe mais comigo. Sossega. Danada.
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Photo by Med Badr Chemmaoui on Unsplash
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