Aproveitamos o espaço do Confrariando para começar um projeto, nada original, de escrever umas histórias. Não sabemos se existe uma voz pronta, acabada, autônoma. Nem mesmo se sabe o valor dessas palavras, ou se há ouvidos disponíveis e preparados para o malho. Nem mesmo sabemos se isso será um livro. Será? Leitor, leitora: encare o fato de que isso aqui pode não ser contigo. Pode não dar em nada. Pasme. Então não se preocupe se tudo ficar sem continuação, ok?
Vamos lá, então, situar os problemas:
Dilema: Franco era verdadeiro. Trabalhava havia anos na empresa, moto-contínuo. Ou via numa boa dos colegas mais novos, de empresa, mas não de idade se bem que havia gente de diferentes fases e idades e gerações, mas ainda assim ou vivia nem tão de boa assim, que não estava, estacionava. Nada de rotativo na vida, que era a casa, a estrada, o trabalho, a estrada, a casa. Espera algo acontecer, não sabia muito bem o que, mas até a suposição de acontecimento era em si algo a lhe ocupar a cabeça. Pensava: e se tudo mudasse? Se viesse a tal promoção sonhada. Que veio, pois um consultor de RH decidiu que o tempo de casa poderia significar algo: uma baita resistência, um quê de resiliência, pode ser que um pingo de instinto de sobrevivência. Aquele gráfico de perfil certamente lhe dizia algo, e seus cursos de MBA asseguravam isso, certamente, pois sim. A proposta era aumento: de salário, de cargo, de carga, de espaço na baia. Desafio. O que fará, em sua singeleza, Franco? Desenredo. Barbas de molho, dizia seu aparentado, tio afastado, resquício de escrúpulos. Nada de sujar-se gordo, dizia de si para si, absorto. Como sempre, pediu um tempo para considerar. Pontual quase sempre, naquele dia solicitou sair mais cedo, no que foi nem respondido, tamanha falta de se situar no lugar. Já tinha se acostumado à vida de padrão. Mudar para quê? E sentia aquela vergonha de admitir que estava no melhor lugar para si no campo, no canto, parado, vendo os outros no vamo-que-vamo da bola no racha. Muita gente não imagina, mas pode existir pânico em tomar a bola para si, como na vida. Então imagine você. Quando chegou no carro, já sabia o que fazer. Tomou em mãos a carta de demissão que trazia sempre a tiracolo, que era outra coisa sonhada que sobrevida. Assinou. Franco, veja você, voltou calmamente à mesa, dizendo que havia esquecido algo. Deixou sobre o teclado a carta com letras garrafais no envelope endereçada ao gestor. Nunca mais, meu Deus!… Nada diziam aqueles gráficos de desempenho, de avaliação seja de qual ângulo, uma guinada à 180º na vida. Já no carro, segura o volante com as duas mãos. Olhava adiante, retirando do âmago todas as forças para encarar a volta, a casa, a mulher, a cama, o travesseiro. Logo depois, a estrada. Tombou na ribanceira. Morreu. Besta.
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Foto: Ruy Flávio de Oliveira
Olá Gui, Interessante, profundo com toques de ironia. Será que a mudança nos mata? Acho que mata quem fomos... Gostei bastante! ;)
Obrigado, Ana! Beijo!
Verdade. Uma pá de cal em passados, nos guardados no armário e nos passos repisados. Obrigado! :)
Já bem morto de alma, terminou matando o corpo também... Faca afiada, hein? Beijo grande, querido! Pedro.
Tentando, tentando... Meu muito obrigado, mano velho!